Limites da negociação coletiva no contexto da crise financeira
por Sidnei Machado(*)
1. O direito do trabalho e a crise financeira
O direito do trabalho é muito sensível às mudanças econômicas. Disse Umberto Romagnoli, professor da Universidade de Bologna, que “as crises econômicas são companheiras de viagem do direito do trabalho”.
As crises econômicas provocam inevitavelmente desequilíbrio no mercado do trabalho e desemprego em larga escala. Por isso, geram tensões na regulação jurídica do trabalho, atualmente um dos principiais elementos de incerteza da chamada crise do direito do trabalho.
A atual crise financeira, no entanto, se devidamente contextualizada, representa mais um elemento que se agrega à crise do Direito do Trabalho. Nas últimas três décadas o baixo crescimento econômico, globalização econômica e as políticas neoliberais promoveram instabilidade no mercado de trabalho e levaram aos conhecidos processos desregulamentação e flexibilização do Direito do Trabalho. A crise pela qual passamos somente poder ser compreendida como mais um aprofundamento da crise do emprego, com impactos inevitáveis no Direito do Trabalho.
Não está claro evidentemente qual é a extensão da crise desencadeada em 2008, mas temos observado no Brasil, como impacto concreto primeiro, o ajuste no emprego com uma onda de demissões coletivas e a suspensão dos contratos de trabalho. No Brasil já tivemos a perda de quase 800.000 postos de trabalho no primeiro trimestre de 2009. As previsões para o mercado de trabalho na América Latina é que teremos em 2009 mais de 1,5 milhões de novos desempregados.
O fato é que o novo cenário econômico abriu caminho no plano político para resgate do debate público dos anos 90 por mais flexibilidade do Direito do Trabalho. Desregulamentação de direitos e flexibilidade na negociação coletiva reapareceu no debate político-jurídico.
Esse contexto coloca três questões centrais ao Direito do Trabalho, pensado a partir de um plano jurídico-político: a) Quais são as respostas possíveis do Direito do Trabalho para a crise? b) Quais são as potencialidades da negociação coletiva; c) Quais os limites da negociação coletiva?
2. Quais as respostas do Direito do Trabalho?
Quais são as respostas do direito do trabalho num cenário de ameaça de desemprego e redução de direitos?
São poucas, em verdade, as alternativas tradicionalmente conhecidas: (i) A divisão do trabalho, na forma de redução de jornada; (ii) A flexibilização dos contratos de trabalho, nos espaços legais permitidos. Pode-se lançar mão dessas alternativas com a intervenção legislativa do Estado ou pela negociação coletiva.
O que temos assistimos, todavia, é que as empresas recorrem preferencialmente às demissões coletivas, o que nesse caso impede a intervenção do Estado e o realce do papel da negociação coletiva e da mediação do Estado, a exemplo do que ocorreu com a empresa Embraer ao demitir mais de 4.000 trabalhadores, sem prévia negociação coletiva. Muitos trabalhadores, ao que parece, estão sendo despedidos não por causa econômica real e da fragilidade econômica das empresas, mas como reflexo da crise e medida de precaução e de oportunidade de reestruturação competitiva. As demissões recentes na empresa Embraer foram assim justificadas ao Tribunal Regional do Trabalho de Campinas pelo seu presidente.
A intervenção legislativa do Estado ou por meio de políticas públicas de fomento ao emprego pode evidentemente ter um papel relevante. Em alguns países também afetados pela crise os atores sociais já discutem medidas legislativas que dêem uma regulamentação às despedidas coletivas, especialmente para prever critérios distintos para a negociação coletiva em meio à crise; discussão e a defesa dos créditos dos trabalhadores frente às empresas que vierem a ser liquidadas, por meio de fundos públicos ou créditos específicos; o aumento da proteção do seguro-desemprego (1). Por último, a redução da jornada de trabalho e outras modalidades de repartição do trabalho são repensadas, embora também possam ser introduzidas pela negociação coletiva.
3. Quais sãos as potencialidade da negociação coletiva?
Já a via da negociação coletiva, por diversos fatores, se encontra bastante fragilizada neste momento no Brasil, a exemplo de outros países, em sua perspectiva de atuação, definição de papéis dos atores e estratégias frente à nova realidade do mercado de trabalho, fato que tem produzido muitos impasses que estão relacionados com o sistema de relações de trabalho no Brasil, a prática sindical e a crise do sindicalismo. A perspectiva da negociação coletiva não pode ser dissociada do sistema de relações de trabalho.
