I Encontro Jurídico dos Petroleiros reúne especialistas para debater a terceirização no setor de petróleo

O advogado Sidnei Machado junto ao presidente do Sindipetro, Alexandro Guilherme Jorge. Foto: Sindipetro

O Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (Sindipetro PR e SC) e o escritório Sidnei Machado Advogados Associados realizaram, no dia 27 de novembro de 2025, o I Encontro Jurídico dos Petroleiros, no auditório do Sindipetro, em Curitiba. O evento reuniu pesquisadores, procuradores, magistrados e lideranças sindicais para discutir o avanço da terceirização no setor de petróleo e seus impactos sobre os direitos trabalhistas.

Ao longo da tarde, os convidados analisaram o cenário jurídico, mudanças normativas e casos concretos trazidos pela atuação sindical e institucional. O encontro consolidou um diagnóstico comum: o processo de terceirização se aprofundou nas últimas décadas, expandindo relações precárias, ampliando fraudes contratuais e dificultando o acesso dos trabalhadores à Justiça.

Na abertura, o advogado Sidnei Machado, um dos organizadores do encontro, destacou o sentido político e institucional da iniciativa. “Vivemos uma reconfiguração profunda das práticas empresariais de terceirização no setor de petróleo e gás. O modelo atual mercantiliza o trabalho sem limites, fragiliza direitos, pulveriza vínculos e torna muito mais difícil responsabilizar quem realmente se beneficia da força de trabalho. Este encontro nasce da necessidade de reagir a esse cenário com rigor técnico e compromisso social”, afirmou.

Terceirização como política econômica e seus efeitos sobre direitos

O primeiro painel, intitulado “Economia, terceirização e limites da atuação judicial”, contou com a presença do economista José Dari Krein (Unicamp), que apresentou uma análise estrutural do mercado de trabalho brasileiro. “Hoje, 72% dos trabalhadores ocupados ganham até dois salários mínimos. Mesmo quem é muito qualificado está submetido a um cenário de precarização”, disse.

Ele destacou que o setor de petróleo é um exemplo emblemático de como a terceirização se tornou regra para reduzir os custos das empresas, fragmentando categorias e reduzindo a capacidade de organização coletiva. Em geral, esses profissionais ganham menos, têm menos benefícios e direitos do que aqueles chamados “primarizados” (diretos/efetivos).

Na primeira mesa, o professor de Economia da Unicamp, Dr. José Dari Krein, e Iros Reichmann Losso, representando o Ministério Público do Trabalho no Paraná (MPT-PR). Foto: Sindipetro

Segundo Krein, esse é um processo histórico. “Antes da reforma trabalhista, o Brasil já tinha 20 milhões de terceirizados. A reforma apenas ‘legalizou’ a precarização do trabalho”, afirmou. O economista explicou que a própria Petrobras tinha mais terceirizados antes da reforma, mas houve “desterceirização” ao longo dos anos devido à queda na qualidade do serviço prestado.

Para o advogado Sidnei Machado, esse cenário não é fruto de exceções, mas da própria lógica contratual. “Quando o critério central é o menor preço, o resultado é previsível: empresas que não têm como garantir condições dignas de trabalho, segurança ou remuneração adequada. A precarização não é um efeito colateral — ela é produzida por esse modelo de contratação”, destacou.

O procurador-chefe do MPT-PR, Iros Losso, concordou que a terceirização como modelo de gestão foi incorporada de forma acelerada desde o início dos anos 2000, mas ganhou impulso decisivo após a mudança legislativa de 2017.

Ele detalhou os requisitos legais da terceirização. “A lei exige três pontos cruciais para que a terceirização seja válida: a transferência da execução das atividades, a autonomia da empresa contratada e a capacidade econômica compatível com a execução do contrato.”

Losso alertou para sinais claros de terceirização ilícita. “Quando você identifica que o foco não está na atividade, mas no trabalhador — quando a empresa escolhe quem quer que execute o serviço, mesmo mudando a terceirizada — já temos fortes indícios de desvirtuamento da terceirização.”

