*Roberto Mezzomo
A Medida Provisória n. 664, de 30 de dezembro, que altera as regras de concessão do auxílio-doença, entrará em vigor a partir de 1º de março. As mudanças nos artigos 60 a 63 da Lei 8.213/91 alteram o período de responsabilidade da empresa, o modelo de perícia médica e o cálculo do valor do benefício.
Auxílio é devido a partir do 31º dia de afastamento
A primeira medida é a fixação de 30 dias de licença a cargo do empregador, iniciando-se o auxílio previdenciário a cargo da Previdência Social a partir do 31º dia. Com isso, nos primeiros 30 dias de afastamento o segurado receberá os salários diretamente do empregador, como se estivesse trabalhando.
O período de afastamento de empregado por motivo de doença ou acidente constitui hipótese de interrupção do contrato de trabalho, mas os salários são devidos. Anteriormente, a lei fixava em 15 dias o período de afastamento a cargo do empregador. A ampliação tem o objetivo de redistribuir o risco social entre empregador e a Previdência Social.
Perícia médica por convênio ou parceria
A segunda medida relevante é a alteração no modelo de perícia médica para definição da incapacidade para o trabalho ou para a sua atividade habitual por motivo de doença ou acidente de trabalho, que poderá ser realizada pelo próprio serviço médico do empregador.
A MP 664 inclui o parágrafo 5º no Art. 60 da Lei 8.213/91, que indica que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), “a seu critério e sob sua supervisão, poderá, na forma do regulamento, realizar perícias médicas: I – por convênio ou acordo de cooperação técnica com empresas; II – por termo de cooperação técnica firmado com órgãos e entidades públicos, especialmente onde não houver serviço de perícia médica do INSS”.
Essa medida, já em vigor desde a data da publicação da MP, é polêmica, porque permite que médicos não concursados filiem-se ao INSS através de parcerias e/ou terceirizações para a execução desse serviço.
Limite máximo do valor do benefício
A terceira é a estipulação de novo critério de cálculo, com a introdução de um limite (teto) para o valor do auxílio-doença. O cálculo do valor da renda mensal do auxílio-doença antes era realizado através do percentual de 91% do salário de benefício. Agora a MP 664/2014 acrescentou o parágrafo 10º no artigo 29 da Lei 8.213/91, que cria o novo limite para o cálculo do auxílio-doença, ou seja, limita o valor de renda mensal do benefício para a média simples dos 12 últimos meses do salário de contribuição, ou a média simples do número de salários de contribuições que houver, caso seja este menor que 12.
O artigo 26, que trata, dentre outros assuntos, sobre o salário-de-benefício para cálculo do valor do auxílio-doença, passa a ter o § 10º, cuja redação é: “O auxílio-doença não poderá exceder a média aritmética simples dos últimos doze salários-de-contribuição, inclusive no caso de remuneração variável, ou, se não alcançado o número de doze, a média aritmética simples dos salários-de-contribuição existentes.” Há dúvidas acerca da correta interpretação dessa regra. Há quem entenda que o § 10º criou um “teto” para o salário-de-benefício do auxílio-doença e outros que sustentarão que o “teto” é para o valor do auxílio-doença. A referida alteração não é clara. Apesar de referir que “o auxílio-doença não poderá”, o que leva a crer que o Legislador se refere “ao valor do auxílio-doença”, foi inserido dentro do art. 26, da Lei n. 8.213/91, que trata especificadamente sobre regras do “salário-de-benefício”.
Como se sabe, o salário-de-benefício do auxílio-doença corresponde, na forma do art. 26, II, da Lei 8.213/91, “a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo”. Por sua vez, o auxílio-doença “consistirá numa renda mensal correspondente a 91% do salário-de-benefício”.
Para demonstrar concretamente o resultado de cada interpretação, tomemos o exemplo de trabalhador cujo salário-de-benefício, calculado na forma do art. 26, II, resulta em R$ 3.000 e a média dos 12 últimos salários de contribuição equivale a R$ 1.000, hipótese comum de ocorrer quando trabalhador que recebia salários maiores troca de emprego e passa a trabalhar recebendo valor inferior.
Para aqueles que defendem que o § 10º criou um teto no salário-de-benefício, o valor do auxílio-doença será de apenas R$ 910. Isso porque, a despeito de o salário-de-benefício calculado conforme art. 26, II, equivaler a R$ 3.000, o “teto” a ser respeitado é de R$ 1.000, incidindo sobre este o coeficiente de 91%.
Já para aqueles que entendem que o “teto” se aplica ao valor do auxílio e não ao seu salário-de-benefício, o total a ser pago será de R$ 1.000. Neste caso, considerando o mesmo exemplo, o auxílio-doença pela regra antiga seria de R$ 2.730 (91% de R$ 3.000), contudo, como a média dos últimos doze salários deste trabalhador resultou em R$ 1.000, este será o valor a ser pago, já que deve respeitar o “teto”.
A despeito de a nova regra ter sido inserida dentro do art. 26, deve ser interpretada como sendo o “teto” para o valor do benefício e não para o salário-de-benefício. Justifica-se tal interpretação, pois, caso a intenção fosse limitar o salário-de-benefício, caberia ao Legislador ter expressamente assim previsto, o que não fez. Além disso, o art. 61, ao abordar especificadamente a renda mensal do benefício, usa a mesma redação do § 10º, isto é, “o auxílio-doença”. Por derradeiro, em se tratando de lei que regulamenta benefício previdenciário, direito social de todo cidadão (art. 6º, caput, da CF/88), a interpretação de norma que diminui valor do benefício deve ser restritiva.
De todo modo, independentemente de qual interpretação for adotada, é certo que a alteração atinge de forma gravosa aqueles trabalhadores que por anos seguidos efetuaram recolhimento à Previdência Social sobre salários de contribuição elevados e nos últimos doze meses passaram a contribuir sobre salário inferior. Nesta hipótese, por mais que a média geral dos salários resulte em valor superior, o benefício ficará limitado ao “teto” encontrado a partir da média aritmética simples dos doze últimos salários de contribuição do segurado.
* Advogado sócio do escritório Sidnei Machado Advogados.