Em várias partes do mundo, o dia 28 de abril é de reflexão sobre o trabalho seguro. É um alerta sobre as dimensões e consequências dos acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. A data foi instituída como Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trabalho pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2003. No Brasil, desde 2005, a lei 11.121 reconhece essa data também nacionalmente.
Não é uma questão social nova para o Brasil, porém há tendências emergentes muito preocupantes. Nos últimos anos, as sempre frias estatísticas demonstram a elevação do número de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no Brasil. Entre 2007 e 2009, foram registrados na Previdência Social mais de 2,1 milhões de acidentes de trabalho, média de 712 mil a cada ano, segundo dados do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho 2009, publicação conjunta dos ministérios da Previdência Social e do Trabalho. Houve uma reversão na gradativa redução que vinha se verificando entre o fim da década de 70 até o ano de 2001.
É preocupante que a retomada do crescimento econômico, com a criação de mais de 3 milhões de empregos formais somente nos últimos dois anos, paradoxalmente, promova o aumento do número de vítimas no trabalho. Ao mesmo tempo em que se produziu a esperada retomada das oportunidades de emprego, com incremento da renda, na outra ponta, aumenta-se o déficit de trabalho decente. Crescimento econômico e a formalização de empregos têm criado, portanto, uma dinâmica invertida na melhoria das condições de trabalho.
O tema da segurança e saúde no trabalho tem como componentes negativos mais visíveis o drama pessoal e familiar das vítimas de acidentes de trabalho e, ainda, os reflexos dos altos custos para a Previdência e nas reparações dos danos pelas empresas. Solidariedade às vítimas é naturalmente necessária, do mesmo modo que se deve fazer valer o dever de indenização, com reparação integral das vítimas. O que é mais eloquente, contudo, é a invisibilidade do problema: a fragilidade da proteção eficaz dos que trabalham. Essa é a questão central a ser lançada.
A Constituição brasileira de 1988 protege amplamente o direito à vida e à integridade física (artigo 5º), assim como garante o direito à saúde a todos os cidadãos (artigo 6º), indistintamente, pois o faz como garantia própria da cidadania. Para os riscos específicos do trabalho há ainda o compromisso da Constituição com a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.” (artigo 7º, inciso XXII). Um conjunto de Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil e várias normas infraconstitucionais estão posicionadas na direção da prevenção dos acidentes. Não há, portanto, um vazio normativo, mas grave ineficácia do sistema público da proteção da segurança e saúde no trabalho.
A raiz do problema começa no espaço da empresa e do ambiente de trabalho. Na perspectiva do contrato de trabalho e, em meio a um emaranhado de normas técnicas de saúde e segurança, a proteção é reduzida à identificação dos riscos do trabalho e seu controle. Na ocorrência dos eventos de acidente, abre-se à insegura delimitação sobre a responsabilidade e o dever de indenizar pelo seguro social da Previdência Social e pela reparação de dano pela empresa.
Apesar da notória relação assimétrica entre empregado e empregador, não há no nosso sistema jurídico uma precisa definição do dever contratual de segurança do empregador. O resultado são os milhares conflitos que deságuam no judiciário, promovidos contra a Previdência Social e as empresas. E, em meio à frequente precariedade das provas técnicas produzidas, é o judiciário quem define, caso a caso, quando e como reparar adequadamente.
De forma alguma lançar mão das técnicas de identificação e gestão dos riscos do trabalho nas empresas é suficiente para garantir a promoção da saúde física e mental e melhorar as condições de trabalho. O trabalho precário, provocado pela degradação das condições de trabalho, em ocupações de trabalhos temporários, terceirizados e outras formas contratuais atípicas, sem segurança, conduz ao mal-estar com o trabalho digno e seguro. A recente “explosão” dos operários frente às condições precárias de trabalho nas obras das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira, em Rondônia, é uma excelente ilustração da precariedade do emprego.
A emergência de novas doenças ocupacionais, a exemplo do crescimento espantoso dos transtornos mentais relacionados ao trabalho, representa também um novo desafio para a saúde no trabalho. O dano psicológico causado pelo assédio moral, como causa de sofrimento e danos à saúde, já tem dimensões quase epidêmicas, ao mesmo tempo em que o estresse e a depressão, que estão entre as maiores causas de afastamento do trabalho, segundo pesquisas recentes, em grande medida têm origem nos conflitos emocionais decorrentes da forma de organização do trabalho. Todos esses fatores indicam a crescente degradação dos ambientes de trabalho.
Em suma, não é novidade a baixa aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais à segurança e saúde no trabalho no país, mas a magnitude da deterioração das condições de trabalho em emergência requer, fundamentalmente, que se recomponha o trabalho como motor da cidadania, pela afirmação do direito constitucional à saúde para, adequadamente, valorar e proteger o direito à vida e à saúde dos que trabalham.
* Sidnei Machado é advogado, doutor em Direito do Trabalho pela UFPR.