Participação nos lucros – perspectivas de eficácia no direito brasileiro

PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS

Perspectivas de eficácia no direito brasileiro

 

Sidnei Machado(*)

 

 

 

1. Introdução

 

 

O objetivo desse texto é de tentar resgatar o debate sobre a polêmica da viabilidade da participação nos lucros no Brasil, fixar o seu conceito, tecer comentários sobre a Medida Provisória 794/94 e suas sucessivas reedições que tentam regulamentar o dispositivo constitucional, buscando focalizar uma postura crítica sobre a forma pela qual o sistema vem sendo introduzido.

 

A abertura da nossa economia a partir da década de 90, com reflexos diretos e notórios no mundo do trabalho, com a introdução de novas formas de organização do trabalho e da produção, recolocam a  implantação da participação nos lucros em evidência. O tema,  agora, ganha outro discurso, uma nova roupagem. Muitos a defendem como instrumento de aumento da produção, para vencer a competição; outros a relacionam com a distribuição de renda e a  parceria na empresa.

 

A regulamentação da Constituição, por meio de Medida Provisória, depois de fracassadas inúmeras tentativas de regulamentação via projeto de lei, reclama, por certo, várias indagações.  Até que ponto, por exemplo, essa medida tem identidade com o modelo histórico da participação nos lucros, que preconizava dividir socialmente o produto do trabalho e integrar o trabalhador à empresa ? Nessa perspectiva a MP é suscetível de críticas, que vão desde imperfeições técnicas a negação do direito à participação.

 

 O entusiasmo inicial de muitos, que viam na participação nos lucros a solução para várias endemias das relações de trabalho, pode não estar sendo concretizado no  cotidiano das fábricas. Por isso, mais do que interpretar as normas em vigor, cabe discutir o que há de novo no contexto de um modelo econômico que aposta todas as fichas no mercado. Talvez essa reflexão possa fornecer subsídios para desvendar as razões do insucesso desse direito em nosso país.                              

 

 

2.  Histórico do sistema

 

Os autores não são acordes em fixar a data em que se deu a primeira experiência de participação nos lucros. Alguns indicam que foi Napoleão Bonaparte, quem, em 1812, concedeu participação nos lucros aos artistas daComédien Française.  No entanto, a maioria aponta como precursor o francês Edmé-Jean Leclaire, que em 1842 ou 1843,  introduziu a participação nos lucros aos empregados de sua uma fábrica de tintas.[1]

 

O sistema passou a ser praticado em empresas de países europeus desde o século XIX.  Um estudo realizado, dava conta que até 1917, havia a prática de participação no lucros em 136 empresas da Inglaterra, 114 da França e 30 da Alemanha.

 

A igreja católica inclui o tema em várias encíclicas papais, incentivando a participação dos empregados nos lucros como mecanismo para diminuir as desigualdades sociais impulsionadas pelo capitalismo então em expansão.  A defesa do sistema feito pela  Doutrina Social Católica foi decisiva na instituição de mecanismos de participação nos lucros.

 

A  prática da participação nos lucros se difundiu neste século, mormente após a segunda grande guerra. No entanto, na maioria desses países não há legislação regulamentando a matéria. Sua instituição decorre da tradição e do costume regional. Países como a Bélgica e a Holanda, por exemplo, a adotam via Contrato Coletivo de Trabalho.

 

Mas a primeira constituição a incluir a participação nos lucros foi a mexicana, em 1917, que a disciplinou, juntamente  com outros direitos sociais. Curioso é que a Organização Internacional do Trabalho – OIT, jamais a disciplinou em suas Convenções e Recomendações.

 

 

Na Ásia, nos chamados tigres asiáticos (Coréia, Singapura, Hong Kong, Malásia, Indonésia, Taiwan e Tailândia),  as modalidades de participação nos lucros e resultados são largamente utilizadas, sem que haja qualquer legislação regulamentadora. Esses países convivem, na verdade, com uma ampla desregulamentação da contratação do trabalho.

 

Por outro lado, há inúmeros países onde a participação nos lucros é regulamentada, porém é facultativa a sua concessão. É o caso de Portugal, Itália, Reino Unido, Suíça, Espanha, Uruguai, Panamá, Argentina e Estados Unidos. No México, Chile, Peru e Venezuela,  a distribuição é obrigatória.. Na França a distribuição de lucros é obrigatória apenas para empresas com mais de 100 (cem) funcionários.

3.   A introdução no direito brasileiro

 

A primeira tentativa de instituição da participação nos lucros no Brasil se deu em 1911, através de um projeto de lei, o qual não veio a ser aprovado. Até a década de 50, mais ou menos, já havia no Brasil o costume em algumas empresas de distribuir lucros aos seus empregados, que à época denominavaminteresses.

 

Tanto é que a CLT, que é de 1943, chegou a tratar a matéria no capítulo da duração do trabalho: “Não haverá distinção entre empregados e interessados, e a participação em lucros e comissões, salvo em lucros de caráter social, não exclui o participante do regime deste capítulo”(art. 63).

 

Contudo, a participação nos lucros somente se integrou ao nosso direito pela Constituição de 1946, embalado pelo clima democratizante que vivia nosso país, através de proposta do deputado Paulo Sarazate. O art. 157, IV, da dispunha que:

 

“Art. 157. A Legislação do Trabalho e da Previdência Social obedecerão aos seguintes preceitos, além de outros que visem à melhoria da condição dos trabalhadores: IV – participação obrigatória e direta dos trabalhadores nos lucros da empresa, nos termos e pela forma que a lei determinar”.

 

Sem dúvida a principal característica desse modelo era a obrigatoriedade da participação nos lucros. Não contemplava também a  participação em resultados.

 

Na Constituição de 1967, no auge do regime militar, a participação nos lucros foi mantida, embora a redação tenha sido alterada para adequar-se à filosofia do regime.  Manteve-se a mesma redação docaput do art. 157 da Constituição de 1946,  o inciso V, agora do art. 158, tinha seguinte redação:”integração do trabalhador na via e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros, e excepcionalmente, na gestão, segundo for estabelecido em lei”. Essa mesma redação foi mantida pela emenda nº 1, de 1969.

 

Com a mudança introduziu-se a idéia de integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, indicando, assim, os objetivos da participação nos lucros.

 

A atual Constituição, por sua vez, assegurou em seu art. 7º, ao lado de outros direitos dos trabalhadores:”participação nos lucros ou resultados, desvinculada da remuneração e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”.

 

Todas as tentativas de regulamentação dos dispositivos constitucionais não tiveram êxito. O direito à participação nos lucros sempre foi uma promessa e uma esperança ao trabalhador. A instituição do PIS e do PASEP em 1970 (Leis Complementares n. 7  e 8), não constituíam programa de participação nos lucros, como alguns autores se pronunciaram. Sua característica era de formar um fundo para aumento da renda nacional. De resto, tanto o PIS como o PASEP, foram revogados pela atual Constituição, sendo seus recursos destinados a manter o programa de Seguro-Desemprego (art. 238).

 

 

4. –  Defesa e crítica à participação nos lucros

 

Sob o prisma teórico, o tema já incorporou vários adjetivos: velho, complexo, árido, entre tantos outros. Historicamente, a participação nos lucros tem rendido acaloradas discussões sobre a sua viabilidade e eficácia. Encontra, de um lado, defensores ardorosos, e de outro; ferrenhos opositores. O que é mais interessante é que essas posições são verificadas não somente em meio aos estudiosos, mas também entre empresários e trabalhadores. 

 

A críticas dos autores concentram-se basicamente na alegação de que a participação é um mecanismo equivocado, de difícil definição de seus critérios e jamais atinge o resultado  psicológico e econômico a que se propõe. Da mesma maneira o conflito e a tensão entre empregado-empregador continua latente.

 

Barassi já dizia que a participação nos lucros é”uma velha ilusão que pertence ao passado”.[2]   Menos cético, Pontes de Miranda, reconhecia que a participação nos lucros é um instrumento que incentiva a produtividade, evita greves, reduz as desconfianças e permite melhor funcionamento das democracias.

 

Em comentários a atual Constituição, Cretella Júnior, destaca outras vantagens da participação nos lucros:”A técnica da participação nasceu para incentivar o trabalhador a trabalhar mais e melhor, comportando-se como se fosse “dominus” e não como “servus” e, nestas condições, a não paralisar o trabalho”.[3]

 

A maioria dos autores favoráveis à participação nos lucros se apoiam em  fundamentos psicológicos e econômicos. Dizem que o empregado se sente moralmente participante da empresa; por outro lado, ainda representa um incentivo econômico para aumentar sua renda, não mais adstrita ao salário.

 

Segundo o economista Hélio Zyberstajn, defensor da participação nos resultados, não em lucros, como instrumento de incremento da produtividade, assenta que hoje “Existe um consenso segundo o qual programas de participação nos resultados  ¾ nos quais a PEL se insere  ¾ constituem um método para implantar elementos de convergência na relação trabalhador-empresa, porque, se bem-sucedidos podem assegurar ao mesmo tempo, a sobrevivência e a garantia do emprego”. [4]

 

José Pastore, afirma que o”sistema vem sendo gradualmente adotado nos países mais avançados como incentivo à parceria e redutor de conflitos. Por meio dele, os trabalhadores aproximam-se da empresa; torcem pelo seu sucesso; e se empenham na melhoria da sua produtividade, eficiência e desempenho geral”.[5]

 

Esse consenso, apregoado principalmente pelos adeptos da Teoria Econômica Moderna, não é compartilhado por Robert Kurtz, ensaísta alemão, o qual manifesta fundadas dúvidas a respeito:“A idéia tão natural de que o aumento da produtividade facilita a vida dos homens não leva em conta a racionalidade das empresas. Na verdade, trata-se de saber qual será o uso de uma maior capacidade produtiva. Se a produção visa a suprir as próprias necessidades, a evolução dos métodos e dos meios será utilizada simplesmente para trabalhar menos e desfrutar do maior tempo livre”.[6]

 

Falar em melhoria das condições de vida, proporcionada pelo aumento da produtividade, como se fosse uma conseqüência lógica e inevitável, não nos parece ser um raciocínio razoável. No Brasil, por exemplo, tem-se verificado no últimos anos um aumento significativo da produtividade das empresas; contudo, esses indicadores não refletem nos alarmantes índices de desemprego, miséria e concentração de renda que ostentamos.

 

Setores empresariais chegam sustentar a incompatibilidade do modelo capitalista com a distribuição de lucros. Reputam que o capital deve ser remunerado com lucros, e o trabalho com salários. Argumentam, ainda, que a concessão da participação nos lucros provocaria a descapitalização das empresas, retirando sua capacidade de  reinvestir os lucros. Alguns chegam a afirmar que a participação nos lucros resultaria em inflação, pois aumentaria o poder aquisitivo dos trabalhadores, sem um aumento equivalente de produção.

 

A posição de Arthur Mazzini é bem caricata nesse sentido:”O lucro por  excelência, é a remuneração dada ao capital empregado ou investido. Portanto, ao investidor, ao empresário¾ e somente a ele ¾ cabe o lucro. Aos empregados cabe a justa remuneração pelos serviços prestados, ou seja, o salário e outras vantagens, diretas e indiretas, e benefícios complementares, conforme parâmetros de mercado e talento individual de cada um. Todavia não o lucro” [7]

 

A grande maioria das organizações de trabalhadores sempre viu com reservas a participação nos lucros. Os sindicatos de timbre revolucionário, sempre refutaram a idéia de participação, entendendo que esse mecanismo somente tornaria mais vulnerável a luta de classes. Identificam no instrumento uma estratégia política das classes dirigentes de romper com a união dos trabalhadores.[8]

 

Em contrapartida, outros sindicatos, que atuam dentro do sistema capitalista (nos limites da ordem) reivindicando melhores condições de vida e de trabalho, vêem na participação nos lucros uma alternativa de aumento dos rendimentos dos trabalhadores, minimizando a mais-valia do trabalho.

 

É claro que esses argumentos reproduzem as diversas visões, no discurso travestidas de vantagens,  que cada um dos atores sociais (empresários, governo e sindicatos) vêm no sistema. A verdade é que a favor ou contra nem sempre é a questão central do debate, mas a indagação de que objetivo se pretende alcançar. E aí muitos sonegam a resposta óbvia: a participação nos lucros como mero instrumento para viabilizar um projeto econômico e político,  distanciando ou negando os postulados um direito social que a Constituição lhe conferiu. 

 

 

5. Conceito e formas de participação

 

Inúmeros autores já se lançaram na tentativa de formular um conceito de participação nos lucros. As definições não são muito díspares, guardam apenas diferenças de concepções que cada autor reputa do sistema.

 

A mais antiga definição foi aprovada no Congresso Internacional de Participação nos Lucros,  realizada em Paris, em 1889. Atribui-se a participação a seguinte definição:”Convenção, livremente feita, pela qual os empregados recebem parte, prefixada, dos lucros”[9]

Georges Bry definiu participação como: “uma modalidade do contrato de trabalho pelo qual o assalariado recebe do empregador um acréscimo salarial, uma parte dos lucros da empresa, não como sócio, mas como trabalhador cooperante da produção”.[10]

 

No Brasil, Nélio Reis asseverou que, participação nos lucros  é a convenção no contrato pela qual o trabalhador tem direito a receber o salário consistente de uma parte fixa, outra variável, previamente determinada, e calculada sobre o lucro da empresa”[11]

 

Analisando hoje o instituto frente as recentes experiências práticas e mesmo legislativas, vê-se que essas três definições não mais contemplam a amplitude que esse direito ganhou nas constituições modernas.

 

O conceito mais abrangente, e talvez que se aproxima do texto da Constituição, é  o formulado por Cesarino Júnior. Segundo o autor, participação nos lucros é: “atribuição facultativa ou obrigatória pelo empregador ao empregado, além do justo salário legal ou convencionalmente a ele devido, de uma parte dos resultados líquidos exclusivamente positivos da atividade econômica da empresa”.[12]

 

Um conceito satisfatório do instituto deve, naturalmente, pautar-se pelos princípios e regras inseridas em nossa Constituição, não somente observando o dispositivo garantidor do direito, mas todas as demais normas que dão harmonia às opções políticas do legislador constituinte.

 

No que tange as formas de participação nos lucros, as experiências práticas são as mais ricas, que sequer os autores dão conta de classificá-las adequadamente. Não há uma fórmula geral que seja amplamente aceita.

 

As três formas mais conhecidas de participação são: a) direta: planos de participação em salário fixo, em dinheiro; b) indireta: planos de participação em ações ou quotas das empresas; c) mista: combinação das formas direta e indireta. 

 

Hoje há inegável tendência em definir participação nos lucros como sinônimo de salário variável, sem encargos, tudo orientado para a flexibilização das relações de trabalho em proveito da livre iniciativa. Mas essa tendência deve ser vista com ressalvas, posto que a Constituição preconizou como princípio fundamental do Estado,  ao lado da livre iniciativa, os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV).

6. A Medida Provisória regulamentadora

 

Depois de uma longa hibernação, tramitação de dezenas de projetos de lei no parlamento por quase 50 anos, já nos estertores do governo Itamar Franco, foi editada, em 24 de dezembro de 1994, a Medida Provisória 794 com o objetivo de regulamentar o dispositivo constitucional.[13]

 

Para melhor compreender essa regulamentação, passamos a decodificar as possíveis razões motivadoras da MP, e posteriormente a interpretação de seus aspectos mais polêmicos.

 

 

6.1  Participação ou flexibilização ?

 

Para muitos pode parecer inadvertida a regulamentação da participação nos lucros, via Medida Provisória, nos últimos dias de mandato do governo Itamar Franco. Mas, se verificarmos detidamente no contexto político e econômico da época, podemos desvendar nessa MP, que mais do que fazer valer o preceito constitucional, propugna  também introduzir mecanismos de flexibilização nas relações de trabalho.

 

 

Não se pode olvidar que à época os esforços do governo eram para viabilizar sua política de estabilização econômica, representada pelo Plano Real. A Lei 8.880, de 27 de maio de 1994, extinguiu a política salarial em vigor (Lei 8.700/93), pondo fim a sistemática de reajuste em vigor desde 1979. Assim, sob a ótica do governo, a participação nos lucros foi introduzida para funcionar como um apanágio para “compensar” a ausência de reajustes automáticos dos salários nas datas bases seguintes.

 

Em um contexto mais amplo, a MP trouxe nas suas entre-linhas várias dispositivos que possibilitam a flexibilização na remuneração,  abrindo caminho e viabilizando a prática da  remuneração variável.

 

Nesse sentido, a MP contemplou, em parte, uma reivindicação do setor empresarial, que a partir do início da década de 90 tem tentado desregulamentar as relações de trabalho, a pretexto de viabilizar a competição das empresas no mercado internacional. Segundo os adeptos da flexibilização, o custo da mão-de-obra no Brasil, com excesso de encargos sociais, inviabiliza por completo a competição.

 

Todos acompanharam as campanhas levadas a cabo, em especial por entidades patronais (Federações), pela redução do que chamavam de “Custo Brasil”. Indiscutivelmente que a MP,  ao isentar as empresas de encargos sociais, além de autorizar o abatimento das parcelas distribuídas no Imposto de Renda, atendeu essa reivindicação (ainda que se reconheça legítima).

 

Não é sem razão que o Prof. José Pastore, declaradamente um dos mais entusiastas da flexibilização da contratação do trabalho no Brasil, logo após a edição da primeira MP,  em artigo publicado na Folha de São Paulo, reconheceu que“A medida provisória traz grandes avanços no campo da necessária flexibilização das nossas relações de trabalho. Ela estabelece, com base no inciso 11 do artigo 7º da Constituição Federal, que as parcelas pagas a título de participação estão isentas de qualquer tipo de encargo trabalhista ou previdenciário [14].

 

6.2 – Aspectos polêmicos da Medida Provisória

 

Desde a edição da primeira MP, juristas, sindicatos e empresários, vêm relacionando inúmeras inconstitucionalidades e equívocos da medida.

