A Medida Provisória 936 e os jornalistas com registro em carteira

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(*) Christian Marcello Mañas

A MP 936, que autoriza reduzir salário e suspender o contrato, atinge jornalistas com emprego formal                                

A Medida Provisória 936/2020, publicada na quarta-feira (01/04), trata das medidas trabalhistas que ampliam a flexibilização para os trabalhadores com registro em carteira de trabalho, incluindo os jornalistas. Ela permite a redução da jornada de trabalho com redução de salário por até 90 dias. A mesma MP abre a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias.

A anterior MP 927/2020, publicada em 22 de março, que também prevê medidas de flexibilização, permitiu à empresa a livre adoção de teletrabalho, banco de horas e a concessão de férias.

Os dois pontos da MP 936 — redução de jornada de trabalho e salário e suspensão do contrato — podem ter forte impacto para os jornalistas. Nas duas hipóteses há um modelo de compensação parcial pelo seguro desemprego, um benefício emergencial, mas a regra será o achatamento salarial.

Redução de jornada e salário

A lei prevê a possibilidade de redução da jornada de trabalho por até 90 dias, com redução salarial na mesma proporção, por meio de acordo individual ou coletivo. Em contrapartida, o governo irá arcar com parte do salário com pagamento do seguro-desemprego a que o empregado teria direito caso fosse demitido pela empresa.

A Medida Provisória prevê três possibilidades de redução de jornada e de salário: redução de 25% do salário, com o governo pagando 25% do seguro-desemprego a título de benefício emergencial; 50% do salário, com o governo pagando 50% do valor do seguro-desemprego; e redução de 70%, com o governo arcando com 70% do seguro-desemprego.

No caso dos empregados jornalistas que recebem o piso da categoria (R$ 3.631,16), a MP permite que seja negociado por acordo individual a redução de 25% da jornada e salário. A redução acima deste percentual somente poderá ocorrer via negociação coletiva com o sindicato da categoria.

Exemplo de caso de redução de 50% de jornada e salário por 90 dias. Um jornalista que recebe o salário de R$ 3.631,16 (piso), poderá receber R$ 1.815,58 de salário, mais R$ 906,52 de complemento do governo (equivale a 50% do teto do seguro-desemprego, que é de R$ 1.813,03). Assim, sua renda mensal será de R$ 2.722,31, ou seja, terá redução salarial de 33,40%.

A convenção ou acordo coletivo poderão estabelecer percentuais de redução de jornada e salário diversos daqueles fixados na MP. A jornada de trabalho e o salário anteriormente pago serão restabelecidos quando houver a cessação do estado de calamidade pública ou quando encerrar o período pactuado entre as partes.

Suspensão do contrato

Para os empregados jornalistas que recebem o piso da categoria (R$ 3.631,16), a suspensão do contrato somente poderá ocorrer via negociação coletiva com o sindicato da categoria.

Neste caso, a MP permite a suspensão temporária do contrato do jornalista, no prazo de 60 dias, sem receber salário no período, para as empresas que faturam até R$ 4,8 milhões por ano. Em contrapartida, o governo pagará durante a suspensão o valor mensal equivalente a 100% do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito caso fosse demitido (R$ 1.813,03), a título de benefício emergencial.

Para as empresas que faturam mais que R$ 4,8 milhões por ano, em caso de suspensão do contrato de trabalho, elas terão que continuar pagando 30% do salário durante a suspensão do contrato, a título de “ajuda compensatória”, e o governo pagará valor de 70% do seguro-desemprego.

Para os demais trabalhadores que ganham até três salários mínimos (R$ 3.135,00) ou para o trabalhador de nível superior que recebe mais do que o dobro do Teto do INSS (R$ 12.202,12), poderão assinar acordo individual escrito, sem a participação do sindicato da categoria.

Em todos os casos, o empregador deverá manter os benefícios pagos aos empregados durante o período de suspensão, tais como vale alimentação e plano de saúde, e o empregado não poderá ser requisitado para trabalho remoto ou a distância. A suspensão do contrato será restabelecida quando houver a cessação do estado de calamidade pública ou quando encerrar o período negociado entre as partes.

