Vida mais longa reduz aposentadoria
A mudança da metodologia utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no cálculo da tábua de sobrevida do brasileiro está penalizando mais uma vez o trabalhador. Antes do aumento na expectativa de vida ocorrido no ano passado, um pessoa com 59 anos e 35 anos de contribuição poderia requer a aposentadoria, até 30 de novembro de 2003, com o fator previdenciário neutro, portanto sem redução no benefício. A partir de dezembro, quando passou a valer o aumento na expectativa de sobrevida, a redução do benefício foi de 16%. Quer dizer: se o trabalhador requeresse a aposentadoria em novembro teria direito a um benefício supostamente de R$ 1.000,00; se o pedido fosse em dezembro receberia apenas R$ 840,00. Com a mudança na metodologia, o fator passa a ser neutro quando a pessoa completar 63 anos, e não 59 anos, como era até o final do ano passado.
A situação começa a ser questionada
O deputado federal Sérgio Miranda (PCdoB/MG) encaminhou à Procuradoria Geral da República, na última quinta-feira, uma representação solicitando uma investigação sobre a mudança da metodologia e seus efeitos. Ele não questiona o fator previdenciário, que é considerado legal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas quer saber se a alteração bate com os princípios da Lei 9.876, de 26 de novembro de 1999, que institui o fator.
Miranda salienta, ainda, que todos são iguais perante a lei e que a situação caracteriza ausência de isonomia. “Duas pessoas fazem pedidos de aposentadoria em datas diferentes. Antes de dezembro de 2003, o fator previdenciário é igual a um, ou seja, neutro. Mas se ele trabalha mais um ano e solicita a aposentadoria, por exemplo em 2004, o fator sofre uma redução, o que não é certo”, observa o deputado.
“Além disso, vale lembrar que essa tábua não é utilizada por nenhum fundo de pensão nem pelos bancos privados nas aposentadorias abertas”, diz Miranda. O deputado mineiro acredita que a representação tem “boa chance” de ser bem-sucedida. “O caso é de flagrante injustiça”, pondera. Segundo ele, uma mudança na atual regra do fator previdenciário poderia ser feita através de um decreto.
Antes da aprovação do fator previdenciário, o Governo tentou elevar o período de contribuição, ou a idade mínima para a aposentadoria, de outras formas. Algumas delas, porém, foram rechaçadas pela sociedade e derrotadas pelo Congresso. O fato é que muita gente, como o ex-auxiliar administrativo e atual ambulante Éden Rafael de Oliveira, tem que fazer bicos ou continuar trabalhando, mesmo aposentado, para manter o mesmo padrão de vida de antes da aposentadoria.
Uso do fator causa perda de até 41,5%
A aplicação do fator previdenciário pode provocar perdas consideráveis em relação ao valor do salário-benefício. O prejuízo é de até 41,5% para as mulheres que se aposentam antes dos 59 anos, com 30 anos de contribuição; e 30% para os homens, aposentados também antes dos 59 anos, porém com 35 anos de contribuição. O cálculo do salário-benefício das aposentadorias corresponde à média aritmética dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, desde julho de 1994, multiplicado pelo fator previdenciário. Este é calculado, levando-se em conta a idade do segurado, o tempo de contribuição e a expectativa de vida.
Segundo a advogada Patrícia Salomão, especialista em Direito Previdenciário, o fato previdenciário de um homem de 53 anos, com 35 anos de contribuição, por exemplo, é de 0,79. Se o cálculo do seu salário-benefício for de R$ 1.000,00, o valor mensal da aposentadoria será de R$ 790,00. A perda, nesse caso, é de 21%. Outro exemplo: uma mulher de 50 anos, com 30 anos de contribuição, receberia um benefício de apenas R$ 700,00, caso o seu salário-benefício também fosse de R$ 1.000,00, uma retração de 30%. O fator previdenciário incidente no exemplo é de 0,7. Para não levar a pior com a redução, o interessado teria que trabalhar e contribuir por mais tempo. “A intenção do Governo é fazer com que a pessoa contribua mais, aumentando o caixa da Previdência”, observa a advogada Patrícia Salomão.
Em algumas situações, porém, a pessoa pode ter o valor mensal de aposentadoria acima do salário-benefício. Se começou a trabalhar com uma idade mais avançada, conseqüentemente se aposentará mais idosa e terá um fator previdenciário maior. Um homem, que hipoteticamente começou a trabalhar/contribuir com 32 anos, ao completar 35 anos de contribuição, portanto com 67 anos de idade, vai ao INSS requerer a sua aposentadoria. Se o seu salário de benefício é de R$ 1.000,00, o valor da aposentadoria será de R$ 1.480,00, tendo em vista que o fator previdenciário, nesse caso, é de 1,48. Teoricamente, porém, ele terá menos tempo de vida para usufruir do salário.