DIFERENÇA DE MULTA DE 40% DO FGTS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO.
Reconhecido o direito às diferenças de FGTS, decorrentes dos expurgos inflacionários, ao empregador compete a obrigação de pagá-las, nos termos do que reza a Lei nº8.036/90, que expressamente afirma ser seu o encargo, quando despede imotivadamente o empregado. Eventual ressarcimento, se assim desejar e for o caso, deverá ser objeto de pedido a ser formulado contra gestor do FGTS. Recurso de revista conhecido parcialmente e não provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-325/2002-060-03-00.0, em que é recorrente COMPANHIA VALE DO RIO DOCE e recorrido JÚLIO CRISTIANO FERREIRA NASCIMENTO.
O e. TRT da 3ª Região, pelo acórdão de fls. 83/91, deu provimento parcial ao recurso ordinário do reclamante para afastar a carência do direito de ação acolhida na sentença, por falta de interesse processual, e a ilegitimidade passiva ad causam, e para condenar a reclamada ao pagamento das diferenças do acréscimo de 40% previsto no art. 18, § 1º, da Lei nº 8.036, decorrente do reconhecimento, pela Lei Complementar nº 110/2001, do direito ao complemento de atualização monetária resultante da aplicação cumulativa dos percentuais de 16.64% e 44.80% sobre os depósitos da conta vinculada do FGTS, no período de 1º.12.88 e 28. 2.89 e durante o mês de abril de 1990, respetivamente.
Os declaratórios opostos pela reclamada a fls. 93/96 foram rejeitados.
Ficou consignado que as questões suscitadas foram enfrentadas no acórdão embargado e que ficaram claros os fundamentos sobre a competência da Justiça do Trabalho para dirimir a controvérsia que envolve o pagamento de diferença da multa de 40% sobre o FGTS, não estando o Juízo obrigado a refutar todos os argumentos enumerados nos embargos (fls. 99/103).
Irresignada, a reclamada interpõe recurso de revista a fls. 106/120.
Argúi a nulidade do julgado por negativa de prestação jurisdicional, sob o fundamento de que, mesmo provocado via embargos declaratórios, o Regional não examinou as matérias suscitadas. Aponta violação dos arts. 5º, XXXV e LV, e 93, IX, da CF e 832 da CLT. Pleiteia a declaração de incompetência material da Justiça do Trabalho e sua exclusão do pólo passivo da relação processual. Diz que não existe norma legal que imponha ao empregador o pagamento da diferença da multa de 40% sobre o FGTS, atualização que deve estar a cargo do órgão gestor a CEF. Indica como afrontados os arts. 109, I, e 114 da CF, 4º da LC nº110/2001, 13 e 18 da Lei nº8.036/90.
Colaciona arestos para confronto.
Despacho de admissibilidade exarado a fls. 123.
Contra-razões apresentadas a fls. 124/134.
Desnecessária a remessa dos autos à d. Procuradoria-Geral do Trabalho.
Relatados.
VOTO
O recurso é tempestivo (fls. 105/106) e subscrito por advogado habilitado nos autos (fls. 37/38), estando o preparo e a garantia recursal regulares (fls. 121/122).
I CONHECIMENTO
I.1 NULIDADE DO JULGADO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Sustenta a reclamada que, mesmo provocado via embargos declaratórios, o Regional não examinou explicitamente a incompetência da Justiça do Trabalho e a ilegitimidade passiva ad causam, sob o enfoque da Lei Complementar nº 110/2001 e da Lei nº8.036/90. Aponta violação dos arts. 5º, XXXV e LV, e 93, IX, da CF e 832 da CLT.
Sem razão.
O Tribunal Regional, ao examinar os declaratórios opostos pela reclamada, registrou à fl. 100 dos embargos declaratórios que, no tocante ao tópico relativo à competência desta Justiça do Trabalho para solucionar conflitos relativos à diferença incidente sobre o acréscimo de 40% sobre o FGTS, em razão dos expurgos inflacionários promovidos pelo órgão gestor CEF, claros foram os fundamentos, restando evidente que tal responsabilidade é do empregador, portanto, inserindo-se na esfera trabalhista, porque fruto de uma relação regida pelo Direito do Trabalho, encontrando suporte no art. 114 da Constituição Federal . Transcreveu, ainda, os fundamentos adotados no acórdão embargado.
Quanto à ilegitimidade passiva, citou trecho do julgado embargado, no qual faz menção à Lei Complementar nº110/2001 e à Lei nº8.036/90, concluindo pela obrigação do empregador quanto ao pagamento da diferença da multa sobre o FGTS, decorrente dos expurgos inflacionários.
Nesse contexto, o Regional examinou explicitamente a matéria, com a completa entrega da prestação jurisdicional, estando ilesos os arts. 5º, XXXV e LV, e 93, IX, da CF e 832 da CLT.
NÃO CONHEÇO.
I.2 – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – DIFERENÇAS DE FGTS – MULTA DE 40%
O Regional foi explícito ao rejeitar a preliminar de incompetência argüida pela ora recorrente, enfatizando que:
E se esta pretensão se insere na esfera trabalhista, fruto de uma relação regida pelo Direito do Trabalho, não há que se falar em incompetência desta Justiça Especial pelo só fato de se alegar que, sendo a CEF o órgão gestor do FGTS, seria da Justiça Federal a competência para apreciar esta ação. Mesmo porque, o objeto do pedido não são diferenças de FGTS, atualizadas incorretamente pelo órgão gestor, a serem apreciadas no âmbito da Justiça Federal, mas tão-somente a diferença do acréscimo de 40% devido em face da dispensa imotivada, esta à toda evidência, de responsabilidade do empregador, em razão dos expurgos inflacionários particados pelo agente gestor (fl. 101).