Garantia de emprego

A MP prevê garantia no emprego até o dobro do período de redução de salário e jornada. Exemplo: caso haja acordo de redução de jornada e salário por 90 dias (prazo máximo), o empregado jornalista terá garantia no emprego por 180 dias.

A lei também instituiu garantia provisória do emprego durante o período de suspensão do contrato e após o restabelecimento por período. Exemplo: caso o contrato tenha sido suspenso por 60 dias, haverá garantia de emprego de 120 dias no emprego.

Comunicação ao Sindicato Profissional

Os acordos individuais de redução de jornada e de salário ou de suspensão do contrato de trabalho, pactuados conforme a MP 936, deverão ser comunicados pelos empregadores ao sindicato profissional no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração.

Resumo das alterações

As principais alterações previstas na MP 936, que envolvem os profissionais jornalistas que recebem entre o valor do piso salarial atual (R$ 3.631,16) e R$ 12.202,12, estão descritas no quadro abaixo:

Redução de jornada/salário por acordo individual

  • Permitida redução de 25%
  • Prazo de até 90 dias
  • Governo pagará benefício emergencial igual a 25% do seguro-desemprego
  • Empregador pode conceder de forma facultativa uma “ajuda compensatória”
  • Garantia do emprego durante redução e após, por igual período

Redução de jornada/salário por acordo com sindicato

  • Permitida a redução em qualquer percentual
  • Prazo de até 90 dias
  • Governo não pagará benefício emergencial se a redução for menor que 25%
  • Governo pagará benefício igual a 25%, 50% ou 70% do seguro-desemprego (conforme a redução)
  • Empregador pode conceder de forma facultativa uma “ajuda compensatória”
  • Garantia do emprego durante redução e após, por igual período.

Suspensão do contrato por acordo individual

  • Não é permitida

Suspensão do contrato por acordo com sindicato

  • Permitida por até 60 dias (pode ser dividido em dois períodos de 30)
  • Governo pagará benefício emergencial no mesmo valor do seguro-desemprego (será de 70% para quem tem direito à “ajuda compensatória” do empregador)
  • Empregador deve continuar pagando benefícios (como plano de saúde e vale alimentação)
  • Empregador pode pagar de forma facultativa uma “ajuda compensatória”, cujo valor depende do acordo coletivo, mas algumas empresas são obrigadas a pagar 30% do salário (as que faturam mais de R$ 4,8 milhões ao ano)
  • Garantia do emprego durante a suspensão e após, por igual período

 

Conclusão

A MP 936 transfere o custo da crise ao trabalhador, autorizando duas duras medidas sobre o salário do trabalhador formal: a) redução jornada de trabalho com redução proporcional do salário; b) suspensão dos contratos de trabalho.

Provocará redução em massa dos salários dos trabalhadores formais no país e está na contramão do que ocorre em muitos países, que adotam medidas concretas de proteção ao emprego e a renda.

A única compensação financeira do governo é o Benefício Emergencial, criado pela MP 936. Corresponde a um valor proporcional à redução do salário e proporcional ao valor do seguro-desemprego.

A negociação direta entre empresa e trabalhador, sem a participação obrigatória do Sindicato em alguns casos, deixará o trabalhador sem escolha diante do absolutismo do poder da empresa. Além disso, a possibilidade de redução de jornada e de salário por meio de acordo individual é inconstitucional, pois viola o artigo 7º, VI, da Constituição, que veda a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.

As medidas de proteção do emprego esperadas deveriam ser de moratória para todas as demissões durante a crise. Resta ao Congresso Nacional corrigir a MP. Ao STF, que já foi acionado, a par da flagrante inconstitucionalidade, espera-se frear a investida contra a negociação coletiva.

 

(*) Christian Marcello Mañas é advogado, mestre em Direito do Trabalho na UFPR.