As ambiguidades da Reforma Previdenciária

(*) Sidnei Machado

Não se conhece ainda o conteúdo da anunciada Reforma da Previdência Social brasileira. Mas a julgar pelas recentes declarações do governo Dilma, trata-se de um projeto com muitas ambiguidades sobre a concepção e sentido da Reforma.

Até agora os argumentos apresentados se resumem a uma genérica narrativa  sobre as motivações da reforma. Ora se realça a questão demográfica brasileira, justificada pelo aumento da expectativa de vida, para sustentar a preocupação com a sustentabilidade futura do sistema previdenciário; ora se faz referência às exigências de uma reforma de urgência para contribuir com a crise gerada com o desequilíbrio fiscal.

No discurso do dia 28 de janeiro, por exemplo, por ocasião da instalação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), a presidenta Dilma voltou a defender a reforma da Previdência Social como mais um elemento necessário para garantir a “perenidade do equilíbrio fiscal”.

Apesar dos compreensíveis esforços desse discurso do governo, é difícil conciliar uma proposta de Reforma da Previdência Social que contribua de imediato com o ajuste fiscal brasileiro — que tem justificado um conjunto de medidas de ajuste fiscal, cortes de gastos públicos —, com uma Reforma Previdenciária estruturante, com transição de regras e, nesse sentido, com consistentes impactos  nas contas públicas no longo prazo.

Quando o governo Dilma defende a Reforma da Previdência pensa em política de curto ou longo prazo?

A resposta do governo é de um discurso carregado de ambiguidades. A verdade é que a concepção central da Reforma já tem delineados os seus grandes contornos.

Há fundadas razões compreender o sentido da reforma do governo Dilma como uma medida essencialmente de ajuste fiscal. É o que se pode inferir ao ser a proposta colocada na mesa num contexto adverso de grave crise fiscal, com a busca frenetica por saídas para conter o gasto público. E as alternativas representadas pela agenda prioritária de 2016, para indicar quem pagará a conta, são basicamente a recriação a Contribuição sobre Movimentações Financeiras (CPMF) e a Reforma Previdenciária.

A redução dos gastos sociais parece ser o único sentido da reforma que os mercados rapidamente compreenderam, a ponto de logo a encamparem como urgente e necessária. A grande imprensa, aliada de primeira hora dos mercados, se apressou em ler esse sinal. Comentaristas, especialistas e editoriais de jornais igualmente conclamam pela urgência da reforma. O Editorial do jornal O Globo, de 25.11.2005, sob o título de “Não se menospreze a reforma da Previdência”, exortou por uma reforma ampla.

O governo Dilma levaria a cabo uma Reforma Previdenciária como mera medida do “ajuste fiscal”, numa sinalização com o objetivo de acalmar os revoltos mercados?

Não restam dúvidas que alguns setores desejam uma reforma estrutural ampla na Previdência Social, nos moldes preconizados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Por essa razão fazem a defesa de mudanças estruturais na Previdência Social como única alterativa para debelar a crise econômica.

Por outro lado, o governo, fragilizado pelo difícil contexto econômico e político, não se mostra capaz de levar adiante uma proposta alternativa de Reforma Previdenciária que fortaleça a proteção social e o compromisso constitucional com os direitos sociais.

Os atores sindicais e os movimentos sociais, igualmente fragilizados pela crise, dificilmente terão condições de influenciar no debate público da reforma – e mesmo resistir a uma reforma ampla – que se dará no Congresso Nacional.

Sobre o conteúdo da reforma até agora o que se viu do governo Dilma, com a promessa de enviar no primeiro semestre de 2016 ao Congresso uma proposta de idade mínima para as aposentadorias. Promete também, com declarações vagas e ambíguas,  uma longa transição e respeito a direitos adquiridos. Mas se os efeitos serão de longo prazo, haveríamos que colocar em dúvida o argumento da urgência da reforma.

As experiências internacionais de recentes reformas que ampliaram a idade mínima para as aposentadorias, a que faz com frequência referência, não são suficientes a justificar uma idade mínima de urgência no Brasil. Primeiro, que não se pode partir da premissa que no Brasil não há uma idade mínima para as aposentadorias. Depois de duas grandes reformas previdenciárias (1998 e 2003), com alterações no texto Constitucional, permitiu-se que fossem introduzidos dois limitadores aos valores da aposentadoria justamente em razão da idade reduzida do beneficiário. O primeiro em 1999 com a criação do Fator Previdenciário. O segundo, aprovado em 2015, com a regra da fórmula 85/95. Ambos mecanismos atuariais contemplam o critério idade na definição do valor do benefício.

Em que pese a transição demográfica seja uma questão séria e possa justificar um debate sobre o futuro dos modelo previdenciário no longo prazo, o debate sobre a viabilidade de introdução da idade mínima para as aposentadorias é tema complexo.

As ambiguidades do governo Dilma, reveladas na discussão da reforma previdenciária, num contexto de reduzido âmbito do debate público, poderá conduzir a Reforma Previdenciária brasileira uma encruzilhada.