Incensurável sua conclusão, na medida em que a competência para dirimir conflito entre empregado e empregador é da Justiça do Trabalho.
A presente lide tem a sua causa de pedir e o pedido atrelados à relação empregatícia, que vinculou reclamante e reclamado, e, inquestionavelmente, pode e deve ser apreciada somente pela Justiça do Trabalho, ante a clareza meridiana do art. 114 da Constituição Federal.
Efetivamente, o que se discute é a possibilidade de o reclamante pleitear diferenças de FGTS, mais especificamente os 40% decorrentes da rescisão injusta do contrato de trabalho, tendo como suporte decisão proferida pela Justiça Federal, que reconheceu seu direito de ter atualizados os depósitos feitos em sua conta.
Logo, se o reclamante tem ou não direito, por certo que é questão subseqüente, ou seja, de mérito, a ser declarada pelo órgão competente, que, repita-se, é a Justiça do Trabalho.
Intacto, pois, o art. 114 da Constituição Federal.
NÃO CONHEÇO.
I.3 ILEGITIMIDADE PASSIVA RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELO PAGAMENTO DA DIFERENÇA DA MULTA SOBRE O FGTS (40%)
O Tribunal Regional afastou a ilegitimidade passiva ad causam da reclamada, assim sintetizando sua decisão:
Acréscimo de 40% sobre o FGTS. Diferença decorrente do reconhecimento da incorreta aplicação de índices inflacionários pela CEF. Responsablidade do empregador. Uma vez reconhecida, através da Lei Complementar nº110, de 29.06.2001, a incorreta atualização dos depósitos de FGTS, deve o empregador arcar com a diferença respectiva, correspondente ao acréscimo de 40% incidente em caso de dispensa imotivada, que é de sua responsabilidade, por expressa disposição do art. 18, parágrafo 1º, da Lei nº9.036/90 e art. 9º, parágrafo 1º, do Decreto nº 99.684/90 (fl. 83).
A reclamada sustenta que a responsabilidade pelo pagamento da diferença da multa do FGTS é do gestor do fundo, ou seja, da CEF. Afirma que a responsabilidade decorre da interpretação da Lei Complementar nº 110/01, da Lei nº 8.036/90 e do Decreto nº 99.684/90. Colaciona arestos para confronto.
Os julgados transcritos a fls. 117/118 são contrários à decisão do Regional, pois consignam que o empregador não é o responsável pelo pagamento da diferença da multa do FGTS.
CONHEÇO, por divergência jurisprudencial.
II MÉRITO
II.1 – ILEGITIMIDADE PASSIVA RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELO PAGAMENTO DA DIFERENÇA DA MULTA SOBRE O FGTS (40%)
A matéria já foi debatida nesta Turma, em decisão da lavra do douto Min. Barros Levenhagem, em 12.2.2003:
Discute-se nos autos a responsabilidade pelo pagamento das diferenças dos 40% sobre o FGTS em decorrência dos expurgos inflacionários.
A Lei nº8.036/90, em seu art. 18, § 1º, afirma ser do empregador a obrigação de depositar em conta vinculada indenização compensatória incidente sobre a totalidade dos depósitos do FGTS atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros, por ocasião das dispensas imotivadas. Mais especificamente dispõe o art. 9º, § 1º, do Decreto nº99.684, estabelecido pelo Decreto nº 2.430/97:
No caso de despedida sem justa causa, ainda que indireta, o empregador depositará, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros, não sendo permitida, para esse fim, a dedução dos saques ocorridos .
Pela análise das normas descritas acima, verifica-se que o único que deve responder pela multa fundiária é o empregador, e tendo caráter acessório as diferenças da aludida multa decorrentes dos expurgos inflacionários, deve esse recompor a totalidade dos depósitos, ainda que proveniente de desídia do órgão gestor da garantia.
Ressalte-se que o fato de a diferença advir da aplicação dos expurgos inflacionários, reconhecidos pelo STF como direito adquiridos dos trabalhadores, não afasta a responsabilidade do empregador, uma vez que a reparação pecuniária caberá àquele que tinha obrigação de satisfazer a multa fundiária à época da dispensa sem justa causa.
Saliente-se, por fim, que eventual direito de reembolso pelo empregador quanto às diferenças dos 40% sobre o FGTS em decorrência dos expurgos inflacionários demanda ação de regresso pela via ordinária.
Igualmente, este relator já se posicionou no mesmo sentido:
E, igualmente, não se revela correto que se atribua à Caixa Econômica Federal, gestora do FGTS, o encargo do pagamento. Com efeito, reconhecido o direito às diferenças de FGTS, ao empregador compete a obrigação de pagar, nos termos do que reza a Lei nº8.036/90, que expressamente afirma ser seu o encargo, quando despede imotivadamente o empregado, com eventual ressarcimento, se assim desejar e for o caso, junto ao gestor do FGTS. (AIRR-217/2002-011-03-00.7, julgado em 2/4/2003)
Com estes fundamentos, NEGO PROVIMENTO ao recurso de revista.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista quanto ao tema ilegitimidade passiva , por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negar-lhe provimento.
Brasília, 30 de abril de 2003.
MILTON DE MOURA FRANÇA
Relator