 

a) Urgência e relevância

 

Para iniciar, a regulamentação da matéria por meio de Medida Provisória, requer a satisfação dos requisitos de urgência e relevância, segundo informa o art. 62 da Constituição. Ora, se há quase 50 anos não foi regulamentada a matéria, não se pode crer que agora esses requisitos se encontrem presentes. Pode-se crível que a matéria seja relevante, como de resto os demais direitos assegurados aos trabalhadores pela Constituição e que reclamam regulamentação; mas urgente, de tal forma que justifique a edição de uma MP, não é aceitável.

 

Ademais, sendo a matéria polêmica, com posições no seio da sociedade bastante desencontradas, nada mais adequado que em um regime democrático que esse direito fosse regulamentado através de lei aprovado pelo Congresso Nacional.

 

b) Objetivos

 

O artigo 1º da MP diz que um dos seus objetivos é ser um instrumento de”integração entre capital e trabalho e de incentivo à produtividade”.  Além de notadamente utópico, mormente nos dias atuais, a medida não traz qualquer disposição que assegure e eficácia mínima desse preceito. Sequer indica como será atingida essa integração. Edésio Passos, bem observou que a medida poderá funcionar como incentivo à produtividade, jamais como integração do trabalhador à empresa. Na verdade a MP não trouxe uma palavra que sugira proporcionar à distribuição de renda ou mesmo a democratização das relações de trabalho.

 

 

c) Participação dos sindicatos

 

O mais polêmico dispositivo da MP sem dúvida foi o artigo 2º e seus três parágrafos. A primeira edição (MP 794) dispunha que participação nos lucros deveria ser realizada por meio danegociação coletiva. Já na segunda edição (MP 860), foi alterado para dispor que a empresa deveria convencionar a participação“por meio de uma comissão escolhida”, afastando assim a negociação coletiva, e como conseqüência, a participação dos sindicatos no processo negocial. O § 2º ainda dispõe que o instrumento do acordo celebrado deverá ser depositado na entidade sindical dos trabalhadores.

 

Com razão, juristas e entidades sindicais protestaram pela manobra do governo, que claramente pretendia colocar o sindicato de fora, privilegiando a negociação no interior da empresa. A alteração esta alinhada com a proposta do governo de modificar a organização sindical, viabilizando a criação de sindicatos por empresa, e não por categoria ou ramo de atividade.

 

Não é indicado também quem é essa comissão “escolhida”,  não mencionando sequer se deve ser eleita por seus pares. Sem dúvida que em nosso modelo, sem organização dos trabalhadores no local de trabalho (conselho e comissões de fábrica), essa comissão, sem qualquer garantia de emprego, sem formação adequada, se tornaria vulnerável diante do empregador.[15]

 

Não há indicação que tipo de instrumento é esse firmado entre a empresa e a comissão de trabalhadores, já que o sindicato não participaria do processo. Como sabemos, o Acordo Coletivo de Trabalho requer a intervenção de um sindicato profissional. Figura estranha também é a referência ao depósito do instrumento no sindicato. Ou seja, confunde-se o papel do sindicato com a de um cartório.

 

É mais flagrante ainda a inconstitucionalidade dessa alteração, posto que o art. 8º, inciso VI, da nossa Constituição, prevê a obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações coletiva de trabalho.

 

Com esses fundamentos a CONTAG e outras entidades sindicais ingressaram com Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn perante o STF. O Ministro Ilmar Galvão, relator do processo, concedeu liminar sustando, quando já em vigor a MP 1204/95, a disposição do art. 2º “toda empresa deverá convencionar com seus empregados, por meio de comissão por eles escolhida, a forma de participação daqueles em seus lucros ou resultados”. O processo ainda aguarda julgamento no Tribunal. Provavelmente, o julgamento confirmará a liminar deferida.[16]

 

d) Abrangência

 

Quanto a abrangência da participação nos lucros, a MP exclui a pessoa física, as entidades sem fins lucrativos (esta segundo condições que estabelece), e as empresas estatais. Aqui também resta dúvida quanto a eficácia desse dispositivo.

 

O inciso XI do art. 7º da Constituição, ao assegurar entre os direitos dos trabalhadores a participação nos lucros, não faz qualquer restrição ou distinção a tipo de empresa. A CLT ao falar em empregador, para fins de incidência de direitos, não distingue sem fins lucrativos ou mesmo pessoa física. É empregador em nosso ordenamento jurídico toda empresa que”assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços” (art. 2º).

 

Já em relação as empresas estatais, a própria constituição dispõe em seu art. 173 § 1º que, caso explorem atividade econômica, devem  sujeitar-se”ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias”.  Ou seja, não há possibilidade de regimes de relação de trabalho diferenciados entre estatais e empresas privadas.

 

A única possibilidade de exclusão do direito à participação nos lucros parece ser em relação aos domésticos, já que a Constituição não os inclui entre os direitos conferidos aos demais trabalhadores (art. 7º, XXXIV, parágrafo único).

 

e) regras e critérios

 

No que tange aos mecanismos, o §1º do art. 2º, limitou-se a mencionar que deverá ser instituído por regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da  participação e das  regras adjetivas, sugerindo que tenham como parâmetros:”a) índice de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa”; b) programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente”.  Claramente esse dispositivo induz que as participação se dê  pelos resultados, e não pelos lucros.

 

O art. 2º da MP não disciplinou a questão central para a regulamentação da norma: definir o que são lucros e resultados para fins de participação. Como se sabe esse sempre foi um dos pontos polêmicos em vários projetos de lei,  sendo inclusive um dos impasses mais recorrentes que têm inviabilizado a aprovação dos projetos em tramitação no Congresso.

 

Lucro é um conceito estritamente econômico. Na contabilidade empresarial existem várias formas para defini-lo, tais como: Lucro Bruto, Lucro Líquido e Lucro Real. Geralmente Lucro é definido comoO rendimento atribuído ao capital investido diretamente por uma empresa ou a diferença entre receita e despesa operacional em um determinado período.  Quanto aos resultados a MP, em que pese não fale expressamente, sugere que seja  decorrente da implementação de metas, por produtividade, faturamento, etc.

 

Parece equivocado a lição do Prof. Arnaldo Sussekind ao sustentar que a MP quis referir-se Lucro Real, entendo que este é equiparado ao Lucro Tributável.[17]  Na verdade, a MP teve o objetivo de deixar essa questão para que as partes, na negociação, definam o que entendem por lucros e resultados.

 

 

f) Natureza jurídica

 

Na mesma esteira da Constituição (art. 7º, XI),  a MP deixa claro que a participação não tem natureza salarial, estando isenta de incidência de encargo trabalhista e previdenciário (art. 3º).  A maioria dos autores já defendia que o próprio dispositivo constitucional possui eficácia plena e, portanto, havia  excluído da remuneração a participação nos lucros, e que era desnecessário a regulamentação. [18] 

 

A Lei de Custeio da Previdência Social (8.212/91), já dispunha que a participação nos lucros não integra o salário-de-contribuição (art. 28, § 9º, alínea j). O TST, através da Resolução 33/94, cancelou o Enunciado 251, que ao contrário entendia que a participação nos lucros tinha natureza salarial.

 

A isenção não alcança os trabalhadores, que terão tributadas na fonte as parcelas recebidas a título de participação nos lucros.

 

A isenção de encargos funciona como incentivo à concessão da participação, o que teoricamente, é uma postura correta do Estado. Inclusive, a própria Constituição, assegura que o Estado incentivará as empresas que”(…) pratiquem sistemas de remuneração variável que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho” (art. 218, § 4º).

 

No entanto, essa isenção deve ser vista com ressalvas, para que não se institua, a pretexto de conceder participação, salário variável em valor significativo ou superior às parcelas fixas. Isso obviamente constituiria fraude à Receita, à Seguridade Social e ao próprio trabalhador.

 

Como um dos únicos mecanismos de evitar a fraude, pelo pagamento de salário a título de participação nos lucros, com acerto a MP impôs que a distribuição não poderá ser inferior a um semestre. 

 

g)  Formas de solução de conflitos e sanção

 

Caso haja impasse nas negociações,  como formas de solução de conflito, são indicadas o recurso a mediação e a arbitragem de ofertas finais. Embora a MP não fala Dissídio Coletivo de Trabalho, pensamos que inviabilizada a negociação, e superada as possibilidades de solução via mediação e arbitragem, as partes têm direito de suscitar a instauração de dissídio. O art. 114 da Constituição, ao manter o poder normativo da Justiça do Trabalho, assegura a invocação dessa tutela.

 

Naturalmente, esse não é o melhor caminho para ambas as partes. Sabidamente,  Tribunais não têm condições técnicas de estabelecer avaliar e decidir sobre cláusula de participação nos lucros.

 

Por fim, tornado obrigatório o pagamento de participação nos lucros, concedido incentivos e sugerida a participação em resultados; a MP não estabeleceu nenhuma penalidade pelo seu descumprimento. É uma norma sem sanção. Sequer impõe ao empregador sentar para negociar com seus empregados, formular propostas ou estabelecer prazos para implementação da participação.

 

Talvez o Dissídio Coletivo funcionasse para  fixar cláusula de conteúdo obrigacional, impondo às empresas a obrigação de negociar com o sindicato a participação nos lucros, determinando inclusive que disponha as informações necessárias, sob pena de multa diária.

 

h) Emendas apresentadas

 

Ao ser convertida em lei¾ o que alguns assim não acreditam¾ certamente serão efetuadas várias modificações na MP. Já foram apresentadas na Câmara dos Deputados 26 (vinte e seis) propostas de emendas aditivas e supressivas. As emendas são: 11 de autoria do deputado Wilson Braga; 13 de Jair Menegheli; 1 de  Francisco Dornelles e 2 de  João Almeida.

 

Em geral, as emendas visam corrigir as distorções da MP. As propostas dos deputados objetivam basicamente: a) Tornar obrigatória a participação do sindicato na negociação; b) Fixar prazo de 180 dias para pactuação da participação nos lucros; c) Introduzir a necessidade de mecanismos de acesso e aferição das informações das empresa; d) Vedar a distribuição diferenciada do lucro de forma individual ou departamental; e) Impedir a participação acionária; f) Impossibilitar compensação de perdas e prejuízos antigos; g) Excluir o recurso ao Poder Judiciário.

 

 

6.3 – Um breve balanço das negociações após a regulamentação

 

 

Trabalhadores e empresários continuam céticos quanto as vantagens da participação nos lucros. As empresas, embora saibam ser a mesma obrigatória, estão deliberadamente descumprindo a MP.

 

Ainda são poucas as empresas que instituíram a participação via Acordo Coletivo de Trabalho. Em geral, as negociações estão optando por estabelecer um salário fixo anual, ou, nas empresas mais organizadas e com sindicatos mais atuantes,  tem se negociado a distribuição de resultados pela implementação de metas preestabelecidas. Considerando a obrigatoriedade de cumprimento da MP, o número de empresas que a praticam  é ainda  inexpressivo.

 

Muitas empresas, reticentes, se esquivam dizendo que estão aguardando a  MP ser transformada em lei. Por parte dos trabalhadores,  a maioria dos sindicatos com pouco poder de mobilização atualmente, têm denunciado a resistência dos empregadores em negociar.

 

Sindicatos e Federações empresariais têm incentivado seus filiados a instituírem a participação nos resultados. Inclusive, têm realizado campanhas, com distribuição de cartilhas, esclarecendo as vantagens do instituto, sempre destacando o incremento da produtividade e da qualidade.

 

Os bancários firmaram Convenção Coletiva de Trabalho,  na data-base de setembro/95,  estabelecendo o pagamento de 72% sobre o salário, acrescido de R$ 200,00 (duzentos reais). A categoria dos metalúrgicos de Betim, Minas Gerais, negociou participação em valor fixo, proporcional ao salário, em percentual de 25 a 70%, considerando o número de empregados das empresas.

 

A Autolatina fechou Acordo Coletivo com os Sindicatos dos Metalúrgicos de São Paulo e do ABC paulista, prevendo o pagamento de 14º salário.

 

Os trabalhadores da Mercedes-Benz negociaram um amplo Programa de Metas, tendo como parâmetro o aumento da produção de veículos, qualidade e absenteísmo. A cada objetivo atingido é atribuído pontuação previamente fixada, que ao final será multiplicado por um valor fixo em reais.

 

No Paraná, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas negociou Acordo Coletivo de Metas, envolvendo: volume de produção, índice de segurança no trabalho, índice de satisfação do cliente e absenteísmo.

 

No entanto, várias Convenções têm apenas se restringido a sugerir a criação de comissão na empresa para discutir a participação nos lucros e resultados. Alguns sindicatos de trabalhadores têm proposto que na Convenção Coletiva de Trabalho seja inserida cláusula de conteúdo obrigacional, regulamentado as formas e condições para a participação nos lucros.

 

É caso do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná, por exemplo, que reivindica a seguinte cláusula:

 

Obrigatoriedade de Participação nos lucros e resultados – É obrigatória a negociação da empresa com os representantes dos trabalhadores, e a instituição de mecanismos de participação nos lucros e resultados da empresa, no prazo de 90 (noventa) dias a contar da vigência deste instrumento normativo.

Parágrafo primeiro: As empresas, obrigatoriamente, deverão negociar com os representantes dos trabalhadores e o sindicato profissional, visando estabelecer instrumento que regulamente a participação nos lucros e resultados.

Parágrafo segundo – Se no prazo previsto no “caput” desta cláusula não ocorrer Acordo, fica garantido um prêmio de produção equivalente a dois salários nominais do empregado a serem pagos juntamente com os salários de DEZEMBRO/97.

Parágrafo terceiro – A recusa à negociação injustificada, imporá à empresa o pagamento de multa em favor dos empregados, equivalente a 1/30 de salário por dia de mora, a contar da data em que se configurar a recusa. Para fins desta cláusula considera-se recusa injustificada o não oferecimento de propostas formais ou a recusa ao acesso às informações contábeis e financeiras da empresa aos representantes.