O procurador afirmou que o Ministério Público do Trabalho tem buscado atuar por meio de investigações estruturais, articulação com sindicatos e ações coletivas que enfrentem práticas reiteradas de terceirização irregular.

Fraudes, acesso à Justiça e desafios estruturais

A segunda mesa, intitulada “Fraudes e acesso à justiça”, contou com a participação do procurador Fabrício Gonçalves de Oliveira (MPT-PR/CONAFRET), que alertou para o impacto direto da terceirização sobre saúde e segurança. “Muitas dessas empresas terceirizadas vendem o almoço para pagar o jantar. E isso impacta diretamente em saúde e segurança: terceirizadas com uniforme rasgado, como ouvimos relatos aqui, sem investimento no básico.”

Para Oliveira, a terceirização tem sido usada para diluir responsabilidades. “Quando acontece um acidente com um trabalhador terceirizado, muitas vezes a tomadora é the primeira a dizer ‘é terceirizado’, como se isso afastasse a responsabilidade. Não afasta. Tem, sim, responsabilidade.”

Ele explicou que o Ministério Público do Trabalho atua no aspecto civil, buscando reparações e obrigações para evitar que a irregularidade se repita. “A denúncia é um instrumento importante nesse processo”, reforçou. As denúncias podem ser feitas no site do MPT-PR.

Na segunda mesa, com a palavra, a desembargadora do TRT-PR, Thereza Cristina Gosdal, acompanhada de Fabrício Gonçalves de Oliveira, procurador do MPT-PR e representante da CONAFRET. Foto: Sindipetro

Na mesma mesa, a desembargadora do TRT-PR, Thereza Cristina Gosdal, discutiu as dificuldades crescentes enfrentadas pelos trabalhadores terceirizados para acessar a Justiça do Trabalho.

Ela alertou para o impacto das decisões recentes do STF. “Hoje está tudo suspenso, todos os casos que envolvem terceirização. Estamos aguardando o Supremo definir o alcance dessas decisões. Não sei qual expectativa podemos ter; pode ficar muito pior do que já está.”

O advogado Sidnei Machado reforçou que esse bloqueio institucional tem efeitos diretos na vida dos trabalhadores terceirizados. “Discutir acesso à Justiça é discutir se haverá, de fato, instrumentos para reagir às fraudes e aos calotes que se multiplicam. Sem isso, a terceirização vira mecanismo de erosão completa da responsabilidade.”

Durante as mesas, os participantes puderam interagir fazendo denúncias e tirando dúvidas diretamente com os especialistas.

O papel do sindicato e a necessidade de reorganização coletiva

Fechando o encontro, Sidnei Machado reforçou que o enfrentamento da precarização exige incidência jurídica consistente, fortalecimento da organização sindical e articulação entre instituições públicas. “Não há saída isolada. Precisamos de respostas estruturais, pensadas a partir da articulação entre MPT, Justiça do Trabalho, Ministério do Trabalho e sindicatos”, apontou.

Para Machado, que também atua como professor e pesquisador da Universidade Federal do Paraná, enfrentar a precarização demanda também produção contínua de conhecimento. Ele defendeu a criação de um diagnóstico permanente sobre a terceirização no setor, com monitoramento de contratos, identificação de empresas reincidentes em fraudes e levantamento de dados sobre acidentes, calotes e irregularidades. “Sem dados sólidos, o trabalhador vira estatística invisível”, disse.

Sidnei Machado é professor da UFPR e atua como assessor do Sindipetro. Foto: Sindipetro

Com dezenas de participantes de Curitiba, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o I Encontro Jurídico dos Petroleiros consolidou um espaço de diálogo entre academia, instituições e movimento sindical. Entre os principais consensos estiveram:

  • a necessidade de reconstrução de mecanismos de proteção social;
  • o fortalecimento da atuação sindical em ambientes altamente terceirizados;
  • a ampliação da fiscalização e da ação institucional contra fraudes;
  • e a importância de produzir informação qualificada para apoiar trabalhadores e trabalhadoras.

A iniciativa marcou o início de uma agenda permanente de debates jurídicos promovida pelo Sindipetro PR e SC em parceria com o escritório Sidnei Machado Advogados Associados.