Revisão da vida toda: STF impõe derrota aos aposentados e derruba tese que permitia revisão das aposentadorias do INSS

Eduardo Chamecki(*)

O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão recente de 21 de março de 2024, alterou sua jurisprudência e decidiu contra o direito à revisão da vida toda. Ao analisar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 2110 e 2111, o STF estabeleceu uma nova interpretação que dificulta a aplicação do princípio da “revisão da vida toda”. Essa interpretação tinha surgido de um debate intenso no Recurso Extraordinário (RE) 1.276.977 (Tema de Repercussão Geral n. 1102), decidido em 01 de dezembro de 2022, no qual o STF, por 6 votos a 5, havia favorecido os aposentados.

Anteriormente, a tese aprovada nesse julgamento afirmava que os segurados que cumpriram os requisitos para se aposentar após a Lei 9.876/1999, mas antes das novas regras constitucionais de 2019, poderiam escolher a regra mais vantajosa para o cálculo de seus benefícios previdenciários. Isso significava que, em algumas situações, era possível considerar todas as contribuições ao longo da vida para o cálculo da aposentadoria, em vez de apenas as contribuições a partir de julho de 1994.

Segundo a tese aprovada pelo STF no julgamento de dezembro/2022, na prática, a exemplo da posição que já havia sido adotada pelo STJ ao julgar o Tema Repetitivo n. 999, reconheceu-se que, se for mais vantajoso, o aposentado tem o direito à aplicação da regra definitiva. Essa regra prevê o aproveitamento de todas as contribuições ao longo da vida profissional para o cálculo do valor da aposentadoria, em contraste com a regra transitória que permitia considerar apenas as contribuições a partir de julho de 1994. 

A regra transitória foi criada para beneficiar os trabalhadores afetados pela abrupta mudança nas regras de cálculo da aposentadoria pela Lei 9.876/99, que modificou o cálculo baseado nos últimos 36 meses de contribuição para incluir todas as contribuições da vida profissional.

Na maioria dos casos, a regra transitória se mostrou mais vantajosa, permitindo que o benefício fosse calculado com base nas contribuições do final da vida profissional, quando teoricamente o trabalhador alcança um melhor padrão remuneratório.

A tese da revisão da vida toda protegia apenas situações excepcionais em que, por diferentes razões, o cálculo com o período ampliado era mais favorável. Sua aplicação era justa e correta, garantindo a proporção entre as contribuições durante a atividade laboral e o benefício a ser recebido na inatividade, evitando que uma eventual redução no padrão remuneratório no final da vida profissional resultasse em um benefício inferior ao valor das contribuições ao longo da vida.

No entanto, a tese aprovada no julgamento do RE 1.276.977 teve sua aplicação suspensa devido a um recurso do INSS perante o STF, que buscava discutir temas não abordados no julgamento anterior. O início dos debates sobre esse recurso indicou uma intenção do STF de  mudança na orientação anterior, seja para anular o julgamento e determinar o retorno ao STJ, ou para limitar a condenação do INSS a pagar prestações em atraso. 

A inclusão do recurso do INSS no RE 1.276.977 na mesma pauta de julgamento das ADIs 2110 e 2111 foi um sinal de que havia uma manobra em andamento. E, efetivamente, o STF aproveitou o julgamento de processo sobre a constitucionalidade das alterações legislativas da Lei 9.876/99, especialmente em relação ao cálculo do valor das aposentadorias, que aguardava julgamento há quase 25 anos, para rever a jurisprudência que havia reconhecido o direito à revisão da vida toda.

Foi, efetivamente, uma manobra que distorceu o objetivo do julgamento das ADIs. Além de julgar improcedentes as ações e declarar a constitucionalidade das regras da Lei 9.876/99, o STF esclareceu que a declaração de constitucionalidade do art. 3º dessa lei exige que o dispositivo seja observado de forma obrigatória pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, sem exceções. Os segurados do INSS que se enquadram nesse dispositivo não podem optar pela regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, mesmo que essa regra lhes seja mais favorável.

A verdade é que, aproveitando-se da força vinculante das decisões tomadas em controle concentrado de constitucionalidade (ADIn) e apoiado em argumentos orçamentários infundados, deliberadamente alterou o objeto da ADIn para rever  julgamento anterior de um tema de repercussão geral já consolidado pela composição anterior da Corte.

Essa subversão do procedimento de julgamento para atender a interesses específicos, além de frustrar a legítima expectativa de recomposição do valor das aposentadorias para aqueles que foram prejudicados pela regra transitória, fere gravemente a segurança jurídica, que depende do respeito ao devido processo legal e à estabilidade e integridade da jurisdição.

Importante ressaltar que a declaração de constitucionalidade dos artigos 2º e 3º da Lei 9.876/1999 não entra em conflito com a tese da revisão da vida toda, pois sua aprovação pelo STJ e STF se baseou na interpretação adequada e aplicação correta das regras, não na inconstitucionalidade das mesmas.

Formalmente, ainda falta finalizar o julgamento do recurso do INSS no RE 1.276.977; entretanto, após a tese aprovada nas ADIs 2110 e 2111, esse julgamento será uma mera formalidade para declarar que a discussão está prejudicada e o direito à revisão da vida toda derrotado.

(*) Eduardo Chamecki é advogado, sócio do Escritório Sidnei Machado Advogados Associados, mestre em Direito das Relações Sociais (UFPR) e especialista em Direito Previdenciário. 

Publicado em: 22 mar. 2024