Há, ainda, no Brasil duas grandes visões sobre a negociação coletiva: ( i) Um setor pretende que a lei ou sua interpretação permita a ampla margem de negociação, inclusive com a possibilidade de derrogação da lei; (ii) Um setor sindical vê na negociação coletiva maiores possibilidades de ampliação de direitos, com propostas de reestruturação do sistema de negociação coletiva e de organização sindical.
Contudo, as duas visões da negociação coletiva encontram impasses em algum momento com o próprio sistema de relações de trabalho no Brasil, sobretudo com a organização sindical.
Há empresas que são obrigadas a negociar simultaneamente com dezenas de sindicatos representantes da categoria, categorias diferenciadas, sindicatos em disputa, diversas bases territoriais e, assim, por diante. Como pensar em negociação coletiva nesse contexto? Alguma experiência exitosa nos últimos anos se deu em setores de ponta, com negociações nacionais como no caso do setor bancários, metalúrgicos e petroleiros.
Por outro lado, como estruturar uma negociação coletiva ampla sem dimensionar que a relação de trabalho deve funcionar também como mecanismo de troca e de expressão de compromissos políticos assumidos, um dos aspectos relevantes do espaço de atuação e de poder relativo dos trabalhadores e dos empregadores que, como atores sociais, desempenham um papel de protagonistas importantes. Durante a década de 90, os processos conhecidos dos latinoamericanos, de crise econômica, reestruturação produtiva, refluxo do movimento sindical, competição no local de trabalho (intensificação da remuneração por resultados), movimento de pressão de governos e de setores empresarias por flexibilidade na legislação do trabalho, promoveram rupturas profundas no arranjo institucional construído. A ofensiva neoliberal dos anos 90 rompeu com os compromissos políticos, fez com que os sindicatos perdessem o papel de protagonistas e deu novo contorno ao papel antes desempenhado pela legislação do trabalho.
O mercado de trabalho hoje é bastante heterogêneo, fragmentando, com um mosaico de posições jurídicas dos trabalhadores. Temos, ainda, diferenças locais e regionais profundas no país, além das diferenças econômicas entre os diversos setores econômicos do país. Uma postura mais negocioal aos poucos abre caminho para a regulamentação crescente da relação salarial à “realidade do mercado” em detrimento da relação contratual. Ou seja, a prevalecer a tentativa de se preservar a institucionalidade sindical em meio à precariedade do trabalho (neocorporativismo), abre o espaço à negociação que, de forma ambivalente, provoca-se também a fragmentação da relação salarial e, por conseguinte, a precariedade na contratação do trabalho. Por mais paradoxal que possa parecer, a defesa do emprego e dos postos de trabalho, na estratégia defensiva frente à incerteza, coloca a precariedade do trabalho não somente como troca, mas como valor. E quanto se tem uma grande fragmentação da relação de trabalho a negociação coletiva não atinge todos os níveis na empresa.
Do ponto de vista organizativo, o frustrado projeto de reforma sindical e trabalhista brasileiro, iniciado em 2003, com a criação do Fórum Nacional do Trabalho(FNT), cuja pretensão era a “modernização das relações de trabalho”, resultou apenas na recente institucionalização das centrais sindicais (Lei n. 11.648/2008), política insuficiente para realçar o papel da negociação coletiva, com autonomia e liberdade sindical.
A decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas no caso Embraer, ao suspender as demissões coletivas sob fundamento do dever de negociação coletiva e exigir da empresa que prestasse informações, é precedente judicial relevante na definição do papel da negociação coletiva, que realça o seu protagonismo (2).
Resta-nos, nesse contexto, a discussão jurídica do conteúdo e dos limites das negociações coletivas, pensadas, claro, numa perspectiva de que até ponto pode ser mais flexível para preservar o emprego e promover o ajuste econômico. A questão, então, colocada é dos limites da negociação coletiva.
4. Quais são os limites da negociação coletiva?
A função histórica e primeira da negociação coletiva é de melhor as condições de trabalho de forma supletiva ou complementar à lei. Essa estruturação legal evidentemente não foi suficiente para equacionar relação entre convenção coletiva e a lei.
Não resta dúvida que a Constituição brasileira de 1988, ao introduzir algumas aberturas democráticas em relação ao modelo da CLT, ampliou o espaço da negociação coletiva a tal ponto que permitiu expressamente a redução de salários e compensação de jornada pela via negocial dos acordos e convenções coletivas (art. 7. VII e XIII).
