Grupo empresarial é condenado por humilhar vendedor
O Grupo Pão de Açúcar foi condenado a pagar indenização de R$ 6 mil por danos morais a um ex-empregado obrigado pelo gerente a dançar em frente aos colegas quando não atingia as metas de venda. O vendedor trabalhava no hipermercado Extra. A decisão é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Cabe recurso.
O vendedor entrou com ação na 1ª Vara do Trabalho de Diadema (São Paulo), pedindo, além das verbas decorrentes da rescisão, indenização por danos morais. Segundo os autos, o vendedor era obrigado a dançar a música tema da novela “Escrava Isaura” sobre uma mesa colocada no centro da loja, na presença dos outros funcionários.
Uma testemunha ouvida no processo confirmou que o vendedor “não levava a dança na brincadeira” e que “ele ficava injuriado”. A primeira instância acolheu o pedido e condenou o Grupo a indenizar o vendedor.
O Pão de Açúcar recorreu ao TRT paulista com o argumento de que não teria dado causa ao dano moral e que o vendedor, ao não reclamar imediatamente da prática do gerente, teria concedido “perdão tácito” à empresa.
A juíza Mércia Tomazinho, relatora do recurso no tribunal, afirmou que “entre os direitos inatos do indivíduo, e oponíveis ‘erga omnes’, estão o direito à imagem, à boa fama, à intimidade e o direito à honra”. Para a relatora, ao punir o ex-empregado, expondo-o ao ridículo na presença dos funcionários, o Grupo Pão de Açúcar “perpetra atentado contra a honra do empregado”.
Segundo a juíza, não existiu “perdão tácito” pelo fato de o vendedor não ter reclamando das brincadeiras ao superior hierárquico. A decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo foi unânime.
Leia a íntegra da decisão
PROCESSO TRT Nº 02738.2002.261.02.00-7
RECURSO ORDINÁRIO DA 1ª VT DE DIADEMA
RECORRENTES: 1- ANTÔNIO DE OLIVEIRA VALLIN NETO;
2- COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO
RECORRIDAS: AS MESMAS PARTES
EMENTA
DANOS MORAIS. VENDEDOR. DANÇA DA MÚSICA TEMA DA NOVELA ESCRAVA ISAURA PELO NÃO CUMPRIMENTO DAS METAS DE VENDA. VIOLAÇÃO DOS BENS PROTEGIDOS PELO ARTIGO 5º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Perpetra atentado contra a honra do empregado o empregador que o faz dançar a música tema da novela Escrava Isaura, em cima de uma mesa colocada no centro da loja, na presença dos demais funcionários, caso não atingidas as metas de venda, pois tal conduta expõe o indivíduo ao ridículo, atingindo-lhe o amor-próprio e a boa reputação. Violação dos bens protegidos pelo artigo 5º, X, da Constituição Federal. Indenização por dano moral que se mantém, pois fixada em valor pleiteado pelo próprio empregado (R$6.000,00).
A r. sentença de fls. 119/122, cujo relatório adoto, julgou a reclamação trabalhista procedente em parte. Recorrem reclamante e reclamada, consoante as razões de fls. 130/133 e 134/142.
O reclamante alega que a prova testemunhal corroborou o quanto deduzido na preambular acerca do trabalho extraordinário e, em função disso, pretende seja reformada a decisão de origem por esta Corte revisora.
Já a reclamada aduz que não houve o propalado dano moral; que houve respeito ao intervalo intrajornada; e que devida a compensação.
Subscritores legitimados às fls. 13 e 143.
Preparo efetuado às fls. 144 e 145.
Contra-razões às fls. 148/153 e 163/166.
É o relatório.
V O T O
1. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Conheço dos recursos porque presentes os requisitos de admissibilidade.
2. MÉRITO
RECURSO DO RECLAMANTE
– Das horas extras
Entendendo que os dias efetivamente laborados e os horários de entrada e saída se encontram corretamente assinaladas nos controles de ponto jungidos aos autos, e diante da réplica apresentada pelo autor, que não apontou nenhuma diferença a título de horas extras, o D. Juízo de origem julgou improcedente o pleito relativo ao trabalho em sobrejornada.
Contra tal decisão se insurge o autor, aduzindo que as assertivas lançadas na exordial foram corroboradas pela prova testemunhal, de modo que a sentença deve ser reformada, a fim de que a reclamada seja condenada no pagamento de horas extras.
O inconformismo não prospera, entretanto, já que o depoimento do autor dá validade aos controles de ponto que acompanharam a defesa (“… mostrados os cartões de ponto com várias anotações de saída às 20h, o reclamante esclareceu que procurava marcar corretamente o horário de saída …” – fls. 115), os holerites jungidos aos autos consignam o pagamento de horas extras (confira, p. ex., dezembro/99, doc. 47, fls. 88), mas o demandante, a despeito da determinação judicial de fls. 44, não apontou eventuais diferenças a seu favor.
Mantenho.
RECURSO DA RECLAMADA
– Do dano moral
Entre os direitos inatos do indivíduo, e oponíveis erga omnes, estão o direito à imagem, à boa fama, à intimidade e o direito à honra. Esta última pode ser definida como um sentimento de dignidade compartilhado pela própria pessoa e pelo grupo social a que ela pertença ou que de algum modo com ela tenha contato. No primeiro caso, diz-se honra subjetiva, que se traduz por auto-estima; no segundo, honra objetiva, que nada mais é do que boa reputação.
A atual Carta Política do Brasil, no inciso X do artigo 5º, ampara, de uma forma geral, a efetividade do direito à honra, prescrevendo, em correspondência, o direito à indenização como remédio à sua lesão (são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação). E, particularmente, no inciso VI do artigo 114, protege o empregado de lesão à sua honra praticada pelo empregador, ao atribuir à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho.
O Juízo “a quo” reconheceu a ocorrência do dano moral e condenou a ré no pagamento da indenização correspondente.
Contra tal decisão se insurge a reclamada, asseverando que, além de não ter dado causa ao dano moral e de não se haver provado a sua ocorrência, verifica-se, na presente hipótese, o perdão tácito por parte do autor.
Sem razão a recorrente.
Perpetra atentado contra a honra do empregado o empregador que o faz dançar a música tema da novela Escrava Isaura, em cima de uma mesa colocada no centro da loja, na presença dos demais funcionários, caso não atingidas as metas de venda, pois tal conduta expõe o indivíduo ao ridículo, atingindo-lhe o amor-próprio e a boa reputação.
Na hipótese dos autos, a prova testemunhal confirma induvidosamente o constrangimento imposto ao recorrido – e, conseqüentemente, a lesão a sua imagem e honra -, na seguinte passagem: “… que o reclamante sofreu constrangimento na empresa: que tinham uma meta a ser cumprida quanto à garantia estendida que a loja fornecia (que o fabricante do produto, por exemplo, dá um ano de garantia e a loja oferece um segundo ano de garantia, e a meta de venda se referia esse segundo ano); que não havia como o vendedor atingir a meta diária e mensal; quando não atingia o gerente colocava uma mesa no centro do loja e fazia o vendedor dançar a música tema da novela Escrava Isaura; que o reclamante teve que dançar a música e por conta de sua profissão não queria se submeter a tanto; que presenciou o reclamante subindo na mesa para dançar cerca de oito vezes; que o ocorrido se dava depois que todos os funcionários chegassem, mas antes que a loja abrisse; que foi o próprio gerente, Luiz Rossec, que teve a idéia da dança sobre a mesa; que ao todo havia cerca de vinte funcionários na loja; perguntado sobre se o reclamante levava a dança na brincadeira ou se ficava extremamente injuriado, o depoente respondeu que ele ficava injuriado …” (fls. 116).
Esse também o entendimento de Alice Monteiro de Barros, para quem “Atenta, igualmente, contra a honra do trabalhador o empregador que deixa o obreiro na ociosidade, descumprindo a principal obrigação do contrato, que é proporcionar-lhe trabalho ou lhe exige, caso não atendidas as metas de venda, que participe de desfile com vestimenta feminina e uso de batom, expondo-o ao ridículo e ofendendo-lhe a dignidade pessoal” (in “Curso de Direito do Trabalho”, Ed. LTr, 1ª ed., pág. 599).
No mesmo sentido, a jurisprudência majoritária de nossos Tribunais do Trabalh
Dano moral – vendedor – desfile – vestimentas de presidiário e feminina – dignidade humana – violação – indenização – pagamento devido
Danos morais – Vendedor – Desfile com vestimenta de presidiário e feminina – Violação aos direitos da personalidade. A ordem jurídica vigente assegura, amplamente, os direitos da personalidade, contendo o Código Civil de 2002 um capítulo específico sobre o tema (arts. 11 a 21). Mesmo antes da vigência dessa nova codificação civil, o direito da personalidade já era tutelado, por meio do princípio da dignidade da pessoa humana, arrolado pela Constituição Federal dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). Nesse contexto, toda e qualquer violação a esses direitos há de ser repudiada, mormente no âmbito da relação de trabalho, onde as partes devem pautar-se pelo respeito mútuo. Assim, faz jus o laborista à indenização pelos danos morais sofridos, em razão da aquiescência da empregadora com a adoção de situações vexatórias, expondo o reclamante ao ridículo, através de desfiles com vestimenta de presidiário e feminina, perante os demais colegas de trabalho e, inclusive, visitantes, por não ter atingido as metas de vendas, em evidente infração à sua dignidade, ao seu respeito próprio e, conseqüentemente, à sua integridade psíquica e emocional. (Ac. un da 8ª T do TRT da 3ª R – RO 00835.2004.019.03.00.0 – Rel. Juiz Paulo Maurício Ribeiro Pires – j 22.09.04 – Recte.: Companhia Brasileira de Bebidas; Recdo.: Willian Miranda Rodrigues – DJ MG 02.10.04, p. 21).
Saliente-se que a tese de perdão tácito do empregado à lesão perpetrada contra a sua dignidade pessoal não pode prosperar, tanto que o autor veicula o pleito correspondente ao dano em destaque dentro do biênio que sucedeu ao término do pacto laboral.
Quanto ao valor da indenização, nada a modificar, já que fixado em montante compatível com a ofensa e com a capacidade financeira do ofensor, assim como de acordo com o postulado pelo obreiro na exordial (R$6.000,00).
Mantenho.
– Do intervalo intrajornada: reflexos
Insurge-se a reclamada contra a condenação ao pagamento de reflexos do intervalo intrajornada não usufruído, por entender que o pagamento do referido intervalo possui caráter indenizatório.
Sem razão uma vez mais a reclamada, vez que ao contrário do entendimento por ela esposado o pagamento do intervalo de refeição e descanso não usufruído possui natureza salarial e, por essa razão, são devidos os reflexos correspondentes.
Mantenho.
– Da compensação
Como jamais houve o pagamento das verbas deferidas na sentença de origem (adicional de horas extras com relação à não fruição do intervalo intrajornada, e reflexos, e indenização por dano moral) não se há de falar em compensação.
Mantenho.
Do exposto, CONHEÇO dos recursos e, no mérito, NEGO-LHES PROVIMENTO, nos termos da fundamentação, mantendo incólume a r. decisão atacada.
MÉRCIA TOMAZINHO
JUÍZA RELATORA
Fonte: Consultor Jurídico