A Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira (08/04), o texto-base do Projeto de Lei n.º 4330/04, que regulamenta a terceirização na iniciativa privada e nas empresas públicas e de economia mista. Para Sidnei Machado, especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, o projeto fragiliza a proteção trabalhista no Brasil.
Apesar de não haver consenso na sociedade, devido aos muitos pontos polêmicos tendentes à desregulamentação, a Câmara dos Deputados levou à votação e aprovou o texto-base da proposta. O projeto é defendido basicamente pelos setores empresariais que buscam legalizar a terceirização, afastando a jurisprudência atual da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que impõe limites ao uso da terceirização em atividades-fim da empresa. São quatro os principais pontos polêmicos do projeto:
Abrangência da terceirização
O PL 4.330 autoriza a terceirização para todas as atividades da empresa, incluindo as chamadas atividades-fim, que atualmente são proibidas pela jurisprudência do TST. O Tribunal somente admite esta modalidade para trabalhos secundários, as chamadas atividade-meio. O único critério previsto no projeto, contudo, é que a empresa terceirizada seja especializada.
Responsabilização
A responsabilidade da empresa contratante em relação às obrigações trabalhistas passa a ser subsidiária e não solidária. Com isso, não há garantias de que o trabalhador receba créditos trabalhistas, caso a empresa entre em dificuldades. Com a responsabilidade subsidiária, caberá ao trabalhador esgotar todas as possibilidades de cobrança da empresa principal para, somente depois, tentar cobrar da empresa contratante. A adoção da solidariedade apenas terá aplicação caso a empresa não fiscalize a contratada.
Representação sindical
Os terceirizados passarão a ser representados na negociação coletiva pelo sindicato dos terceirizados e, assim, não terão os mesmos direitos dos empregados da empresa contratada. Com essa medida, se institucionaliza uma subclasse de trabalhadores na mesma empresa. A tendência é que os terceirizados fiquem sem sindicados fortes, o que fragiliza o acesso a direitos coletivos em negociações para Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho.
Serviço Público
O último ponto é sobre a terceirização no serviço público. O projeto permite o setor público terceirizar, desde que não seja para executar atividades exclusivas de Estado.
A Comissão de Direito Sindical da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou nota de repúdio ao projeto, que resume os seus problemas jurídicos centrais: “Ao liberar a prática da terceirização para qualquer atividade da empresa (artigo 2º, I e artigo 4º, PL 4330), afasta-se da estrutura constitucional de proteção da relação de emprego (artigo 7º da CF/88), da distribuição dos direitos sociais (artigos 6º, 7º e 8º, CF/88) e da valorização do trabalho humano (artigo 170, CF/88). A Constituição de 1988, ao demarcar o Estado Democrático de Direito, pressupõe bilateral a relação de emprego (artigos 1º, 7º, I e 170 da CF/88)”.
Os parlamentares da Casa ainda podem alterar o texto por meio dos chamados “destaques”, emendas que serão votadas na próxima semana pelo plenário da Câmara. Depois, o projeto segue para o Senado.
Especialistas em Relações de Trabalho criticam o PL 4.330
“Em essência, a proposta prevê a intermediação ilegal de mão de obra. Isso é prejudicial aos trabalhadores porque, quando você diz que pode terceirizar qualquer atividade, você está admitindo que as empresas podem não ter nenhum empregado.”
Sidnei Machado, sócio fundador do escritório Sidnei Machado Advogados Associados, especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário.
“Se os segmentos empresariais querem segurança jurídica que passem, então, a respeitar a Constituição e não queiram alavancar seus empreendimentos por meio da supressão de direitos trabalhistas, pois, do contrário, serão envolvidos em uma autêntica ilusão jurídica, ainda mais quando tenham como fundamento apenas um dispositivo legal encomendado”
Jorge Luiz Souto Mario, juiz do trabalho e professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
“Ao invés de restringir, limitar ou verdadeiramente regulamentar a terceirização, a proposta contida no PL objetiva tornar a terceirização regra e não exceção”.
Paulo Luiz Schmidt, juiz do Trabalho em Porto Alegre e presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).
“O Estado Democrático de Direito perderá completamente o seu cunho social e a sua face cidadã em relação à classe trabalhadora. Nascerá, em contrapartida, o Estado Democrático de Direito do Capital, cujo seu primeiro direito fundamental consagrará a terceirização sem limites como mecanismo de avassalador aniquilamento de direitos dos personagens antes considerados humanos trabalhadores”
Grijalbo Fernandes Coutinho, juiz do Trabalho de segunda instância no DF e Tocantins (TRT 10), mestre em Direito e Justiça pela UFMG.