FGTS e aposentadoria: inconstitucionalidade não retroage a situações pretéritas
Os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade do artigo 453, parágrafo 2º., da CLT e entendeu que a aposentadoria espontânea não extingue o contrato de trabalho não dá origem a direito àqueles que não buscaram a Justiça dentro do prazo prescricional para assegurar o pagamento da multa de 40% pela extinção do contrato de trabalho pela aposentadoria. Com este fundamento, o TST rejeitou recurso de uma ex-empregada da Brasil Telecom S.A. que, 20 anos após sua demissão, pretendia receber a multa.
Em reclamação trabalhista ajuizada em 2007, a Justiça do Trabalho da 9ª Região aplicou a prescrição total, sob o entendimento de que a decisão do STF não interrompeu ou suspendeu a prescrição do direito de ação, que continuava a ter como marco inicial a data da rescisão do contrato.
A trabalhadora recorreu então ao TST alegando que o direito à multa dos 40% só foi reconhecido com a publicação do resultado da ADIN nº 1.721-3 do STF, em junho daquele ano, e que esta seria, portanto, a data a ser considerada para início da contagem do prazo prescricional para reclamar as diferenças daí decorrentes.
O relator, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, observou que a ação declaratória da inconstitucionalidade torna nula a lei de origem, mas não pode legitimar situações concretas que se consolidaram no tempo de vigência da lei. “A existência de coisa julgada ou de prescrição em razão de atos que se aperfeiçoaram no período de vigência da lei nula não torna viável restabelecer pretensões que já se encontram consumadas, seja pelo tempo, seja pelo ato jurídico perfeito”, afirmou em seu voto, lembrando a conduta de um grande número de trabalhadores que ajuizaram ação trabalhista a fim de receber a multa, questionando a tese de que a aposentadoria extinguia o contrato de trabalho.
“O ordenamento jurídico traz elementos necessários para que a parte adote medidas para fazer valer o seu direito”, assinalou. “A inércia pelo tempo traz como conseqüência a prescrição, que evidencia atos e condutas com o fim de assegurar a defesa das partes em juízo no prazo que a Constituição Federal indica”.
O ministro explicou que a multa deveria ter sido buscada no prazo de dois anos da extinção do contrato, e não 20 anos depois, com base no julgamento de ação que declarou a inconstitucionalidade de uma norma legal que sequer existia na época da extinção do contrato de trabalho da empregada (a ADIN julgou inconstitucional apenas os parágrafos 1º e 2º do artigo 453 da CLT, que foram acrescentados em 1997 pela Lei nº 9.528). “Pelo princípio da actio nata, a autora já tinha o direito de ação desde o momento da despedida, não sendo a decisão judicial em ação direta de inconstitucionalidade o momento em que surgiu esse direito”, afirmou.
E destacou ainda que a possibilidade defendida pela trabalhadora atentaria contra o direito de defesa do empregador, pois ele dependeria de documentos que a legislação apenas o obriga a manter pelo tempo da prescrição (TST-RR 7961/2007-663-09-00.2). Segue a íntegra da decisão :
Acórdão Inteiro Teor
NÚMERO ÚNICO PROC: RR – 7961/2007-663-09-00
PUBLICAÇÃO: DJ – 14/11/2008
A C Ó R D Ã O- 6ª Turma
RECURSO DE REVISTA. FGTS. MULTA DE 40%. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. ADOÇÃO DA DECISÃO DO E. STF COMO ACTIO NATA . ADI 1721. I N CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. EFE I TOS EX TUNC . Os efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade de lei é erga omnes e ex tunc , alca n çando a todos. Todavia, não há como se aplicar o princípio da actio nata com o fim de ver nascer direito que já se encontra sepultado pela pre s crição. A actio nata remete à lesão do direito,conforme art. 189 do C ó digo civil, e não há dúvida que a l e são se deu no momento em que houve a dispensa do autor e não pela decisão do E. STF que reconheceu a inconst i tucionalidade do ato normativo. Diante do princípio da segurança juríd i