Esse poder constitucional da negociação coletiva, todavia, não é ilimitado. No plano jurídico, o primeiro limite da negociação coletiva, portanto, é a própria Constituição e, claro, os direitos fundamentais nela inseridos. Não se pode pensar que a negociação coletiva não se presta a reduzir ou esvaziar os direitos constitucionalmente consagrados.
Apesar de que a interpretação do texto constitucional possa se dar num novo contexto econômico e social, essa interpretação deve responder adequadamente aos princípios fundamentais de uma sociedade democrática, onde sindicatos e empresas detêm mera “reserva de competência”.
A valorização da negociação coletiva e a obrigatoriamente da participação do sindical não pode levar ao entendimento que essa simples presença do sindicato possa eliminar qualquer garantia. Razão maior ainda para uma atenta contextualização do conteúdo da negociação num período de escassez do emprego.
A forte posição doutrinária, com repercussão na jurisprudência trabalhista brasileira, da negociação coletiva com “espaço de livre disposição de direitos”, somente foi possível nas últimas décadas a partir da tese que defende que a autonomia privada coletiva é fruto apenas da liberdade de associação, um negócio jurídico fundado no direito das obrigações. Esse argumento tenta retirar do âmbito jurídico laboral a convenção coletiva, esvaziando o seu conteúdo normativo, abrindo caminho para a redução de direitos (flexibilidade). Essa tese tem perdido força por falta de um argumento jurídico razoável no âmbito do direito do trabalho. Significaria dizer que o direito do trabalho e a negociação coletiva não têm singularidades que o distanciam do direito das obrigações, de tal sorte que não se justificasse a autonomia. Esse caminho levaria seguramente à destruição do direito do trabalho, a sua reprivatização numa volta ao século XIX.
O fato é que alto grau de autonomia coletiva privada foi encampada por grande parte da jurisprudência brasileira, com incansáveis decisões que faziam referência ao respeito à garantia constitucional de valorização da negociação coletiva.
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) firmou entendimento de que o inciso XXVI, do art. 7º, da Constituição Federal, que expressa o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho” poderia derrogar algumas garantias legais, desde que a negociação coletiva trate de direitos patrimoniais, que seriam então disponíveis. Essa posição permitiu, por exemplo, a admissão do pagamento da proporcionalidade do adicional de periculosidade (Súmula n. 364, II) e a negociação para pré-fixação de horas in itinere (3). Nota-se, contudo, que nos últimos anos essa posição, tem se modificado. A jurisprudência tenta agora passar a exigir que esteja presente no conteúdo nas negociações coletivas também uma contrapartida na transação e uma adequação à razoabilidade dos direitos transacionados (4).
No âmbito da jurisprudência, embora alguma doutrina ainda sustente que o texto do art. 7º da Constituição Federal, somente autoriza a ampliação de direitos, o debate que deverá se estender é quanto à fixação dos limites e conteúdo da negociação coletiva.
Em alguns pontos há concordância sobre os limites da negociação. Não podem ser derrogados por negociação coletiva: a) As garantias constitucionais mínimas do art. 7º, salvo as exceções dos incisos VII e XIII; b) As normas de segurança e saúde do trabalhador, porque de ordem pública e, portanto, indisponíveis (5); c) Dispositivos das Convenções da OIT ratificadas pelos Brasil, a exemplo da Convenção nº. 132, da OIT, que trata das férias; d) Direitos de terceiros (FGTS, contribuições previdenciárias).
Mas a redução de salários e jornada de trabalho autorizado pela Constituição tem algum limite?
A resposta a esta questão advém da resposta de outra indagaçã por que a Constituição autoriza a redução de salários? O faz claramente para preservar o emprego, sobretudo em momentos de crise, pois do contrário não teria outra finalidade. De fato, a autonomia coletiva também serve para gerir crises, preservando a atividade produtiva e os empregos, também tem sido entendida como mecanismo fundamental de diálogo social, política incentivada pela OIT, através da prática do tripartismo e da promoção da negociação coletiva.
Portanto, perece inquestionável que as negociações coletivas com redução de salário contemplem, obrigatoriamente, disposições claras e objetivas de manutenção do emprego, que é a contrapartida mínima que se pode extrair do texto constitucional. A negociação que no contexto da crise e escassez de emprego que não contemplasse a sua preservação, não oferece contrapartida, ou seja, um contrato transitório com garantia de emprego.
