A proposta de extinção do Fundo de Natureza Previdenciária pelo Governo do Paraná conduziria, na prática, a uma profunda reforma da Previdência dos servidores públicos estaduais. Embora fracassada a primeira tentativa do governo de ver aprovada em regime de urgência o projeto de lei enviado no dia 4 de fevereiro à Assembleia Legislativa, dada a greve e a resistência dos servidores públicos, a apresentação da proposta revela a intenção de mudanças no modelo previdenciário. A pretexto de adequar o sistema de custeio ao Regime de Previdência Complementar dos servidores, modificar-se-ia o modelo básico de financiamento do sistema previdenciário e colocaria em risco a sustentabilidade da previdência paranaense.
Desde 30 de dezembro de 1998, quando criada a PARANAPREVIDÊNCIA pela Lei Estadual nº 12.398, como entidade gestora do fundo previdenciário, o financiamento da previdência pública paranaense é sustentado por três fundos públicos: o Fundo de Previdência, o Fundo Financeiro e o Fundo Militar.
O Fundo de Previdência, que se pretende extinguir, vem sendo capitalizado com contribuições dos servidores admitidos, em percentual de 11% sobre a remuneração ou subsídio do cargo efetivo e contribuições do ente público, além de aportes assumidos pelo Estado para viabilidade financeira e atuarial do sistema.
O modelo do Fundo Previdenciário é de capitalização gradual, sob gestão da PARANAPREVIDÊNCIA, formado por contribuições dos servidores e do Estado para responder e, como diz a lei “em hipótese alguma, poderão ser confundidos com os demais recursos estatais e tampouco com o patrimônio próprio do Órgão Gestor”.
Portanto, na origem eram fundos exclusivos, independentes, destinados a pagar servidores públicos. Em 2012 esse modelo começou a ser esvaziado e, com a atual proposta de reforma, objetiva-se o abandono dos Fundos Públicos de Natureza Previdenciária. Pela proposta, restará apenas o Fundo Financeiro que já era destinado aos servidores públicos estaduais, titulares de cargos efetivos, os magistrados, os membros do Ministério Público e os Conselheiros do Tribunal de Contas que tenham ingressado no serviço público estadual até 31 de dezembro de 2003. Na prática, o Fundo Financeiro é muito semelhante ao sistema anterior a 1998, ou seja, o puro modelo de repartição simples, sem um fundo público capitalizado, em que as aposentadorias e pensões são pagas diretamente pelo tesouro estadual.
A primeira questão a se fazer é saber qual será o impacto da extinção do Fundo Previdenciário para os aposentados e os servidores admitidos depois de dia 31 de dezembro de 2003, já que os demais servidores estavam vinculados ao Fundo Financeiro.
Em tese, o Estado do Paraná continuaria como responsável direto pelo pagamento das aposentadorias e pensões devidas: doravante com os recursos do Fundo Financeiro, substituiria o Fundo Previdenciário que seria revertido ao tesouro do Estado. Com isso, definitivamente, o Estado fica desobrigado de fazer repasses relativos ao passivo atuarial e eventuais repasses não feitos.
Ao contrário da aparente simplificação da solução preconizada, é inegável que se trata de uma reforma no modelo de financiamento previdenciário que, por sua vez, produzirá reflexos relevantes na concepção do modelo previdenciário do servidor paranaense.
O primeiro ponto é que, depois de mais de quinze anos de construção e capitalização do Fundo Previdenciário, ele seria simplesmente desconstituído e os recursos seriam apropriados pelo Estado. Embora o nosso modelo jurídico permita que, desde que observadas as formalidades do devido processo legislativo, haja a extinção do Fundo Previdenciário, deve-se indagar se é possível a reversão dos valores ao Estado, uma vez que trata-se de um fundo público com recursos vinculados às prestações previdenciárias, por definição da lei que o instituiu.
Além disso, ele é constituído com recursos não somente do tesouro estadual, mas de contribuições dos servidores, cujos valores podem ser contabilizados inclusive individualmente. Desse modo, não são recursos de inteira disponibilidade do Estado e, ainda que extinto o Fundo, esses recursos não podem ter destinação diversa daquela para o qual foram criados.
Toda justificativa da criação do Fundo Previdenciário no final da década de 1990, no contexto da então Reforma do Estado e de aprimoramento da Lei de Responsabilidade Fiscal, era de escriturar individualmente os recursos destinados às aposentadorias, permitindo maior controle de gastos com pessoal.
A meu ver, mesmo que venha a ser aprovada a Lei, autorizando a extinção do fundo e a sua reversão ao Estado, esses recursos devem permanecer vinculados ao Fundo em extinção, sem a possibilidade de apropriação para outras finalidades. Nesse ponto, a meu ver é ilegal e inconstitucional a proposta na parte que destina a reversão total dos recursos existentes na Previdência.
A última questão sobre o novo papel que restará à PARANAPREVIDÊNCIA, uma vez extinto o Fundo Previdenciário, é que perde sentido a manutenção do modelo da PARANAPREVIDÊNCIA, já que não haveria mais fundo previdenciário, ou seja, não teria qualquer atribuição de gerir fundo de capitalização, principal motivo de sua construção.
A proposta do governo paranaense, ao mesmo tempo que reintroduz a cultura da crise previdenciária social e pública, dá um passo atrás no modelo de capitalização que tanto se propagou na década de 1990, estratégia que levou à criação da Paranaprevidência.
(*) Por Sidnei Machdo. Advogado, sócio-fundador de Sidnei Machado Advogados. Mestre e Doutor em Direito e Professor na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná