Ganha força a idéia, defendida por alguns setores do governo Lula, de que é preciso substituir o fator previdenciário pelo limite de idade para requerer a aposentadoria. Essa medida seria encaminhada para votação do Congresso em um eventual segundo mandato de Lula, quando forem discutidas as grandes reformas a serem realizadas nos próximos quatro anos. Outros setores do governo e do PT defendem simplesmente o fim do fator previdenciário. Essa posição, que é apoiada pela CUT e pelas demais centrais sindicais, está expressa no projeto de lei de autoria do senador Paulo Paim (RS), que tramita no Congresso.
O fator previdenciário não é uma questão pacífica nos tribunais. Na semana passada, por exemplo, a juíza federal Fabiola Queiroz condenou o INSS a revisar a renda mensal da aposentada Matilde Petri, de Sorocaba. A juíza determinou que o INSS exclua a incidência do fator previdenciário no cálculo da aposentadoria. Com isso, o benefício de Matilde Petri terá um reajuste de 81,08%. Pela decisão da juíza, o INSS terá também que pagar os valores atrasados. O INSS deve recorrer desta decisão, que é de primeira instância.
O fator previdenciário foi instituído pela lei 9.876 de 1999, depois que o governo Fernando Henrique Cardoso não conseguiu que o Congresso aprovasse o limite de idade para o trabalhador requerer a aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS). O objetivo do governo FHC era equilibrar as contas da Previdência, com a redução dos gastos com as aposentadorias por tempo de contribuição.
Por isso, a lei 9.876 estabeleceu que o valor da aposentadoria dependeria da idade do trabalhador, do tempo de contribuição e da expectativa de sobrevida. A sobrevida é o tempo de vida que os brasileiros ainda terão, de acordo com estimativa do IBGE, depois de uma determinada idade. Essas três variáveis (tempo de contribuição, idade e sobrevida) foram ponderadas por meio de uma fórmula matemática e resultaram no chamado “fator previdenciário”. Sempre que o fator for menor do que um, haverá desconto no valor da aposentadoria.
O resultado do fator, na prática, foi o mesmo do limite de idade. Ou seja, nenhum trabalhador consegue mais se aposentar, com o valor integral do benefício, antes dos 60 anos de idade. No caso das mulheres, por ironia da história, o limite de idade para requerer aposentadoria com o valor integral está em 59 anos, acima, portanto, do limite de 55 anos de idade, que o governo FHC tentou instituir por meio da emenda constitucional número 20, de 1998.
O marco das discussões dentro do governo sobre o fator previdenciário é o estudo dos pesquisadores Guilherme Delgado, Ana Carolina Querino, Leonardo Rangel e Matheus Stivali, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), elaborado em fevereiro deste ano. O trabalho foi feito a pedido do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), por sugestão do representante da CUT naquele órgão. O objetivo do estudo foi avaliar os resultados da aplicação do fator previdenciário, desde a sua implantação até o final de 2004.
Os pesquisadores do Ipea concluíram que o fator previdenciário alcançou os objetivos definidos pelo governo FHC. Ou seja, ajudou a equilibrar as finanças da Previdência. A análise feita pelos técnicos do Ipea revelou que, no período de 1999 a 2004, houve uma forte reversão do fluxo anual de concessão das aposentadorias por tempo de contribuição, que caíram da média anual de 339,8 mil para 136,2 mil.
Houve também, no período analisado, uma elevação significativa na média de idade dos aposentados. A média de idade para os homens subiu de 54,3 anos, registrada no período de 1995 a 1998, para 56,9 anos. No caso das mulheres, a média subiu de 49,7 anos para 52,2 anos.
O estoque de benefícios por tempo de contribuição, por sua vez, registrou forte desaceleração. A taxa de expansão desses benefícios foi de 11,2% ao ano entre 1991 e 1998 e passou para apenas 2,2% no período de 1999 a 2004. Em resum o fator previdenciário retardou aposentadorias e reduziu as despesas previdenciárias, concluíram os pesquisadores.
Outra conclusão importante: se a regra do fator previdenciário for mantida, dentro de algum tempo os trabalhadores, tanto homens como mulheres, somente conseguirão obter o valor integral da aposentadoria após os 65 anos de idade. Ou seja, o fator levará, em breve, a um limite de idade bastante superior ao inicialmente proposto pelo governo FHC e também superior aos limites definidos para o funcionalismo público, pelo governo Lula em 2003, que é de 60 anos para homens e 55 anos para as mulheres. Em conversa com este colunista, Guilherme Delgado estimou que o limite de 65 anos será obtido em cerca de 10 anos.
O estudo levanta outra questão que até agora não tinha sido devidamente considerada nessas discussões. Com o fator previdenciário, o segurado do RGPS passou a viver com um elevado grau de incerteza em relação ao momento de requerer sua aposentadoria. A fórmula matemática do fator não permite ao segurado conhecer com antecipação sua situação porque ela vai depender da expectativa de sobrevida anualmente calculada pelo IBGE e decenalmente revisada por reestimativa com base no censo demográfico.
Os autores do estudo lembram que essa estimativa pode ser objeto de reestimativa por mudança metodológica, melhoria de estimadores ou outros quaisquer avanços na tecnologia estatístico-demográfica do IBGE. A maior variação na expectativa de sobrevida ocorreu entre as tábuas do IBGE de 2001 e 2002, divulgadas em dezembro de 2002 e de 2003, respectivamente. As expectativas de sobrevida variaram entre 2,4 e 2,7 anos de um ano para o outro, o que acarretou diminuição elevada do fator previdenciário em curto período. “Novas mudanças bruscas nas tábuas de mortalidade não devem ser descartadas”, advertem os pesquisadores.
Se o presidente Lula, num eventual segundo mandato, decidir trocar o fator previdenciário pelo limite de idade para requerer aposentadoria, Guilherme Delgado observa que não será necessário passar pelo desgaste político de ter que aprovar uma proposta de emenda constitucional. Bastará, segundo explicou, mudar a fórmula do cálculo do fator previdenciário, que é definida por uma simples lei ordinária. O fator poderá ser ajustado para que os trabalhadores recebam o valor integral dos benefícios aos 60 anos de idade.