ca, e fundado nos demais princípios relativos à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito, não é possível considerar a decisão em ADIN como o momento da lesão do direito, eis que a inércia do seu titular fez incidir a prescrição sobre a pretensão deduzida em juízo, sob pena de ser ver premiada a inércia daqueles que não buscaram desconstituir a dispensa por aposentadoria no prazo constitucional de dois anos, contados da data da l e são. Em respeito ao que dispõe o art. 7º, XXIX, da Constituição Federal, deve ser mantida a v. decisão que r e conheceu a prescrição. Recurso de r e vista conhecido e desprovido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de R e curso de Revista n° TST-RR-7961/2007-663-09-00.2 , em que é Recorre n te NELSA PERES SANTANA e Recorrida BRASIL TELECOM S.A. O eg. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, mediante o v. acórdão de fls. 79/81, negou provimento ao recurso o r dinário da reclamante. Inconformada, a reclamante interpõe recurso de r e vista fls. 85/89. Pretende a modificação do v. acórdão quanto aos seguintes temas: prescrição bienal, multa de 40% em decorrência dos expurgos inflacionários, critério da actio nata, Justiça gratu i ta . Aponta violação do art. 7º, inciso XXIX, da CF/88 e contrari e dade à OJ nº 344 da SBDI-1 do TST. Traz arestos a confronto de t e ses. O recurso de revista foi admitido, às fls. 96/97, por divergência jurisprudencial quanto à prescrição bienal, critério da actio nata. Contra-razões às fls. 92/95. A douta Procuradoria-Geral do Ministério Público do Trabalho não opinou. É o relatório.
V O T O
I – PRESCRIÇÃO BIENAL. CRITÉRIO DA ACTIO NATA.
CONHECIMENTO
O egrégio Tribunal Regional do Trabalho, mediante o acórdão de fls. 79/81, assim consignou seu entend i mento, verbis : As decisões proferidas pelo E. STF que declararam a inconstituci o nalidade dos dispositivos legais mencionados pela Autora, que, inclusive, levaram o TST a cancelar a OJ 177 que antes tratava da matéria em sentido diverso, não constituiu hipótese de interrupção ou suspensão da prescrição do direito de ação, mantendo-se a rescisão contratual como marco inicial para o ajuizamento da reclamatória referente aos direitos trabalhistas dele decorrentes. A matéria já foi analisada por esta Turma, consoante elucida a ementa a seguir transcrita, que aqui passa a integrar a fundamentação : (…) Outrossim, a prescrição trintenária inerente ao FGTS não socorre a Autora, na medida em que, para a propositura da respectiva ação, deve ser observada a prescrição bienal (Súmula 362 do TST). Por fim, inaplicável ao caso o entendimento consolidado pela OJ 344 da SDI-l/TST, porquanto a matéria lá tratada é específica e é complet a mente diversa da que ora se discute nos autos. Destarte, operada a rescisão contratual em 1987, e sendo a presente ação ajuizada somente em 2007, incidente a prescrição bienal. (fls. 79/81).
Nas razões do recurso de revista, fls. 84/93, al e ga a reclamante que o seu direito de ação somente foi reconhecido com a publicação da Adin 1721-3 do STF, sendo esta a data que deve ser considerada como marco nicial, actio nata , da prescrição para reclamar diferenças de acréscimos de FGTS e não a partir da vigência da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, não sendo apl i cável a prescrição total ao caso concreto. Aponta violação do art. 7º, inciso XXIX, da CF/88 e contrariedade à OJ nº 344 da SBDI-1 do TST. Traz um aresto a confronto de teses. O único aresto colacionado traz conflito jurispr u dencial específico à matéria apreciada. Enquanto a eg. Corte a quo entende que não se adota a decisão do E. STF como actio nata para contagem do prazo prescricional, com o fim de recebimento da multa de 40% do FGTS, em razão da aposentadoria voluntária, a decisão p a radigma entende que a pretensão do autor para cobrar a referida pa r cela nasceu da decisão do E. STF de que a aposentadoria espontânea não extingue o contrato de trabalho. Conheço, por divergência jurisprudencial.
MÉRITO
Discute-se se é possível adoção da decisão do E. STF na ADI 1721 como actio nata , em face de se tratar de decisão j u dicial que reconheceu que a aposentadoria espontânea não extingue o contrato de trabalho, para fins de pretensão do recebimento da multa de 40% do FGTS. Esta Corte Superior há muito possuía entendimento pacífico no sentido de que a aposentadoria espontânea extinguia o contrato de trabalho, tendo por fundamento principal o comando ins e rido no caput do artigo 453 da CLT. Tal entendimento estava crist a lizado na Orientação Jurisprudencial nº 177 da SDI-1, que dispunha, ve r bis : APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. EFEITOS. Inserida em 08.11.2000. A aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a co n cessão do benefício previdenciário. Assim sendo, indevida a multa de 40% do FGTS em relação ao período anterior à aposentadoria. No entanto, a referida orientação jurisprudencial foi cancelada na Sessão do Tribunal Pleno realizada no dia 25.10.2006, tendo em vista os julgamentos da Adin nº 1721-3 e da Adin nº 1770-4, que declararam a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do artigo 453 da CLT. Com efeito, estabelecem os §§ 1º e 2º do artigo 453 da CLT o seguinte: Art. 453 – No tempo de serviço do empregado, quando readmitido, serão computados os períodos, ainda que não contínuos, em que tiver tr a balhado anteriormente na empresa, salvo se houver sido despedido por falta grave, recebido indenização legal ou se aposentado espontaneamente. (Redação dada pela Lei nº 6.204, de 29.4.1975). § 1º Na aposentadoria espontânea de empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista é permitida sua readmissão desde que atendidos aos requisitos constantes do art. 37, inciso XVI, da Constituição, e condicionada à prestação de concurso público. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997) Vide ADIN 1770-4, de 2006. § 2º O ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa em extinção do vínculo empregatício. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997), O excelso Supremo Tribunal Federal, ao examinar a constitucionalidade do § 2º do referido preceito legal, entendeu que a previsão de rompimento do contrato de trabalho pela aposentadoria espontânea não se afinava com diversos preceitos constitucionais que protegem a continuidade das relações empregatícias, tais como o a r tigo 7º, inciso I, que estabelece o seguinte: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização co m pensatória, dentre outros direitos; Cabe, portanto, discutir se os efeitos vinculantes dessa decisão pode trazer como consequência o nascedouro de direito daqueles que não buscaram os meios judiciais com o fim de assegurar o pagamento da multa de 40% pela extinção do contrato de trabalho ela aposentadoria.A natureza da decisão que reconhece a inconstitucionalidade de lei é declaratória, ipso jures , sendo seus efeitos, em regra, ex tunc , apenas afastados tais efeitos na hipótese expre s samente contida no art.19 da Lei 9868/99, e que não é o caso em exame.O efeito ex tunc , no dizer de Olavo Alves Ferre i ra, ” é o efeito próprio das decisões declaratórias, que reconhecem atos nulos. Segundo Dinarmarco, Como afirmação que é, toda declaração tem sempre por objeto fatos passados ou direitos e obr i gações também preexistentes a ela (supra nn, 5 e 889), sendo natural que a eficácia das sentenças declaratórias se reporte a situação existente no momento em que o fato ocorreu ou seu efeito jurídico-material se produziu. Elas têm eficácia ex tunc, colhendo as real i dade desse passado e assim prevalecendo quanto aos atos e fatos ocorridos depois.
A ação declaratória de inconstitucionalidade torna nula a lei na origem,mas não tem o condão de legitimar situações concretas que se consolidaramno tempo em que a lei vigiu. A existência de coisa julgada ou de prescrição em razão de atos que se aperfeiçoaram no período da vigência da lei nula, não torna viável repristinar pretensões que já se encontram consumadas, seja pelo tempo, seja pelo ato jurídico perfeito. Essa ilação se faz inclusive pela conduta de e m pregados que ajuizaram ação trabalhista com o fim de recebimento da multa de 40% do FGTS, insurgindo-se contra a adoção da tese de que a aposentadoria extinguia o contrato de trabalho. Aperfeiçoada a relação jurídica na vigência da lei considerada constitucional, é de se fazer valer o princípio da seg u rança jurídica, reconhecendo as situações que se aperfeiçoaram na constância da lei, ainda que nula, quando inerte a parte em buscar a pretensão da lesão sobre a qual se funda sua ação, já que o contrato de trabalho, neste caso, encerrou no ano de 1987 e vem a juízo no ano de 2007 deduzir sua pretensão.
