A prescrição trabalhista e o pagamento da multa de 40% sobre o FGTS, em face do julgamento do STF que decidiu que a aposentadoria não é causa de extinção do contrato de trabalho
* Christian Marcello Mañas
No final do ano passado o Supremo Tribunal Federal julgou em definitivo a ADIN 1721-3, declarando a inconstitucionalidade do parágrafo segundo do art. 453 da CLT, que previa: “o ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado trinta e cinco anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa extinção do vínculo empregatício”.
A decisão restabeleceu segurança jurídica à sociedade com o entendimento de que a aposentadoria não é causa de extinção do contrato de trabalho, ao contrário do entendimento jurisprudencial até então dominante. De fato, mesmo com a eficácia suspensa do parágrafo segundo do art. 453 da CLT, desde 19.12.1997, por ocasião de liminar deferida, o entendimento que prevaleceu no TST era de que a aposentadoria espontânea extinguia a contrato de trabalho, culminando na publicação da Orientação Jurisprudencial 177, em 08.11.2000 : “Aposentadoria espontânea. Efeitos. A aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a concessão do benefício previdenciário. Assim sendo, indevida a multa de 40% do FGTS em relação ao período anterior à aposentadoria”.
Se por um lado a decisão definitiva do STF culminou no cancelamento da OJ 177 e na consolidação do novo entendimento no TST (por exemplo, SBDI-1, E-RR 666982/2000, Rel. Min. Horácio Senna Pires, DJU 29.06.2007; SBDI-1, E-RR 701407/2000, Rel. Lélio Bentes Corrêa, DJU 29.06.2007), por outro lado a decisão do STF reacendeu a polêmica sobre o marco inicial da contagem prescricional para o ajuizamento de ação visando ao pagamento da multa de 40% de FGTS, para os empregados que tiveram o contrato de trabalho rescindido por motivo de aposentadoria, seja para aqueles que não receberam a multa, seja para aqueles que continuaram a trabalhar após a aposentadoria e receberam a multa apenas levando em conta o período posterior à aposentadoria.
Para os empregados que foram demitidos há menos de dois anos, não há qualquer implicação teórica e perquirições sobre a matéria, diante da prescrição bienal consagrada (CF, art. 7.º, XXIX). Porém, para os trabalhadores que foram demitidos há mais de dois anos, faz-se necessária uma análise mais aprofundada sobre o tema. Assim, conquanto alguns sustentem que a decisão do STF, com efeitos ex tunc, veio a alterar a sistemática jurídica existente, ensejando a possibilidade de que a prescrição trabalhista apenas seja declarada após dois anos contados a partir da publicação da decisão do STF – pois o trabalhador apenas teria tomado ciência da lesão a partir desta data – ocorre que a interpretação mais consentânea com a segurança jurídica caminha em sentido oposto, a par da questão ainda não ganhar contornos definidos.
Com efeito, não se desconhece que na Justiça do Trabalho existem algumas exceções à regra geral da prescrição bienal, como é o caso das ações que tratam de diferenças de complementação de aposentadoria e pensão (aplicação da prescrição qüinqüenal, consoante dispõe a súmula 327 do TST), além das ações que tiveram por objeto o recebimento de diferenças da multa de 40% sobre o FGTS em decorrência dos expurgos inflacionários reconhecidos posteriormente pela Lei Complementar n. 110/01 (a prescrição somente passou a fluir a partir da publicação da referida lei). Porém entendemos que o caso em apreço requer uma solução jurídica diversa, pois a jurisprudência, até a data da decisão do STF, ainda não havia se consolidado, sendo que a OJ 177 – posteriormente cancelada – apenas consubstanciava um entendimento predominante nos tribunais em relação ao art. 453 da CLT, ou seja, sem força de lei, tampouco vinculadora de decisões posteriores, tanto que havia interpretações divergentes dadas pelos diversos tribunais, muitas inclusive favoráveis aos trabalhadores. Ao que parece, interpretar em sentido contrário resultaria na insegurança das relações jurídicas na medida em que a modificação de um entendimento jurisprudencial não pode acarretar o renascimento do direito.
A decisão definitiva do STF não autoriza afastar-se da aplicação da regra geral, pois não interrompeu ou reabriu a contagem de prazo para a propositura de ação trabalhista, mormente quando o parágrafo segundo do art. 453 já estava com a eficácia suspensa desde 1997. Por outro lado, referida decisão não fez nascer o direito, apenas declarou a existência de um direito já conferido pelo ordenamento jurídico pelo que, caso não sobrevenha lei específica, entendemos que a contagem do prazo prescricional tem início após a extinção do contrato de trabalho, por aplicação do art. 7.º, XXIX, da Constituição Federal, pois, em última análise, a violação do direito surgiu por ocasião da extinção do contrato.
* Advogado. Especialista em Direito Previdenciário e Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: christian@machadoadvogados.com.br