Sindicato não pode abrir mão de direitos de trabalhador
É nula cláusula de acordo coletivo que livra a empresa de pagar horas extras até o limite de 20 minutos antes ou depois da jornada de trabalho. A decisão é da 5ª Câmara do Tribunal Regional de Campinas da 15ª Região (Campinas, São Paulo).
Para os juízes, o sindicato não pode ferir direitos mínimos do trabalhador, assegurados constitucionalmente. O relator da matéria, juiz Lorival Ferreira dos Santos, decidiu condenar a Telesp (razão social da Telefônica) a pagar horas extras a duas trabalhadoras, no valor de R$ 15 mil. Cabe recurso.
As duas trabalhadoras ajuizaram reclamação na 1ª Vara do Trabalho de Piracicaba, interior de São Paulo, contra a Telesp. Em sua defesa, a empresa alegou que existia acordo coletivo prevendo que os 20 minutos antes e depois da jornada de trabalho não poderiam ser considerados como horas extras.
A primeira instância acolheu o argumento da Telesp e as trabalhadoras recorreram ao TRT de Campinas. O juiz Lorival Ferreira dos Santos entendeu que o sindicato não tem soberania a ponto de negociar direitos assegurados constitucionalmente.
“Se a categoria profissional abrir mão do direito a horas extraordinárias, deve, certamente, receber, em troca, um benefício em compensação”, disse o juiz. Segundo o relator, existe lei estabelecendo a tolerância de 5 e não 20 minutos antes e depois da jornada.
Já que os acordos coletivos não apresentaram nenhum benefício ou vantagem como compensação pela ampliação dos minutos de tolerância da jornada de trabalho, a cláusula não foi considerada válida pelo relator do recurso. “Há que conceder às trabalhadoras como horas extras os minutos que antecederam ou sucederam a jornada”, concluiu.
Leia a íntegra do voto
PROCESSO TRT/15ª REGIÃO Nº 01120-2003-012-15-00-3
RECURSOS ORDINÁRIOS
1º RECORRENTE: SANDRA MAESTRO
2º RECORRENTE: ELIANA MARIANO TAVARES
3º RECORRENTE: TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S/A- TELESP
ORIGEM: 1ª VARA DO TRABALHO DE PIRACICABA
EMENTA: MINUTOS QUE ANTECEDEM OU SUCEDEM JORNADA. PREVISÃO COLETIVA DE TOLERÂNCIA DE 20 MINUTOS. INEXISTÊNCIA DE VANTAGEM EM COMPENSAÇÃO. NULIDADE.
Nada obstante a negociação coletiva encontre seu permissivo legal nos incisos XIV e XXVI do art. 7º da Constituição Federal, a autonomia conferida aos sindicatos tem limites na lei, especificamente no art. 58, §1º que estipulou cinco minutos como tolerância para anteceder e suceder a jornada, pois a entidade profissional não conserva soberania a ponto de vulnerar direitos mínimos, assegurados constitucionalmente, exceto se apresentar um benefício ou vantagem como compensação. Inexistindo nos acordos coletivos qualquer benefício ou vantagem para adoção de 20 minutos como limite de tolerância para anteceder ou suceder a jornada de trabalho, não se pode considerar válida a referida cláusula. Recurso ordinário provido neste aspecto.
VISTOS ETC.
Inconformadas com a r. sentença de fls. 975/980, prolatada pela Exma. Sra. Juíza Olga Regiane Pilegis, que julgou procedente em parte a presente reclamação, recorrem ordinariamente as partes.
As reclamantes, às fls. 985/1002, alegam que é devido o intervalo de dez minutos a cada noventa trabalhados, por serem digitadoras. Aduzem serem devidos os vinte minutos que antecedem e que sucedem a jornada como horas extras. Sustentam ser devida a multa do art. 477 da CLT. Pedem provimento.
A reclamada, às fls. 1006/1019, sustenta que a r. sentença merece reforma no tocante ao adicional de periculosidade e reflexos. Diz que não pode prosperar a condenação de reflexos do adicional de periculosidade na base de cálculo das horas extras. Rebela-se contra a sua condenação em honorários periciais. Pede provimento.
Comprovado o recolhimento de custas processuais e depósito recursal às fls. 1020 e 1022.
Contra-razões pela reclamada às fls. 1026/1037 e 1039/1058.
É o relatório.
V O T O
Conheço dos recursos, porque atendidos os pressupostos legais de admissibilidade.