Na redução de salários, além da regra constitucional, há que incidir também a Lei n. 4.923/65 (art. 2º), não derrogada pela atual Constituição, que fixa como redução máxima de salários, por prazo determinado de três meses, prorrogáveis por igual período, não superior a 25%, respeitado o valor do salário mínimo, em caso de necessidade econômica devidamente comprovada; com redução correspondente da jornada de trabalho ou dos dias trabalhados; com autorização por assembléia geral da qual participem também os empregados não sindicalizados. Outro fundamento possível para a limitação da redução em 25% é o art. 503 da CLT que trata da redução de salário por “força maior ou prejuízos devidamente comprovados”, a depender da dimensão da crise e da insolvência da empresa pode justificar a sua incidência.
A negociação coletiva de crise igualmente pode incluir a redução e compensação de jornada (art. 7º, XIII) (6). A regra da compensação é a também prevista na Lei n. 9.601/98 que instituiu o regime de “banco de horas”, cuja compensação pode se dar até o prazo máximo de um ano, além do antigo modelo de compensação semanal do artigo 59 da CLT. Há, também, o denominado “trabalho em regime de tempo parcial”, que pode ser autorizando a sua adoção, mediante negociação coletiva, para os empregados já contratados.
A redução da jornada pode vir acompanhada da redução salarial, o que seria mais lógico e razoável em uma negociação coletiva de crise. Aliás, a redução de jornada faz parte de um importante debate no Brasil com vistas a reduzir a jornada efetiva de trabalho, não somente a jornada legal, mas a prática de horas extras habituais, com vistas a compensar a produtividade e gerar empregos, embora as experiências recentes, a exemplo da França, a criação de empregos tenha sido discutível.
A complexidade maior é a relação entre lei e a negociação coletiva. As regras do Direito do Trabalho são de ordem pública, algumas de imperatividade absoluta e, assim, não podem ser derrogadas pelas partes (anotação de CTPS, por exemplo). A negociação coletiva, todavia, pode se apresentar de modo complementar ou concorrencial à lei. Se lei garante um mínimo, é autorizado à negociação coletiva estabelecer normas mais favoráveis, ou seja, complementa-la.
No entanto, se a negociação coletiva prevê disposição diversa daquela prevista na lei, isso remete à interpretação se a negociação coletiva promove uma derrogação mais favorável ao empregado. Decorrente dessa questão se a debate entre a prevalência de regras entre a convenção coletiva e acordo coletivo de trabalho. A jurisprudência brasileira tem recorrido à teoria do conglobamento, ora para aplicar um dos instrumentos, ora para comparar conjuntos de cláusulas de um mesmo tema ou institutos para identificar aquelas que devém prevalecer. Ocorre que a tese do congloblamento encampada pela jurisprudência esvazia o conteúdo do art. 620 da CLT que, de modo diverso, indica a prevalência da Convenção Coletiva sobre o Acordo Coletiva, quando mais favorável. A redação do art. 620 da CLT, introduzido em 1967, justamente para impedir a derrogação da Convenção Coletiva pelo Acordo Coletivo.
A cláusula concorrencial, menos favorável do que a lei, pelo nosso ordenamento, é absolutamente ineficaz. Não é possível que a negociação derrogue a lei em nosso ordenamento.
O Projeto de lei nº. 5.483/2001, que pretendia introduzir na legislação o parágrafo único ao art. 618 da CLT, para expressamente autorizar a prevalência do “negociado sobre o legislado”, aprovado inicialmente na Câmara dos Deputados, foi rejeitado no Senado e arquivado em janeiro de 2003.
O anteprojeto da reforma sindical, negociada pelo Fórum Nacional do Trabalho (FNT), substitui a convenção e o acordo pelo contrato coletivo. Na redação originária do anteprojeto, se estipulou a prevalência da norma mais favorável entre o nível inferior e superior do contrato coletivo. No relatório final do Fórum Nacional Trabalhista afirmava que: “O novo marco normativo da negociação coletiva deve considerar a realidade dos setores econômicos, das empresas ou das unidades produtivas, e as necessidades dos trabalhadores, ressalvados os direitos definidos em lei como inegociáveis (…)”. Como se vê projeto encaminhado, não houve um claro posicionamento sobre a relação entre lei e contrato coletivo, tampouco entre contrato coletivo de nível superior e inferior.
5. Quais os desafios da negociação na crise?
Não há receitas simples no plano jurídico e há muitas questões em aberto sobre as quais é difícil um consenso. Não temos modelos ou experiências recentes bem sucedidas a serem seguidas e nos resta construir alternativas próprias.
