Revisão de Pensões e Aposentadorias
Por Sidnei Machado*
Os benefícios previdenciários ao longo dos últimos quinze anos, pelo menos, vêm perdendo sistematicamente o valor real, agravando a exigência de segurança do modelo de previdência social no Brasil. Os motivos da redução são basicamente de três ordens: a) falta de correção monetária dos salários-de-contribuição para determinação do valor da renda mensal inicial; b) adoção de políticas econômicas que sonegaram a inflação passada nos reajustes subsequentes dos benefícios; c) aplicação de índices de reajustes de benefícios inferiores à inferiores à inflação.
Historicamente as pensões e aposentadorias tinham assegurado reajuste quando alterado o salário mínimo, ou seja, havia uma indexação automática do reajuste em salários mínimos. Com a revogação da indexação de salários mínimos pela Constituição de 1988 – quando os valores foram atualizados –, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não é mais possível reclamar revisão de benefícios com fundamento no salário mínimo.
Porém, a partir da Constituição de 1988, os benefícios têm assegurado reajustes a fim de preservar o seu “valor real”. A perda do valor real dos benefícios tem motivado o ingresso de milhares de ações judiciais, as quais tramitam perante Varas e Tribunais Federais reclamando revisão de benefícios.
Após anos de debates a Justiça firmou jurisprudência favorável em relação a dois períodos, os quais ainda é possível ingressar com ação. Essas ações judiciais versão basicamente sobre as seguintes diferenças na definição do valor inicial da aposentadoria ou pensão e diferenças decorrente da conversão de URV para REAL.
Revisão da renda mensal inicial
Para os aposentados e pensionistas com benefícios iniciados entre 1977 e 1988, o INSS para definir o valor inicial da aposentadoria ou pensão utilizava como base de cálculo a média dos últimos 36 (trinta e seis) salários-de-contribuição. Porém, a atualização monetária incidia apenas sobre os últimos 12 (doze) salários-de-contribuição. Consequentemente, esse mecanismo provocava uma redução no valor do benefício implantado.
A jurisprudência atualmente nos Tribunais Regionais Federais – TRFs e no Superior Tribunal de Justiça – STJ é favorável à correção de todos os salários-de-contribuição, ou seja, dos últimos 36 (trinta e seis) meses. Com isso, tem se determinado a revisão dos benefícios, aplicando-se a correção da antiga OTN/ORTN, gerando assim reflexos em todos os demais proventos recebidos, bem como o direito a implantação das diferenças no futuros pagamentos.
Em regra têm direito ao pedido de revisão judicial da renda inicial todos os aposentados e pensionistas do período de 1977 a 1988, embora alguns poucos benefícios, após procedida a revisão, não apresentam diferenças.
Conversão para URV
Em março 1994 – quando houve a conversão dos valores monetários de URV para REAL – o cálculo para os benefícios previdenciarios foi realizado segundo a sistemática da política salarial então em vigor. Por esse critério os trabalhadores tinham direitos a antecipações mensais de 10% (pela variação do Índice de Reajuste de Salário Mínimo – IRSM) com repasse integral da inflação a cada quadrimestre. No entanto, os benefícios previdenciários não recebiam as antecipações, somente o zeramento no quadrimestre.
Para apuração do valor em REAL dos benefícios previdenciários a partir de março/94, a exemplo do que se determinou para os salários em geral, determinou-se a utilização da média nominal dos benefícios pagos no quadrimestre anterior à conversão. Assim, utilizou-se para o cálculo o valor dos benefícios recebidos em novembro e dezembro de 1993 e janeiro e fevereiro de 1994.
Considerando-se que os benefícios não vinham recebendo as antecipações mensais de 10%, os valores nominais utilizados se encontravam obviamente defasados, gerando um valor inferior em URV. Esse procedimento, indiscutivelmente provocou uma redução no valor dos benefícios a partir de março/94.
O correto seria tomar os valores pagos no quadrimestre anterior já corrigidos pela inflação e, posteriormente, proceder o cálculo da média. O procedimento hoje aceito pelo Superior Tribunal de Justiça é de que os aposentados teriam direito a antecipação de 10% em janeiro/94 e 39,67% em fevereiro/94. Após a correção é que se deveriam proceder a conversão para a URV.
Em dezembro de 1999 a Vara Previdenciária de Curitiba julgou favorável aos aposentados duas ações propostas pelo Ministério Público Federal. Pela ação o INSS está obrigado a revisar o valor dos benefícios a partir deste ano, pela revisão da renda inicial e na conversão da URV.
A revisão judicial pode ser requerida por todos os que tinham benefícios implantados até 28.02.1994. A ação judicial, neste caso, tem como objetivo implantar a diferença de reajuste apurada e, cobrar os valores em atraso dos últimos 5 (cinco) anos, contados da data da entrada da ação. Estão excluídos do direito á revisão aqueles que a época tinha benefícios em valor equivalente ao salário mínimo (hoje R$ 180,00)ou ao teto fixado pelo INSS( hoje R$ 1.430,00).
