O debate sobre o fim do fator previdenciário não representará propriamente a sua extinção, mas a eleição de um critério que o substitua. Sobre as alternativas não há ainda consenso. O problema é que o substituto pode levar uma reforma previdenciária mais ampla que, de modo inevitável, deságue na instituição de uma idade mínima para a aposentadoria no setor privado.
Para essa conclusão, basta uma adequada contextualização do atual debate em torno das reformas dos sistemas previdenciários.
De fato, o fim fator previdenciário, aprovado pelo Congresso e vetado pelo Presidente da República, dificilmente será revertido no parlamento. Embora o debate pela extinção do fator prossiga em várias iniciativas legislativas e na forte mobilização das centrais sindicais e associações de aposentados, a alternativa do mero fim do fator, com o retorno do modelo anterior a 1999, quando aprovada a lei do fator (Lei 9.876), é improvável que se concretize.
A instituição do fator em 1999 foi resultado do rescaldo da reforma previdenciária de 1998, pois fez às vezes de uma idade mínima para os aposentados do setor privado(INSS), tese que havia sido rejeitada pelo parlamento por ocasião da ampla reforma promovida pela Emenda Constitucional n. 20/98.
A justificativa para a manutenção do fator ou de um mecanismo substituto, revelado pela posição do governo no debate do projeto que o eliminava, que culminou com o veto presidencial, é do equilíbrio das contas da previdência.
Tudo está no contexto do debate público da reforma previdenciário, e que explica as diferenças entre 1999 (quando criado o fator) e de 2010 (quando mantido).
Em 1999 ele foi a solução de reforma não estrutural da previdência brasileira, inserida no contexto dos ajustes neoliberais dos anos 90, cujas palavras de ordem eram reforma do Estado e ajuste fiscal.
Em 2010, continua o esforço por redução do déficit público que tenciona por novos ajustes nos sistemas previdenciários. É o debate central que se dá atualmente em países europeus, como França, Espanha e Grécia, como medida de enfrentamento da crise financeira, com redução do déficit público. Na Grécia o aumento da idade mínima foi uma das principais condições impostas pela União Européia e o FMI para conceder ajuda financeira ao país. O governo francês anunciou recentemente seu projeto aumentar de 60 para 62 anos a idade mínima para a aposentadoria, progressivamente até 2018. Na Espanha, o governo ameaça com ajustes na seguridade social, na mesma linha. As greves gerais nesses países europeus se contrapõem basicamente ao aumento da idade mínima.
Em síntese, perderam força as propostas neoliberais de matiz privatizantes dos sistemas previdenciários, assim como se esvaziaram os vários mitos catastrofistas dos anos 90 em torno da inviabilidade da previdência pública. Ressurge agora com força o esforço de redução do gasto público com ajustes na previdência. E para o ajuste tem se lançado mão prioritariamente do aumento da idade mínima para as aposentadorias.
Voltando ao debate brasileiro do fim do fator previdenciário, vê-se que o tema do substituto do fator encontrará como substituto quase “natural” a eleição de um critério de idade mínima. Ou seja, a proposta do fim do fator previdenciário tende a jogar água no moinho da proposta da introdução de uma idade mínima para as aposentadorias no sistema previdenciário brasileiro.
Parece ser mesmo esse mesmo o caminho que se encaminhará o futuro debate sobre as alternativas do fator. Na proposta das centrais sindicais de substituir o fator pela fórmula 85 e 95 (soma de tempo de contribuição e idade da mulher e homem), embute-se uma idade mínima. Por essa fórmula, por exemplo, o homem com 35 anos de contribuição deverá possuir uma idade mínima de 60 anos. Mesmo as soluções de “flexibilização” da regra do fator jogam com a idade mínima. No setor público desde 1998 há exigência de idade mínima. Os regulamentos dos planos de aposentadorias complementares abertas e fechadas há muito preveem requisito de idade mínima.
Enfim, o fim do fator tende a levar ao dilema de uma reforma previdenciária de grande impacto com a introdução da idade mínima no Brasil.
(*) Advogado, doutor em direito e professor universitário. sidnei@machadoadvogados.com.br