O impasse maior será a definição dos limites nos acordos e convenções coletivas para redução do salário e jornada, assim como a garantia dos empregos. Não havendo algum conteúdo de contrapartida, somente uma obsessão por flexibilização e culpabilização de direitos, a negociação coletiva desequilibrada pode vir a ser declarada ineficaz.
A jurisprudência tende a ter papel maior na discussão dos limites da negociação coletiva, assumindo um protagonismo diverso no sistema de relações de trabalho até que haja uma reforma sindical mais ampla.
O caso Embraer no Brasil é simbolicamente um fato importante nessa direção com vistas à reconstrução da negociação coletiva, uma espécie resignificação do papel da negociação coletiva num ambiente de crise financeira, embora insuficiente para estancar o desemprego. De fato a negociação coletiva não responde, por si só, satisfatoriamente à crise.
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Publicado em 17.07.2009
(*) Advogado, Doutor em Direito pela UFPR (sidnei@machadoadvogados.com.br)
1. O governo brasileiro anunciou no mês de fevereiro de 2009 o aumento das parcelas do seguro-desemprego de cinco para até sete parcelas mensais para os empregados dos setores mais atingidos pelo desemprego na crise financeira.
2. O Tribunal, ao analisar processo de Dissídio Coletivo de natureza jurídica, entendeu, com fundamento nos direitos fundamentais coletivos da Constituição e das Convenções 98 e 154 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil, que as demissões não poderiam se dar sem prévia negociação coletiva com o sindicato. Fundamento o juiz relator, ainda, que: “Em síntese, talvez possamos concluir que a garantia de emprego é algo muito mais importante do que parece. E que a lei – acusada, tantas vezes, de superprotetora – dá ao trabalhador muito menos do que promete. Na verdade, proteger o emprego não é só proteger o emprego. É também proteger o sindicato e as condições de trabalho. É garantir o processo e viabilizar um verdadeiro acesso à Justiça. Em última análise, proteger o emprego é proteger cada norma trabalhista. Portanto, é proteger o próprio Direito”. (g.n.) Ademais, não se pode olvidar que as organizações empresariais possuem relevante papel no desenvolvimento social e econômico do país e, nesse contexto, surge o conceito de responsabilidade social da empresa, que deve, inclusive orientar a contratação e demissão (sobretudo em massa) dos seus funcionários” (PROC. TRT/15ª REGIÃO Nº 00309-2009-000-15-00-4 DISSÍDIO COLETIVO SUSCITANTES: SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS E REGIÃO E OUTROS SUSCITADA: EMPRESA BRASILEIRA DE AERONÁUTICA – EMBRAER)
3. A jurisprudência dos tribunais regionais, como se sabe, é ainda vacilante quanto aos limites da negociação coletiva. No TRT/PR entendimento diverso da Súmula do TST em relação adicional de periculosidade, que a considera violação à conteúdo mínimo e as horas in itinere (TRT-PR-00382-2007-072-09-00-0 e TRT-PR-00731-2007-669-09-00-0).
4. De modo acertado, tem a jurisprudência anulado cláusulas convencionais que reduzem intervalo de almoço, que estabelecem salário inferior ao salário mínimo nacional para menores de 18 anos, que diferenciam salário por idade, reduzem a garantia da estabilidade da gestante. Conforme a OJ nº 88 – “O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador, salvo previsão contrária em norma coletiva, não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade. art. 10, II, ‘b’, ADCT”. Diverso é o entendimento do STF, que, com voto do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, decidiu o seguinte: “Considerando que os acordos e convenções coletivas de trabalho não podem restringir direitos irrenunciáveis dos trabalhadores, a Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do TST que afastara o direito de empregada gestante à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, ‘b’, do ADCT (…), em razão da existência, na espécie, de cláusula de acordo coletivo que condicionara o mencionado direito à necessidade de prévia comunicação da gravidez ao empregador.”.
5. A OJ n. 342 considera nula a cláusula convencional que reduzir a jornada de intervalo para menos de uma horas: “ INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. NÃO CONCESSÃO OU REDUÇÃO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE (DJ 22.06.2004). É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.”
6. Orientação Jurisprudencial nº 182. “Compensação de jornada. Acordo individual. Validade. É válido o acordo individual para compensação de horas, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário.” – inserido em 08.11.2000). Súmula Nº 423 do TST TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. FIXAÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO MEDIANTE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. VALIDADE. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 169 da SBDI-1) – Res. 139/2006 – DJ 10, 11 e 13.10.2006). Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não tem direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras.