Por Sidnei Machado (*)
Passado um ano desde a implementação da Lei de Transparência Salarial, o abismo entre os salários de homens e mulheres continua alarmante. Apesar dos avanços na visibilidade dos dados, a desigualdade permanece como um espelho de uma cultura organizacional resistente à mudança. A batalha pela igualdade de gênero no mercado de trabalho ainda enfrenta desafios profundos e estruturais.
Os números são contundentes: em 2022, mulheres brasileiras recebiam, em média, 22% menos que os homens. A Lei nº 14.611/2023, acompanhada de regulamentações específicas, chegou com uma proposta ambiciosa: forçar empresas a tornarem públicos seus critérios remuneratórios e comprovar a ausência de discriminação. Contudo, os primeiros relatórios de transparência salarial de 2024 trouxeram um choque de realidade. A disparidade permanece, com mulheres negras na base da pirâmide.
O revelam os relatórios das empresas?
A lei obriga empresas com mais de cem funcionários a divulgar, semestralmente, Relatórios de Transparência Salarial, expondo salários, bonificações e outros componentes da remuneração. Além disso, determina a criação de Planos de Ação para mitigar as desigualdades, sob pena de multas significativas.
Porém, os relatórios de 2024 evidenciaram uma estagnação preocupante. Em março, constatou-se que as mulheres ainda recebiam 19,4% menos que os homens em funções idênticas. Em setembro, a disparidade subiu para 20,7%. Enquanto a média salarial masculina alcançou R$ 4.495,39, a feminina ficou em R$ 3.565,48. A desigualdade é ainda mais gritante entre mulheres negras, que ganham, em média, apenas 50,2% do salário de homens não negros.
Resistência empresarial
Entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio (CNC) questionaram a constitucionalidade da lei no STF, enquanto o TRF-6 suspendeu temporariamente a obrigatoriedade dos relatórios em decisão controversa. Argumentam as empresas que a lei ignora fatores objetivos como experiência e competência técnica, enquanto outros apontam riscos à privacidade dos trabalhadores. Esses debates expõem uma luta de forças entre avanços sociais e interesses corporativos.
A raiz do problema
A desigualdade salarial reflete um panorama maior: a desigualdade de gênero enraizada na sociedade. Estereótipos, a divisão sexual do trabalho e a falta de políticas de inclusão perpetuam barreiras para as mulheres. Mesmo em cargos de liderança, elas são minoria, e mulheres negras enfrentam desafios ainda maiores.
O caminho para a igualdade
Mais do que transparência, é necessário implementar ações afirmativas. Políticas como cotas para mulheres em posições de liderança, programas de mentoria e ambientes de trabalho inclusivos são fundamentais. A sociedade precisa cobrar mais do que dados: precisa de resultados. A Lei nº 14.611/2023 é um marco, mas sozinha não basta. O Brasil tem um histórico de leis ambiciosas que acabam engavetadas. O sucesso dessa legislação dependerá de fiscalização rigorosa, engajamento empresarial a pressão da sociedade civil.
Ao refletirmos sobre o futuro, a pergunta que ecoa é: conseguiremos transformar a promessa da lei em ação? A igualdade salarial não é apenas uma questão de justiça; é um passo essencial para o desenvolvimento sustentável do país. Que o próximo ano traga mais do que relatórios – traga mudanças reais.
(*) Sidnei Machado é professor de Direito do Trabalho na UFPR, advogado e sócio-fundador do escritório Sidnei Machado Advogados.