Parágrafo quarto – Havendo acordo, o mesmo será formalizado em instrumento de acordo coletivo de trabalho entre a empresa e o sindicato profissional.

 

Esta cláusula não tem sido aceita pelo patronato, tampouco a Sentença Normativa a acolhe, quando em dissídio coletivo.

 

Assim, fruto da resistência patronal e do desinteresse dos trabalhadores, a participação nos lucros ainda não é realidade no Brasil.

 

 

7 – Algumas conclusões

 

a) A participação nos lucros é o caminho mais claro no futuro do relacionamento empregados-empregadores, isso porque implica em co-responsabilidades e na busca conjunta do atingimento de metas, estabelecendo patamares modernos nas relações de trabalho;

 

b) A participação nos lucros ou resultados é hoje um direito previsto no capítulo dos direitos sociais, garantido em nossa Constituição. Representa também um esforço coletivo a sociedade de incentivo ao aumento da renda nacional e da produtividade, como mecanismo ao nosso desenvolvimento econômico e social;

 

c) A participação nos lucros, como um direito social,  não pode servir como estímulo à flexibilização e desregulamentação de direitos historicamente conquistados;

 

d)  Não é mecanismo para substituir política salarial ou contribuir para viabilizar um programa de governo ou sua política de estabilização econômica;

 

e)  É preciso o judiciário estar atento às fraudes, anulando as “falsas participações nos lucros”;

 

f) É preciso que o Congresso Nacional vote o mais breve possível a Medida Provisória, corrija suas imperfeições técnicas e estabeleça normas que garantam a sua eficácia.

 

 

 

 


(*)  –  SIDNEI MACHADO, mestre e doutor em Direito pela UFPR, professor do Unicenp e autor do livro Proteção ao Meio Ambiente de Trabalho“.

 

 

[1]– Relata a história que Leclaire foi preso sob alegação de ter pervertido e violado as formas de pagamento vigentes.

[2]– “Una vecchia illusione che appartiene ala archeologia”. BARASSI, Ludovico.  Il Diritto del Lavoro, Dott-Guifré Editore. Milão, 1949, pág. 275, vol. 1.

[3]– CRETELLA JÚNIOR, José. “Comentários à Constituição de 1988. São Paulo. Forense Universitário. 1ª edição, Vol. II, pág. 938.

[4]– Ob. cit. pág. 37.

[5]– PASTORE, José. Folha de São Paulo. 10.01.95, pág. 3.

[6]  – KURTZ, Robert. “O Colapso do Capitalismo”. Folha de São Paulo. Caderno Mais, 11.02.96, páginas 5 a 14.

[7]– MAZZINI, Arthur, Folha de São Paulo, in “O lucro é do empresário”, dia 10.02.95.

[8]-Na Inglaterra,  a primeira Ministra Margareth Tatcher,  desencadeou uma campanha pela concessão de participação nos lucros,  sendo inviabilizada pela oposição feita pelos sindicatos ingleses.

[9]– “apud” Pontes de Miranda, Comentários a Constituição de 67, pág. 123.

[10]– BRY,  Georges. Les Lois du Travail Industriel et la Porvoyance Sociale, Librarie Recueil Sirey. Paris. 1963. p. 200.

[11]– Reis Nélio. Participação Salarial nos Lucros das Empresas. Editora Revista do Trabalho. Rio de Janeiro, 1946, pag. 48.

[12]– Cesarino Júnior, Antônio Ferreira, Marly A. Cardone. Direito Social. São Paulo. LTr. 2ª edição, pág. 141.

[13]  – A MP vem sendo reeditada a cada 30 (trinta) dias. Quando escrevemos este artigo, encontrava-se na 32ª edição, sem que o Congresso tenha tomado a iniciativa de votar a MP.

[14]– Folha de São, 10.01.95, pág. 3.

[15]  – A Convenção 135 da OIT assegura claramente garantia de emprego aos representantes dos trabalhadores na empresa. Embora ratificada pelo Brasil  em 1991, a jurisprudência é ainda muito incipiente, sendo poucas as decisões que aplicaram essa norma.

[16]– ADIn 1.361-DF, rel. Min. Ilmar Galvão, 19.12.95.

[17]–  SUSSEKIND, Arnaldo.  Participação Dos Empregados Nos Lucros ou  nos   Resultados da Empresa. Revista Gênesis,   Vol. 6, pág.  558.

[18]– Pronunciaram-se nesse sentido: Celso Ribeiro Bastos, Cretella Júnior, Amauri Mascaro do Nascimento, Eduardo Grabiel Saad.