2015 foi marcado por reformas ambíguas na legislação trabalhista e previdenciária


SIDNEI MACHADO

Advogado e Professor na UFPR

 

Em 2015, depois de uma década de crescimento econômico, o Brasil ingressou em processo de crise econômica, política e institucional.  O cenário de progressiva deterioração da economia do país, associada a instabilidade política, criou as condições para que se desencadeassem uma série de medidas normativas como alternativas de enfrentamento da crise.

Ao longo do ano, foram adotadas, como medidas de urgências, mudanças relevantes na legislação do trabalho e da previdência  social. Vinculadas às opções de saída da crise, as medidas adotadas representaram um abrupto ponto de inflexão nas políticas para os direitos sociais mantidas nos anos recentes de relativa bonança econômica.

Ao mesmo tempo, do modo ambíguo,  houve substantiva produção normativa com a regulamentação do trabalho doméstico e da inclusão da pessoa com deficiência.

Pensão por morte, do auxílio-doença e do seguro-desemprego

As primeiras iniciativas legislativas de políticas de austeridade do governo Dilma foram direcionadas à previdência social. Foram editadas, no dia 30 de dezembro de 2014, duas normas de urgência: as Medidas Provisórias (MPs 664 e 665, ambas aprovadas pelo Congresso Nacional nas leis n. 13.134/15 e n. 13.135/15). As medidas, em vigor desde 1º de março, alteraram as regras de concessão dos benefícios da pensão por morte, do auxílio-doença e do seguro-desemprego.

Essas alterações, com objetivo reduzir o custo social, têm um amplo significado para a fragilização das políticas de proteção social, na medida em que estão alinhadas às tendências de cortes progressivos de gastos sociais iniciadas pelo então ministro da Fazenda Joaquim Levy. Apesar de apresentadas para “corrigir distorções”, em essência, trata-se de reduzir o espaço da proteção social, com restrições a direitos sociais.

No tema da pensão por morte – onde se deram as mudanças mais profundas – foram introduzidas regras que limitam a elegibilidade à prestação previdenciária, tanto para trabalhadores do setor privado quanto para os servidores públicos. As novas regras passaram a exigir como requisitos para a concessão da pensão por morte: (i) período mínimo de carência de 24 contribuições mensais, quando antes era inexistente; (ii) tempo mínimo de casamento ou início de união estável de dois anos, quando antes não se fixava prazo; (iii) tratamento diferenciado em relação ao tempo de duração da pensão em razão da idade do cônjuge.

A pensão por morte, antes como regra vitalícia, passou ser temporária (entre 3 e 15 anos) proporcional a idade do cônjuge sobrevivente na data do falecimento do segurado. Além das restrições de acesso ao benefício, a MP trata de reduzir o salário de benefício de 100% para 50%, permitindo o acréscimo de cotas de mais 10% para cada dependente até o limite de 100%.
Em tema da prestação do auxílio-doença, a mesma Medida Provisória (MP n. 664) fixou um valor limite do benefício. O valor da prestação passou a ser limitado pela média aritmética simples dos últimos 12 salários de contribuição. A alteração provoca a redução do valor do benefício, pois o cálculo anterior se dava pela média de todas as contribuições do empregado, a contar de julho de 1994, e não havia na lei nenhum limite de valor da prestação.

A proteção ao seguro-desemprego também sofreu restrições. O trabalhador só terá acesso ao seguro-desemprego pela primeira vez, por exemplo, se tiver trabalhado por pelo menos 12 meses nos últimos 18 meses anteriores à demissão. Antes, o período mínimo era de apenas 6 meses.

Fórmula 85/95 no cálculo das aposentadorias

Depois de um longo debate entre governo e congresso nacional sobre a substituição do Fator Previdenciário, foi instituída a fórmula 85/95 como alternativa ao Fator.

A Lei 13.183, de 4 de novembro de 2015, em conversão da Medida Provisória 676/2015,  permite ao trabalhador se aposentar sem a redução aplicada pelo fator previdenciário. Para isso, a soma da idade e do tempo de contribuição deverá ser de 85 para mulheres e 95 para homens.

