A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, apresentada pelo Presidente da República à Câmara dos Deputados em 20/02/2019, em trâmite na Câmara dos Deputados, se aprovada, tem o potencial de provocar uma mudança paradigmática em nosso modelo de proteção social, com profundo impacto na sociedade brasileira. A reforma é um debate central do Brasil do presente para pensar e projetar o nosso projeto de futuro.
A proposta da reforma da Previdência surge num difícil contexto de grande conturbação política e institucional do governo Bolsonaro. Um governo eleito numa eleição atípica, que governa com baixa popularidade, com ataques às instituições e é refém do proposta de aprovação da reforma.
Num panorama mais amplo, a proposta de reforma da previdência tem o propósito de fechar o tripé de reformas desejadas pelo mercado, impulsionadas depois do golpe de 2016. A Previdência é terceiro projeto esperado pelo mercado, depois das duas reformas já aprovadas no governo Michel Temer, a Proposta de Emenda Constitucional que congela os gastos públicos por inacreditáveis 20 anos (Emenda Constitucional n. 95/2016) e a radical desregulação da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017 e a Lei 13.429/2017). As três reformas estruturais se articulam no redesenho e na redefinição das políticas públicas.
A reforma Previdência no projeto do governo Temer estava a tempo bloqueada no congresso por falta de apoio. Mas a PEC 06/2019, com pequenos reflexos, tem avançado rapidamente no Congresso Nacional. Apresentada pelo governo Bolsonaro em 20 de fevereiro, como a “nova previdência”, a proposta modifica o sistema de previdência social (aqui a íntegra da proposta da PEC 06/2019).
Comissões da Câmara
No dia 23 de abril, a proposta recebeu o parecer do relator Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG) pela admissibilidade foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, com a supressão de apenas quatro pontos, por uma ampla maioria de 48 votos favoráveis a 18 contrários (veja a íntegra do parecer da CCJ aprovado).
No dia 25 de abril foi instaurada a Comissão Especial destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição, com relatoria do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP). Na Comissão Especial a proposta recebeu 277 emendas ao texto. No dia 13 de junho o relator da Comissão Especial apresentou o seu relatório substitutivo (veja aqui a íntegra do relatório).
O relatório substitutivo da comissão especial faz alterações importantes no texto original. A proposta de capitalização foi excluída. Também foram retiradas as propostas de alterações na aposentadoria rural e no Benefício da Prestação Continuada (PBC).
A outra alteração substantiva foi a introdução de uma outra opção para as regras de transição das aposentadorias tanto dos servidores públicos quanto para os de empresas privadas que estão perto de se aposentar. Pela proposta do relator da reforma, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), mulheres com 57 anos de idade e 30 anos de contribuição, e homens com 60 anos e 35 anos de contribuição, terão direito ao benefício ao INSS . Quem não tiver o tempo de contribuição quando a reforma passar a valer pagará um pedágio de 100% sobre os anos que faltam para requerer o benefício.
A proposta do relator da comissão especial ainda não foi votada. Se aprovada, na sequência, a proposta deverá ser submetida à votação do plenário da Câmara dos Deputados, em duas votações, com exigência de quórum de 308 votos, dos 513 deputados (3/5). Se aprovada na plenário da Câmara, projeto é remetido ao Senado Federal para com igual trâmite do processo legislativo. (acompanhe aqui a tramitação do projeto na Câmara).
O conteúdo da proposta original do executivo
A PEC 06/2019 reconfigura a Previdência Social dos trabalhadores do setor privado, incluídos os urbanos e os rurais; a previdência dos servidores públicos e alcança os benefícios assistenciais de idosos e deficientes físicos carentes. Como principais conteúdos da reforma, destaca-se:
- Regime de capitalização. Institui o novo sistema de previdência por regime de capitalização por contas individuais. É a mudança estrutural mais profunda da proposta com a pretensão de privatizar o sistema previdenciário brasileiro.
- A aposentadorias. A regra geral proposta prevê aposentadoria somente por idade, deixando de existir a modalidade tempo de contribuição. A idade mínima será de 65 para homens e 62 para mulheres. A carência passará de 15 para 20 anos.
- Regras de transição das aposentadorias urbanas (INSS). Estão previstas três regras de transição diferentes para a aposentaria por tempo de contribuição pelo INSS. O segurado poderá optar pela forma que for mais vantajosa.
- A primeira delas é um sistema de pontos que soma a idade ao tempo de contribuição do segurado, que continua fixado em 30 anos para mulheres e 35 anos para homens. Esse total deve ser de 86 para mulheres e 96 para homens em 2019 e sobe gradativamente até 2033, quando chega a 100 pontos para mulheres e 105 para os homens.
- A segunda regra exige o mesmo tempo de contribuição, além de uma idade mínima pré-estabelecida. Esse piso etário sobe seis meses a cada ano: começa em 56 anos para mulheres e 61 anos para homens e vai até os 65 e 62 anos.
- A terceira opção prevista no texto é para quem está a dois anos de cumprir o tempo de contribuição mínimo para a aposentadoria, segundo a regra atual, que é de 30 anos (mulher) e 35 anos (homem). Eles poderão optar pela aposentadoria sem idade mínima, mas será aplicado o fator previdenciário, além de um “pedágio” de 50% do tempo que falta. Para quem vai se aposentar por idade mínima, a transição é uma só. A idade das mulheres sobe de forma gradual (6 meses a cada ano) dos atuais 60 anos até chegar a 62 anos em 2023. O tempo mínimo de contribuição, para homens e mulheres, também sobe 6 meses a cada ano: vai dos atuais 15 anos em 2019 até 20 anos em 2029.
- Aposentadoria do trabalhador rural. O tempo de trabalho rural exigirá efetiva contribuição de R$ 600,00 anuais por grupo familiar, diferentemente do que ocorre hoje, que somente se requer a demonstração do trabalho naquele período.
- Regra de cálculo dos benefícios do INSS. Os benefícios da nova Previdência serão calculados da seguinte forma: 60% da média dos salários de contribuição, acrescidos de 2 pontos percentuais a cada ano de contribuição que exceder 20 anos.
- Aposentadoria dos servidores públicos. A idade mínima de aposentadoria dos funcionários públicos sobe de 55 anos para mulheres e 60 para homens para 62 e 65 anos, as mesmas que valem para os trabalhadores do setor privado. O tempo mínimo de contribuição passa de 35 anos para homens e 30 para mulheres para 25 anos, com a exigência de 10 anos de serviço público e 5 anos de tempo no cargo em vigor. A idade mínima de 65 para homens e de 62 anos para mulheres vale também para os servidores que entraram no setor público antes de 2003 e que ainda têm direito de se aposentar recebendo integralmente o último salário – a chamada integralidade. A regra de transição do Regime Próprio de Previdência (RPPS) também prevê um sistema de soma de pontos com idade e tempo de contribuição que vai de 2019 a 2033. Para as mulheres, a soma de idade e tempo de contribuição sobe gradativamente de 86 em 2019 para 100 em 2033, enquanto, para os homens, os pontos evoluem de 96 em 2019 a 105 em 2028.
- Professores, policiais e agentes penitenciários. Os professores que trabalham na iniciativa privada – ou seja, estão vinculados ao INSS – passam a ter idade mínima de 60 anos para aposentadoria e um tempo de contribuição de 30 anos. A regra atual para essa categoria não traz um piso etário e exige exclusivamente tempo de contribuição de 25 anos para mulheres e de 30 para homens. Para os professores que atuam no serviço público, hoje é exigida uma idade de 50 anos (mulheres) e 55 (homens). A proposta prevê 60 anos e 30 anos de contribuição para ambos, além de 10 anos de serviço público e pelo menos 5 anos no cargo. O governo propõe, ainda, idade mínima de 55 anos para homens e mulheres que são policiais civis e federais, além de agentes penitenciários. A proposta também exige 30 anos de contribuição para os homens e 25 para as mulheres. Policiais civis e federais não têm, de acordo com a regra atual, idade mínima. Os agentes penitenciários, da forma como funciona hoje, estão sujeitos às regras gerais de aposentadoria. Se a PEC for aprovada, eles passam a ter regra de aposentadoria especial – o que é uma briga histórica da categoria, cujos representantes chegaram a invadir o Congresso Nacional durante a tramitação da proposta de reforma da Previdência do governo anterior.
- Desconstitucionalização. O texto retira da Constituição vários dispositivos que tratam da Previdência Social, transferindo a regulamentação para lei complementar. Essa medida possibilita novas alteração do sistema previdenciário por lei complementar, que exige quorum inferior e, com isso, torna-se mais fácil mudanças futuras.
A reforma da Previdência tem uma proposta bastante abrangente, de grande complexidade paras políticas públicas, com alto impacto sobre a proteção social, sobre direitos em fase de aquisição dos atuais segurados, assim como dos futuros segurados, atingindo benefícios previdenciários e assistenciais e no modelo de financiamento da Previdência Social nos setores público e privado.
São inúmeras as problemáticas que se pode abordar a partir da proposta de reforma e, naturalmente, muitas questões podem alimentar um diálogo e uma discussão verticalizada. Pode-se indagar sobre o significado da reforma, para além da redução da despesa previdenciária; indagar sobre a conformação da reforma com a ordem constitucional de 1988 e, também, refletir sobre as escolhas do modelo de Previdência Social, sobre o papel do Estado e o desenho das políticas públicas dentro de nosso projeto de desenvolvimento.
DOSSIÊ DA REFORMA (PARTE 1) Este artigo compõe um dossiê de acompanhamento e análise crítica da proposta de reforma da Previdência pelos advogados da equipe do Escritório Sidnei Machado Advogados Associados, com a finalidade informativa e a pretensão de contribuir com o debate público sobre a proposta da reforma.
Sidnei Machado Advogados Associados – Atualizado em 14/06/2019, às 17:13