A polêmica do adicional de insalubridade
* Sidnei Machado
A Súmula Vinculante n. 4 do STF, ao proibir a vinculação do salário mínimo à base de cálculo do adicional e, por outro lado, a atual posição do TST de manter a vinculação até regulamentação legal da matéria, em cumprimento à liminar do SFT, criou um “vácuo legal” sem precedentes no direito do trabalho.
Mas não há a menor dúvida de que o TST não tem competência para fazer a modulação dos efeitos da súmula vinculante, como tentou, ao alterar a Súmula 228.
A Lei Federal n. 9868/99, em seu artigo 27, confere apenas ao STF, por maioria de 2/3 de seus membros, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, a restrição (modulação) dos efeitos daquela declaração (inconstitucionalidade de efeitos para o futuro).
A possibilidade é prevista legalmente apenas no âmbito do controle abstrato de normas (ADIN, ADC e ADPF). Mas o STF já decidiu, por analogia, que é possível, em casos excepcionais, alterar a data da produção dos efeitos da decisão que declara inconstitucional uma norma também no controle difuso.
Mesmo com a lei federal que permite a modulação, há muitos autores que entendem ser ela inconstitucional, por ser atribuição do legislativo. Por isso, não se pode referendar o grave deslize do TST que claramente tentou legislar a matéria, devido ao precedente que abriu.
Além de inconstitucional, contrária à Súmula n. 4, a fixação do limite temporal e o critério do adicional não permitem uma discussão democrática mais ampla, para buscar uma solução em conformidade com os direitos sociais fundamentais. Por exempl defendo, modestamente, que o direito ao adicional de insalubridade deve sempre ser ponderado com a garantia do direito ao meio ambiente de trabalho, bem de maior valor e peso, que deve ter prevalência, etc…
O adicional de insalubridade foi instituído por Decreto de 1933 e tinha como argumento (o que é hoje de espantar) a justificativa de que o trabalhador com uma remuneração adicional poderia melhor alimentar-se e, assim, melhor resistiria às doenças profissionais e do trabalho. Depois virou a grande estratégia para expor o trabalhador a risco, sem resistência.
É verdade que a CF/88 confere ao adicional de insalubridade o status de “direito social”, mas penso que há muito espaço para o debate moral e político dos fundamentos e contradições desse “direito”. Disso, pode extrair a conclusão de que, na atual configuração constitucional, resta dar interpretação que confira o maior valor possível ao adicional para desestimular a exposição ao ambiente nocivo, onde não seja passível de eliminação da nocividade. Temos que ter presente essa preocupação para não ficarmos presos à discussão meramente patrimonialista do direito, dado o conteúdo moral da proteção constitucional. Como disse Habermas, o direito positivo não basta quando se está diante de questões que requerem uma justificação ética.
Estou convencido de que a solução possível é a aprovação de lei para dar nova redação ao art. 192 CLT, que redefina a aplicação do adicional (em harmonia com as garantias constitucionais do meio ambiente de trabalho) e fixe a base de cálculo pelo salário básico ou pela remuneração. Diante do impasse, isso deveria pode ser objeto de uma Medida Provisória.
* Advogado. Doutor em Direito do Trabalho.