Sub-notificação de Acidente de Trabalho
Acidentes de trabalho são fenômenos socialmente determinados, indicativos de exploração do trabalho. Segundo a legislação previdenciária os acidentes de trabalho ocorrem no trajeto de casa para o trabalho ou pelo exercício do trabalho a serviço de uma empresa provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause morte, perda ou redução (permanente ou temporária) da capacidade para o trabalho.
Entretanto, um dos problemas que mais compromete os estudos e, de certo modo, a ação preventiva contra os acidentes é a precariedade das estatísticas. Atualmente a Previdência só dispõe do CAT (Comunicado do Acidente de Trabalho) para obter informações sobre a ocorrência e os tipos de acidentes que acontecem, e em breve terá o PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário) como um recurso auxiliar que pode tentar antecipar a ocorrência do acidente através da avaliação dos riscos a que o trabalhador está submetido. Porém, aqueles acidentes que não são notificados não são contabilizados e, portanto, falseiam as estatísticas.
Observa-se que a partir de 1976, segundo as estatísticas oficiais, vem ocorrendo um declínio da incidência de acidentes do trabalho em função de modificações na legislação previdenciária como o aumento da carência do pagamento do seguro de dois para 15 dias e a inclusão de autônomos e de empregados domésticos no Regime Geral da Previdência sem seguro acidente. Contudo, em um estudo realizado em 1997, pela Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista, em municípios do interior do Estado de São Paulo (com população superior a 80 mil habitantes) revelou a sub-notificação de acidentes do trabalho de 42% entre assalariados do setor formal da economia e de 71% para a população economicamente ativa.
Segundo a pesquisa dos 127 indivíduos entrevistados, 19 negaram ter sofrido qualquer tipo de acidente; três revelaram ter sofrido acidente não relacionado ao trabalho; seis referiram ser portadores de doença profissional; 23 confirmaram ter sofrido acidente do trabalho no passado, em período anterior ao definido no estudo (ou seja, de 90 dias antes da entrevista); 76 confirmaram ter sofrido acidente do trabalho no período referente ao estudo, sendo 64 acidentes típicos e 12 acidentes de trajeto. Além disso, o estudo revelou o perfil desses trabalhadores: a maioria era do sexo masculino, com idades entre 20 e 39 anos, casados, com escolaridade entre o primeiro e o segundo grau incompletos e com renda mensal entre dois e cinco salários-mínimos.*
Do total de acidentados, 51,3% dos casos não tinham a obrigatoriedade de emitir o CAT, mas os demais sim, sendo que apenas 11,8% estavam registrados no INSS. Ou seja, dos casos que deveriam ter sido notificados, menos da metade o foram. A falta de informação se verifica quando 80,3% dos acidentados não sabiam o que era o CAT e qual sua finalidade.
Avaliando a situação apresentada nota-se que apenas pouco mais de um quinto dos acidentes do trabalho, ocorridos no município de Botucatu, no período estudado, foram registrados. Além disso, considerando-se, além dos gastos salariais, os gastos com assistência médica, de eventuais perdas materiais e redução de produtividade após o acidente, observa-se que, além do custo humano, os custos financeiros dos acidentes acabam sendo bastante elevados.
Este estudo indica a necessidade de se construir sistemas locais de informações sobre acidentes do trabalho capazes de captar, de maneira mais adequada, a ocorrência desses fenômenos, buscando subsidiar os gestores municipais de saúde no planejamento de ações de prevenção e, particularmente, na avaliação do impacto dessas ações.
O sub-registro observado, de quase 80%, deve-se, em parte, à legislação previdenciária brasileira que exclui do sistema cerca de 50% da força de trabalho, e em outra parte, a vulnerabilidade do próprio sistema de informação, fortemente dependente de ato voluntário do empregador. Nada sugere que o sub-registro encontrado constitua particularidade de Botucatu. Provavelmente, trata-se de situação generalizada em todo o país.
*Equivalentes em moeda americana, em 1º de julho de 1997, a R$ 1,0771 cada dólar.
(Sidnei Machado & Advogados Associados)