Direito adquirido ao teto de 20 salários mínimos
por Sidnei Machado(*)
Depois de muitos anos contribuindo para a Previdência Social o trabalhador brasileiro, finalmente, adquire o direito de se aposentar por uma de suas modalidades (tempo de contribuição ou idade). Mas ao receber o primeiro benefício, o já aposentado, não raras vezes, é surpreendido com valor inferior à sua expectativa, considerando o montante das contribuições que efetuou para a Previdência ao longo de muitos anos. Diversas são as causas que resultam em aposentadorias de início “defasadas”, sem correspondência com as contribuições efetuadas. Entre elas podemos destacar as sucessivas mudanças de moedas, alteração de indexadores, inflação galopante, planos econômicos mal sucedidos; combinado ainda com a prática de uma política deliberada de reajustes de benefícios abaixo da inflação, utilizado como mecanismo espúrio para reduzir o propalado déficit da Previdência.
Da justificável insatisfação, a palavra de ordem dos aposentados tem sido a revisão dos benefícios. Processos com tal pedido povoam e abarrotam o judiciário brasileiro, o qual tem, em alguns casos, jurisprudência amplamente favorável aos aposentados, a exemplo das quase dois de aposentadorias implantadas entre fevereiro de 1994 e março de 1997.
Há, contudo, questão antiga, cujo debate jurídico se reacendeu. Trata-se dos critérios de limitação das aposentadorias previdenciárias ao chamado teto de salários de benefícios. Esta geração de contribuintes e aposentados da Previdência Social brasileira conviveu com vai e vem de aumento e redução do valor do teto das contribuições, as quais, ao serem consideradas na base de cálculo das aposentadorias, pelo critério da média aritmética, repercutem no seu valor inicial. Aqueles que se aposentaram nas últimas duas décadas, tem no histórico de contribuição períodos com valores de teto de 5, 20 e 10 salários mínimos e, após 1989, valores inferiores aos 10 salários mínimos.
A questão mais emblemática sem dúvida é daqueles que se aposentaram após o ano de 1989 e que, entre os anos de 1973 a 1988 contribuíram sobre 20 SMR (Salário Mínimo de Referência). A questão posta é se os aposentados após 1989 – quando houve redução de 20 para 10 salários no teto de contribuição – têm direito ao cálculo das aposentadorias com base nas contribuições de 20 SMR e não de 10 salários.
O teto do salário-de-contribuição sobre 20 SMR foi introduzido pela Lei n. 6.950, de 04.11.1981, que alterou a Lei n. 6.332/76. O art. 4º da dispunha que: “O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Lei n. 6.332/76, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no país”.
A Lei 6.950/81 vigorou até 30.06.1989, quando foi revogada pela Lei n. 7.789, que reduziu o teto de 20 para 10 salários mínimos, já que fixou o maior salário-de-contribuição em Ncz$ 1.200,00, quando o valor do salário era de NCz$ 120,00 (art. 1º). Como o Período Básico de Cálculo – PBC das aposentadorias era a médias dos últimos 36 (trinta e seis) salários-de-contribuição, aqueles que requereram aposentadoria a partir de 1º.07.1989 não tiveram contemplados no PBC a contribuição feita com base nos 20 SMR. Assim, foram em vão as contribuições a maior, já que não repercutiram no valor inicial das aposentadorias.
A jurisprudência tem entendido que não há direito adquirido ao segurado de prosseguir contribuindo pelo teto de 20 SMR, com o objetivo de obter benefício nesse valor. Isso levou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4, por exemplo, a editar a Súmula n. 50, que trata do limite do salário-de-contribuição, nos seguintes termos: “Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto de 20 salários mínimos após a entrada em vigor da Lei n. 7787/89”. Assim, inviabilizada a possibilidade do segurado continuar contribuindo com 20 salários mínimos, com o objetivo de garantir a inclusão do valor no PBC.
A limitação do salário-de-benefício ao teto é atualmente fixada pelo art. 29, § 2º da Lei n. 8.213, o qual dispõe que: “O valor do salário-de-benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de-contribuição na data de início do benefício.” Invocando esse dispositivo, a jurisprudência do STJ tem entendido ser lícito a limitação do benefício ao teto legal para as aposentadoria requeridas na vigência da Lei 8.213/91, destacando não haver necessária equivalência entre o salário-de-contribuição e o salário-de-benefício. Dessa maneira, mesmo se a atualização monetária dos valores do PBC suplantar o teto – o que com freqüência ocorreu nos últimos ano – o benefício acaba sendo limitado teto ao fixado na lei vigente na data do requerimento.
Mas há uma tese em torno do direito adquirido que pode beneficiar muitos aposentados. É entendimento já consolidado pelo STF pela Súmula 359 que: “Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária”. Ou seja, segundo a posição do STF, a aposentadoria ou a pensão deve ser regulada pela lei vigente ao tempo que os requisitos foram implementados.
Essa premissa jurisprudencial propicia salvaguardar o direito adquirido dos aposentados que embora tenham requerido a aposentadoria após 30.06.1999 (data da alteração da Lei 7.7.87/89), e quando de sua revogação, já possuíam o tempo mínimo para requer a aposentadoria pelas regras então vigentes. Caso o aposentado demonstre possuir 25 ou 30 anos (homem e mulher, respectivamente) de tempo de serviço em 30.06.1999, estaria amparado pelo direito adquirido à preservação do cálculo de seu benefício tendo como PBC os meses anteriores, quando contribui sobre 20 SMR.
Essa tese já vem sendo aceita pelo STJ. Em voto Min. Laurita Vaz, acolhido por unanimidade, decidiu-se que: “Se o segurado-empregado preencheu os requisitos para a aposentadoria em março de 1988, antes da edição da Lei n.º 7.787/89, tem ele direito à observância do teto de 20 (vinte) salários-mínimos, não obstante tenha requerido o benefício na vigência da Lei n.º 8.213/91.” (Resp 499799-PE. DJ 24.11.2003. p. 352).
O direito adquirido ao teto de 20 salários mínimos, segundo a jurisprudência citada, beneficia todos os aposentado que, não obstante ter requerido o benefício após 30.06.1989, já tinha completado 25 ou 30 anos de serviço (mulher/homem), tempo suficiente para concessão da aposentadoria proporcional, sob a égide da Lei 6.950/81.
A limitação dos benefícios ao teto – que nos últimos 15 anos não ultrapassou os 10 salários mínimos – na forma fixada na Lei n. 8.213/91, indiscutivelmente provocou enormes prejuízos aqueles que por algum período efetuaram contribuição sobre valores superiores, sobretudo o período anterior a edição da Lei 7.787, de 30.06.1989.
(*) advogado, mestre doutor em Direito pela UFPR. E-mail: sidnei@machadoadvogados.com.br