A partir de 2018, essa fórmula terá caráter progressivo, ou seja, será adicionado um ponto a cada dois anos. Em 2026, por exemplo, a mulher só poderá se aposentar quando tiver 90 pontos, e os homens, 100.

Programa de proteção ao emprego (PPE)

Com o propósito de conter o crescente desemprego gerado pela crise, o governo editou, em 06 de julho de 2015, por meio da Medida Provisória n. 680, um Programa de Proteção ao Emprego (PPE). O programa é destinado às empresas em dificuldades financeiras. Via negociação coletiva, a empresa está autorizada, desde 07 de julho, a reduzir a jornada de trabalho de todos os seus empregados até 30%, com redução de 15% do salário. O governo será responsável pela complementação do pagamento de 15%. Apesar de ser reconhecida como uma medida de proteção ao emprego, duas críticas são formuladas: primeiro, porque o programa usa recursos públicos escassos para reduzir o custo do trabalho; segundo, porque a medida pode servir de incentivo à generalização da prática, sem efetiva necessidade, como modelo de maior flexibilidade do contrato de trabalho.

Trabalho doméstico

A Lei Complementar 150, de 1º de junho de 2015, regulamentou os direitos do trabalho doméstico, decorrentes da alteração da Emenda Constitucional 72/2013, que modificou o artigo 7º, parágrafo único, da Constituição da República.

A regulamentação concretizou conquistas fundamentais na proteção do doméstico. O doméstico, definido na nova lei como aqueles que trabalha  no âmbito residencial destas, por mais de dois dias por semana (artigo 1º), passou a ter acesso aos direitos ao  Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e ao  Seguro-desemprego.

Inclusão da pessoa com deficiência

A Lei 13.146, 6 de julho de 2015, instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando sua inclusão social e cidadania.

Em sintonia com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a pessoa com deficiência foi definida como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (artigo 2º).

A lei, entre outros pontos, disciplina o direito ao trabalho da pessoa com deficiência, visando a sua inclusão no mercado de trabalho (artigos 34 a 36).

Balanço e tendências

As medidas restritivas na previdência social instituídas em 2015 expuseram a presidenta Dilma a contundentes críticas.

Primeiro, porque foram reformas inesperadas. Durante o acirrado processo eleitoral, a então candidata Dilma Rousseff defendeu a manutenção de todos direitos sociais, ao mesmo tempo em que acusava o então candidato adversário Aécio Neves, de representar uma ameaça potencial aos direitos sociais.

Um segundo ponto crítico refere-se à apresentação das reformas sociais como medidas de urgência, por meio do mecanismo das Medidas Provisórias, com força de lei e vigência imediata, o que naturalmente restringe a possibilidade de um amplo debate público sobre as matérias no parlamento. Embora o governo recuse a qualificação de uma reforma profunda, o que se percebe no tema das pensões por morte, por exemplo, é que se promoveu a maior reforma paradigmática depois da Constituição de 1988. No caso brasileiro, essas mudanças representam uma abrupta reversão na política social que vinha, lentamente, sendo concretizada desde a Constituição de 1988.

A política de austeridade fiscal em curso tende a promover novas reformas nos direitos sociais em 2016. No último dia 21 de dezembro, o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, afirmou que o Governo brasileiro vai propor “definir uma idade mínima para a aposentadoria” e ajustá-la de acordo com a evolução demográfica da população brasileira.

Se o ano de 2015 foi marcado por significativas mudanças trabalhistas e previdenciárias, a tendência é que em 2016 haja um aprofundamento das reformas restritivas de direitos, a julgar pelos projetos de desregulamentação do trabalho – a exemplo do projeto de lei que amplia o uso da subcontratação – que, de modo acelerado, avançam no parlamento.

Informação bibliográfica do texto

MACHADO, Sidnei. Reforma da previdência deve ser aprofundada em 2016. Publicado em 28/12/2015. Disponível em http://machadoadvogados.com.br/2015/12/28/reforma-da-previdencia-deve-ser-aprofundada-em-2016. Acessado em [data]