A Câmara dos Deputados aprovou o texto principal do Projeto de Lei de Conversão (PLC) da Medida Provisória n.º 1045/2021 que instituiu o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda. A Medida Provisória renova o Programa de Suspensão do Contrato de Trabalho e da Redução da Jornada e Salários com o pagamento de um benefício emergencial durante a pandemia, mas a Câmara incluiu alguns “jabutis” (emendas estranhas ao tema principal do projeto), transformando numa verdadeira minirreforma trabalhista que precariza ainda mais as relações de trabalho.
De fato, o texto original da medida provisória sofreu sensíveis alterações na Câmara com matérias estranhas ao projeto original que alteram a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em pontos fundamentais, além da criação de três programas. São eles: o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva; o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego; e, por fim, o Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário. Os três programas nada mais são do que novas modalidades precarizadas de trabalho, com as seguintes características:
- Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip): trata-se de modalidade de trabalho destinado aos jovens entre 18 e 29 anos, pessoas sem vínculo em carteira de trabalho há mais de 2 anos, bem como pessoas de baixa renda oriundas de programas federais de transferência de renda. Por meio do Requip a empresa poderá contratar um trabalhador entre 12 a 24 meses, por meio de um Termo de Compromisso de Inclusão Produtiva (CIP), que se dará sem vínculo de emprego, ou seja, sem férias, 13.º salário e FGTS, em que o trabalhador receberá apenas uma bolsa de incentivo à qualificação (BIQ) e um bônus de inclusão produtiva (BIP), além de vale-transporte. O trabalho se dará mediante jornada reduzida de trabalho. O Requip terá duração de 36 meses a partir da vigência da lei para as empresas aderirem. As empresas poderão contratar até 15% dos trabalhadores do seu quadro funcional por meio deste regime especial de trabalho;
- Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore): programa voltado aos jovens de 18 a 29 anos e, também, de estímulo à contratação de maiores de 55 anos desempregados há mais de 12 meses, com contratação por prazo determinado por até 24 meses. Nessa modalidade de contrato, o empregado recebe um bônus no salário (bônus de inclusão produtiva), mas o valor do depósito mensal do FGTS será reduzido, com alíquotas que variam de 2% a 6%. O projeto de conversão prevê a contratação de trabalhadores por meio do Priore no período de 36 meses a contar da vigência da lei. As empresas poderão contratar até 25% dos trabalhadores por meio do Priore;
- Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário: trata-se de programa voltado a pessoas entre 18 a 29 anos, além daquelas com idade superior a 50 anos. O programa terá duração de 18 meses, a contar da regulamentação, com fixação de jornada de 48 horas mensais, limitada a 6 horas diárias, a serem exercidas em no máximo 3 dias da semana.
Há ainda neste pacote de maldades outras matérias estranhas ao texto original da MP n.º 1045, com alterações que atingem categorias profissionais que são reguladas por leis específicas. Em uma das emendas inseridas no projeto há previsão de que categorias com jornadas especiais, como é o caso dos jornalistas e bancários, poderão ter a jornada estendida para 8 horas diárias mediante acordo individual, acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho. As horas adicionais que passam a compor a duração normal do trabalho, no regime de jornada complementar facultativa, serão remuneradas com o acréscimo de 20% (vinte por cento).
No caso dos jornalistas, por exemplo, a jornada normal de trabalho poderá ser de 8 horas diárias (no caso, abrangeria a sexta, sétima e oitava hora). Atualmente, a Constituição Federal garante que as horas extras são pagas com o adicional de no mínimo 50%, conforme art. 7.º, XVI, da Constituição Federal. Ou seja, o projeto de conversão é flagrantemente inconstitucional, além de desrespeitar os instrumentos coletivos de trabalho que garantem condições mais benéficas. Por outro lado, cabe destacar que o legislador fixou as jornadas especiais de trabalho para determinadas categorias justamente em razão de condições especiais inerentes ao exercício das atividades, tratando-se de medidas de saúde e segurança do trabalho, o que foi sumariamente desconsiderado no projeto alterado pela Câmara dos Deputados.
Por fim, outra matéria estranha ao texto original é a que define a gratuidade da justiça, afetando sensivelmente o direito de acesso à justiça ao retirar a presunção de hipossuficiência na realização do pedido e fixando os seguintes requisitos: a) renda familiar per capita de até meio salário mínimo; b) renda familiar mensal de até três salários mínimos; c) que o trabalhador tenha percebido no contrato mais recente, ainda não que não esteja vigente, salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social. Nesse caso, as mudanças propostas apresentam inconstitucionalidades ao impor restrições à garantia de gratuidade judiciária aos que comprovarem insuficiência de recursos na Justiça do Trabalho, violando os princípios da isonomia, ampla defesa, devido processo legal e da inafastabilidade de jurisdição.
O projeto segue agora para a apreciação do Senado. Se aprovado sem alterações, segue para a sanção do presidente. Contudo, caso haja alterações no texto pelo Senado Federal, o projeto retornará para a apreciação na Câmara dos Deputados.
Como se observa, os temais incluídos no projeto são de extrema relevância para a classe trabalhadora e não foram debatidos com a sociedade. Pelo contrário, foram inseridos numa tramitação apressada em dissonância com a indispensável reflexão necessária, sobretudo quando há piora nos indicadores de desemprego do país.
Sem sombra de dúvidas as diversas medidas de flexibilização do trabalho na minirreforma seguem a linha de precarização já evidenciada com a reforma trabalhista de 2017, com a subutilização da força de trabalho e a vulnerabilidade dos trabalhadores e dos direitos sociais.
Christian Marcello Mañas
* Advogado. Especialista em Economia do Trabalho (UFPR) e Mestre em Direito do Trabalho (UFPR). Assessor jurídico do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (Sindijor/PR) e do Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (Sindipetro PR/SC). Sócio do escritório Sidnei Machado Advogados.