Fundos de Pensão
Tem se questionado se os beneficiários de fundos de pensão têm também direito às revisões de benefícios junto ao INSS. A justificativa para essa questão parte do pressuposto que esses trabalhadores têm aposentadoria pelo INSS e uma complementação ou suplementação pelo fundo de pensão, garantindo assim a integralidade da renda, independente das correções conferidas pelo INSS. Ou seja, havendo aumento no valor pago pelo INSS, automaticamente haveria uma redução no valor pago pelo fundo de pensão.
Essa assertiva levava a duas conclusão. Primeiro, o trabalhador não teria interesse em ver revisado o seu benefício pelo INSS, já que não lhe asseguraria na soma dos dois benefícios (INSS e fundo de pensão). Segundo, havendo diferença no valor das aposentarias e pensões, de tal forma que provocasse uma redução na suplementação pelos fundos de pensão, estes é que teriam interesse e direito em ver revisados os benefícios pelo INSS. Decisões isoladas nos Tribunais Regionais Federais – TRFs também chegaram a excluir o direito à revisão desses trabalhadores, por reputaram falta de interesse do participante.
Muitos daqueles trabalhadores que analisaram a questão dessa perspectiva, orientados por advogados ou entidades de aposentados – muitas vezes adicionando uma justificativa ética – optaram por não questionar judicialmente o direito às revisões. No entanto, a conjuntura dos mecanismos de reajustes dos benefícios na Previdência Social e a nova regulamentação da Previdência Privada no Brasil, deve levar a uma mudança desse entendimento.
O argumento de que havendo complementação de aposentadoria por fundo de pensão o aposentado ou pensionista não teria prejuízo financeiro é bastante relativo. As aposentadoria complementares apenas definiam, no momento da aposentadoria, um “suplemento” ao benefício previdenciário, desde que o trabalhador implemente diversas condições de idade, tempo de serviço na empresa, contribuição para o fundo, dentre outros. Com isso a suplementação poderia ser integral ou parcial, conforme define cada um dos estatutos e regulamentos das respectivas entidades.
Ocorre que a partir da implantação do suplemento a correção dos valores se dá exclusivamente pelo critérios definidos no regulamento do plano, ou seja, não guarda mais qualquer vinculação aos benefícios previdenciários. Enfim, o regime de reajuste dos planos previdenciários é definido nos contratos ou, as vezes, em lei; ao passo que os benefícios previdenciário têm lei ou ato normativo anual prevendo a sua correção monetária. Não há, então, absoluta equivalência entre benefício previdenciário e o complementar.
Além disso, a previdência dita complementar, a rigor, não mais existe em nosso ordenamento jurídico, pelo menos a partir da Emenda Constitucional nº20, de 15 de dezembro de 1998. A nova redação do art. 202 da Constituição, taxativamente dispõe que O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral da previdência social, será facultativa, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.
O caráter autônomo dos regimes de previdência privada, põe fim ao modelo “complementar”, já que não haverá mais vinculação ao regime geral.
Essa assertiva ficou definitivamente equacionada com a edição da Lei Complementar n. 109, de 29.05.2001. Ao regulamentar a citada art. 202 da Constituição a Lei reitera o caráter autônomo da previdência privada no Brasil, disciplinado inclusive a possibilidade de modalidades de benefícios não vinculados a remuneração, mas a contribuição. Basta lembrar que os benefícios de Contribuição Definida (BD), terão seus critérios de definição de valor dos benefícios pela contribuição e reajustes pelos estatutos do fundo.
Por isso, é equivocada a conclusão de que a correção do benefício somente aproveita ao fundo de pensão. Além do caráter complementar não evidenciar correlação e equivalência, a relação dos aposentados com a Previdência Social, cujo benefício tem assegurado modalidade específica de correção, passou a ser diversa da estabelecida com o fundo de pensão. Ainda que tal correção implicasse em redução de benefício complementar, caberia ao fundo de pensão valer-se ou não de seu direito à recomposição dos valores.
A revisão das pensões e aposentadoria pelo INSS, na verdade, visa apenas recompor os valores reais históricos dos benefícios. Ou seja, não se estaria com a revisão pleiteando uma aumento real, mas uma correção monetária para manter o seu valor real nas respectivas época. Como a tendência na Previdência Social é a crescente perda de valor do benefício, a recuperação do valor histórico pelo aposentado é mais um justificável motivo para pedir a recomposição, como mecanismo para minimizar as perdas futuras dos benefícios. No mês de maio de 2001, segundo dados do INSS, a média já é de R$ 295,00. Se persistir a política de reajuste na Previdência, em poucos anos a média dos benefícios estarão próximo do salário mínimo.
* Sidnei Machado é advogado, mestre, doutor em Direito e professor de Direito Previdenciário.