A Medida Provisória (MPV) 927/2020, editada em 22 de março, inesperadamente caducará no dia 19 de julho, por falta de votação no Senado Federal. A MP, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública era uma das principiais propostas legislativas adotadas pelo governo Jair Bolsonaro para enfrentar os efeitos da crise da pandemia do Covid-19.
A MP 927, com um sentido flexibilizante, regulava um conjunto de medidas excepcionais durante a pandemia, com vigência prevista até 31 de dezembro de 2020, se fosse convertida em lei. A queda a MP, que teve grande adesão pela empresas, em especial às regras do teletrabalho, cria um cenário de grande insegurança jurídica para trabalhadores e empresas sobre como serão regidas doravante as condições de trabalho ajustadas durante a vigência da MP.
A MP 927 também continha a previsão de prevalência do acordo individual sobre a questão coletiva, uma das questões mais polêmicas. Além disso, a MP autorizava, a critério exclusivo do empregador, a adoção do teletrabalho, a antecipação do gozo de férias e de feriados, a concessão de férias coletivas, a dispensa de realização de exames demissionais, a prorrogação da jornada para profissionais da saúde e a adoção de banco de horas.
O texto original da MP 927/2020 já havia sido alterado na Câmara dos Deputados, que acolheu doze emendas apresentadas ao texto.
Antes disso, no dia 29 de abril, o Supremo Tribunal Federal já havia declarado a inconstitucionalidade de dois dispositivos da MP 927. Haviam sido suspensos o artigo 29, que não considera doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores pelo coronavírus, e o artigo 31, que limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho à atividade de orientação. (ADI 6342).
A inesperada não votação da MP no prazo legal gera a sua caducidade, com vários efeitos jurídicos próprios, previstos na Constituição.
O primeiro deles é não ser possível a reedição da mesma norma na sessão legislativa em curso, ou seja, em 2020.
O segundo efetivo é que poderá o Congresso Nacional, em até 60 dias, a partir de 19 de julho de 2020, editar um decreto legislativo para regular as relações jurídicas constituídas durante a vigência da MP. Não havendo edição do decreto, o que é mais provável, as relações jurídicas ficarão submetidas as regras da MP durante a vigência, ou seja, de 22 de março a 19 de julho de 2020.
O terceiro efeito, mais potente, é que todos os dispositivos que haviam sido alterados pela MP 927 estarão integralmente restabelecidos desde 19 de julho de 2020.
A interrupção da vigência da MP em 19 de julho — antes da previsão de 31 de dezembro — terá impactos imediatos nas relações entre empresas e empregados. Tomamos os exemplos do teletrabalho e do banco de horas.
Para os trabalhadores deslocados para o teletrabalho, por exemplo, a partir de 19 de julho, passarão a ser regidos pelas regras da CLT sobre teletrabalho. Com isso, a legalidade do teletrabalho depende de acordo individual. Desse modo, somente pode prosseguir o modelo de trabalho remoto se o empregado aceitar a sua manutenção ou houver um acordo coletivo com o sindicato.
O banco de horas, do mesmo modo, voltar ser aplicado as regras da CLT a partir de 19 de julho. Para sua validade, passa a depende de acordo ou convenção coletiva de trabalho com o sindicato, com limitação de compensação de até um ano, ou via acordo individual, com compensação limitada a seis meses (CLT, art. 59, §2º).
A caducidade da MP 927 é um derrota do governo Bolsonaro, que usou a pandemia como oportunidade para reforçar a desregulação do trabalho, em especial para esvaziar a negociação coletiva e impedir a intervenção sindical na negociação e mediação da crise.
(*) Sidnei Machado é advogado e professor de Direito do Trabalho na UFPR