O ordenamento jurídico traz elementos necessários para que a parte adote as medidas necessárias para fazer valer o seu direito. A inércia pelo tempo traz como consequência a prescrição, que evidencia atos e condutas com o fim de assegurar a defesa das partes em juízo, naquele prazo que a Constituição Federal indica como passível de se proceder ao acesso à justiça.
Esse acesso, não utilizado no tempo, torna pre s crita a pretensão, inviabilizando o ajuizamento de ação com o fim de recebimento das diferenças de multa de 40% do FGTS. A multa deveria ter sido buscada no prazo de dois anos do ajuizamento da ação, e não apenas 20 anos após, baseado no julgamento de ação que declarou a inconstitucionalidade de norma legal que, inclusive, sequer respaldam a pretensão, já que o art. 453 da CLT não foi considerado i n constitucional, mas apenas os §§ 1º e 2º da norma, que sequer exi s tiam à época da extinção do contrato de trabalho do autor.
A decisão de inconstitucionalidade de lei realme n te alcança a origem, mas não pode trazer novamente pretensões já a l cançadas pela prescrição, não só em face do princípio da segurança jurídica, mas também em razão do respeito a princípio constitucional fundamental, relativo ao direito de defesa, na medida em que a raz o abilidade impede que se obrigue o empregador a vir se resguardar de documentos, e deles depender, que a norma legal o obriga a manter apenas pelo tempo da prescrição, já consumada no caso concreto.
Nesse sentido Hugo Brito Machado, remetendo a questão tributária, mas cujo pensamento plenamente se aplica no caso em exame: Há quem sustente que os efeitos da declaração de inconstitucional idade alcançam o passado. Operam-se desde a data em que entrou em vigor a lei declarada inconstitucional. Não nos parece que seja assim. A produção de efeitos gerais para o passado abalaria de forma intolerável a segurança jurídica. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, em tese, proje tam-se apenas para o futuro, salvo, é claro, situações específicas, nas quais o próprio Supremo Tribunal Federal poderá determinar que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade se operem desde o início da vigência da lei a que se refira. Em princípio, quem pretender o desfazimento de atos praticados com fundamentos na lei declarada inconstitucional deverá util i zar a via propriamente jurisdicional, promovendo a ação cabível para esse fim (in Curso de Direito Tributário).
A prescrição nasce da lesão do direito e é conce i tuada, segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, como a causa extintiva da pretensão de direito material pelo seu não exe r cício no prazo estipulado pela lei . Pelo princípio da actio nata o autor já tinha o direito de ação desde o momento da despedida, nos termos do art. 189 do Código Civil, não sendo decisão judicial em ação direta de i n constitucionalidade o momento em que surgiu o respectivo direito, nos termos do art. 189 do Código Civil.
Assim sendo, não há como se aplicar o princípio da actio nata com o fim de ver nascer direito, eis que sendo a lei i n constitucional, qualquer juiz poderia deixar de aplicá-la, incumbi n do à parte deduzir sua pretensão no prazo que a lei garante. No presente caso, o direito já está prescrito e não há como fazer renascer, não só em face do princípio da segurança jurídica, como também por não ser cabível premiar a inércia daqueles que não buscaram desconstituir a dispensa por aposentadoria no prazo constitucional de dois anos, contados da data da lesão, como dete r minam os artigos 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal e 11 da CLT. Nego provimento ao recurso.
II JUSTIÇA GRATUITA
RAZÕES DE NÃO-CONHECIMENTO
Indevido o pedido a respeito da justiça gratuita em razão da ausência de interesse de agir. Não conheço.
ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revi s ta por divergência jurisprudencial e, no mérito, negar-lhe provime n to. Por unanimidade, indeferir o pedido de justiça gratuita, por a u sência de interesse de agir.
Brasília, 29 de outubro de 2008.
ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA
Ministro Relator