Trabalho decente no Brasil
A experiência brasileira mostra que crescimento econômico é necessário, mas não suficiente, para melhorar o desenvolvimento humano, afirma um relatório da ONU, CEPAL e OIT. Só o acesso a trabalho decente pode fazer a expansão do PIB traduzir-se em melhoria do bem-estar social, conclui o estudo.
“A ênfase na geração de postos de trabalho pode contribuir de modo significativo para elevar o nível de desenvolvimento humano, sobretudo quando essa geração está associada às outras dimensões do trabalho decente: ausência do trabalho infantil ou forçado; nível adequado de remuneração, formalidade e acesso à proteção social; respeito aos direitos no trabalho, inclusive os relativos à livre organização sindical e à possibilidade de negociar coletivamente o contrato e as condições de trabalho; oportunidades iguais de acesso ao emprego e às ocupações de mais qualidade e mais bem remuneradas, independentemente do sexo, da cor, etnia ou outros atributos”, diz o relatório, intitulado Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente – A experiência brasileira recente.
A publicação inova ao analisar a relação entre indicadores dessas três áreas, e também de crescimento econômico, para um único país — em geral, a literatura acerca do assunto debruça-se sobre grupos de países. O terceiro capítulo faz cruzamentos entre indicadores como PIB, nível de ocupação (proporção de pessoas que estão em idade de trabalhar e de fato trabalham), componentes do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), horas trabalhadas, contribuição à Previdência, trabalho infantil e taxa de ocupação feminina.
Os cálculos, feitos com base em dados das unidades da Federação referentes 1993, 1997, 2001 e 2005, indicam, por exemplo, grande probabilidade (99%) de haver relação positiva entre bons indicadores de educação e dois outros fatores: nível de emprego e nível de ocupação das mulheres. O indicador de educação utilizado foi o IDH Educação, um componente do IDH que leva em conta a proporção de pessoas de 15 ou mais alfabetizadas e a taxa bruta de freqüência à escola. Além disso, é grande a probabilidade de haver relação negativa entre o IDH Educação e o excesso de horas trabalhadas.
“Níveis mais elevados de emprego dão a segurança (e possivelmente os recursos) necessários para que uma família possa proporcionar melhor educação a seus filhos. Ao mesmo tempo, é provável que uma população mais educada consiga melhores colocações”, afirma o estudo.
Existe também probabilidade (95%) de haver relação positiva entre nível de emprego e expectativa de vida (que também faz parte do IDH) e relação negativa entre expectativa de vida de excesso de horas trabalhadas. “Níveis de ocupação mais elevados põem um número maior de pessoas na posição de poder gastar mais com o tratamento de enfermidades ou simplesmente levar uma vida mais saudável. Também podem dar mais proteção aos recém-nascidos. Por outro lado, é óbvio que uma pessoa adulta, com mais saúde, tem mais facilidade de trabalhar e de encontrar uma colocação no mercado de trabalho”, diz o relatório.
Trabalho infantil
Um número que tem apresentado avanços expressivos no Brasil é o de redução do trabalho infantil. De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2006, o Brasil tinha 37,9 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 15 anos. Destes, 2,4 milhões exerciam algum tipo de trabalho na semana de referência da pesquisa. Em 1992, o problema atingia o dobro de pessoas nessa faixa etária – 5 milhões.
“A incidência do trabalho infantil diminuiu de 13,6% para 6,2% entre 1992 e 2006. Desagregado em duas faixas etárias, o indicador mostra que, no mesmo período, a redução foi de 3,7% para 1,3% entre crianças de 5 a 9 anos, e de 21,9% para 10,0% entre os 10 a 15 anos”, afirma o relatório, que defende a tese, com base em um estudo da OIT baseado na própria PNAD, de que trabalho infantil gera renda menor na idade adulta.
“A pesquisa indica que pessoas que começaram a trabalhar antes dos 14 anos têm uma probabilidade muito baixa de obter rendimentos superiores aos R$ 1.000 ao longo da vida. A maioria daquelas que entraram no mercado antes dos 9 anos têm baixa probabilidade de receber rendimentos superiores a R$ 500”, diz o texto. “Em média, quem começou a trabalhar entre 15 e 17 anos não chega aos 30 anos com uma renda muito diferente de quem ingressou com 18 ou 19 anos. Mas, à medida que a pessoa envelhece, há maior probabilidade de que, se começou a trabalhar entre os 18 e 19 anos, consiga melhor renda do que quem começou a trabalhar entre os 15 e 17 anos”, acrescenta.