RECURSO DAS RECLAMANTES
INTERVALO DE DEZ MINUTOS/ DIGITADORA
Alegam as recorridas que é devido o intervalo de dez minutos a cada noventa trabalhados, por serem digitadoras; afirma o equívoco da decisão ao silenciar-se sobre os efeitos da Norma Regulamentadora nº 14- Ergonomia, como instrumento regulatório específico e vinculativo ao tipo de atividade a que estavam submetidas; diz que o próprio julgador reconheceu que a maior parte do tempo de sua jornada exercia a atividade de digitação de dados, sendo que as demais atividades se relacionavam à digitação; cita jurisprudência que reconhece o trabalhador como digitador ainda que haja interrupção para atividades correlatadas à digitação; sustenta que, pelo depoimento do representante da reclamada, conclui-se que os serviços de digitação tinham um volume operacional acima da capacidade do setor, o que compromete o depoimento da testemunha patronal Ari.
A testemunha obreira declarou que “ambas as reclamantes durante toda a jornada permaneciam digitando dados, negando a depoente que as mesmas prestassem atendimento ao público; (…) que a própria depoente transmitia às reclamantes os dados que seriam lançados ou transmitidos no sistema, explica que, quando a depoente atendia ao público, preenchia manualmente a ordem de serviço e repassava essa ordem às autoras para a digitação, bem como a depoente também recebia via sistema informações que eram repassadas às reclamantes.” (fls. 970).
A testemunha patronal informou que “confirma que as atendentes preenchiam ordens de serviço e as reclamantes tinham por função transmitir via sistema os dados das ordens para as providências necessárias; (…) durante aproximadamente 50% da jornada diária as reclamantes executavam tarefa de digitação, mas não de forma contínua, pois eram intercaladas com serviços de atendimento, prestação de informações aos técnicos (verbalmente) e também atendiam ao telefone de mesa que existia na seção; (…) as reclamantes eram responsáveis pelo atendimento de clientes internos, como tal entendido os funcionários de outras áreas como, por exemplo, projetos, facilidade de rede e nesse atendimento lhes transmitiam informações mediante prévia consulta telefônica ou ao sistema; (…) todos os funcionários do setor das autoras trabalhavam com computador próprio” (fls. 970).
No laudo pericial em que apurada a periculosidade do local de trabalho, constatou o Sr. Perito que “as atividades das reclamantes sempre foram as mesmas (…) Elas trabalhavam com um computador onde faziam a digitação de dados referentes às ordens de serviço. Trabalhavam tanto com a digitação das novas ordens como também davam baixa nas ordens de serviço que foram executadas. Para tanto, mantinham contatos freqüentes (por telefone) com os técnicos de telefonia que estavam executando os serviços. O volume aproximado diário de movimentação de ordens de serviços eram em torno de 100 a 150 ordens. Eventualmente, as reclamantes eram solicitadas a descerem no subsolo para buscar equipamento denominado ‘modem’ utilizado nas instalações de linhas telefônicas.” (fls. 933).
Pelas declarações do Sr. Perito, é mister reconhecer que o depoimento da testemunha obreira está condizente com a realidade, de sorte que é forçoso concluir que as reclamantes laboravam na maior parte de seu tempo de serviço digitando ordens de serviço.
Além disso, a própria reclamada, em sua contestação, afirma que as reclamantes tiveram alteração de seu contrato de trabalho após 31/03/2000, quando deixaram de utilizar o terminal de vídeo e fone de ouvido constantemente (fls. 280), conforme documento anexo, que se trata de alteração contratual efetivada em 01/04/00 (fl. 396), na qual foi consignado que a obreira cumpria jornada de 36 horas semanais, tendo em vista que a sua atividade laboral enquadrava-se no previsto no §2º da cláusula 10ª do acordo coletivo de trabalho vigente, à vista da utilização de audiofones e/ou terminal de vídeo em caráter permanente e ininterrupto.
De se concluir, portanto, que a própria reclamada reconhece o trabalho das reclamantes com o computador em caráter ininterrupto até 31/03/2000, trabalho esse que, segundo a prova oral, consistia em digitação de dados, sendo certo que, com relação ao período posterior, a prova testemunhal obreira e o laudo pericial comprovam que as reclamantes laboravam a maior parte de sua jornada de trabalho com digitação.
A jurisprudência da mais alta Corte Trabalhista consagrada na Súmula nº 346 reconheceu, por aplicação analógica do art. 72, da CLT, que os digitadores se equiparam aos trabalhadores nos serviços de mecanografia, entendendo que teriam direito aos intervalos previstos naquela norma. Na verdade, tal equiparação tem como finalidade proteger o trabalho do digitador, contra o esforço concentrado nas mãos, mais especificamente, punhos e dedos, causadores da doença profissional conhecida como tenossinovite (inflamação da bainha dos tendões).
Deste modo, fazem jus as reclamantes aos intervalos previstos no art. 72 da CLT, razão pela qual dou provimento ao inconformismo recursal para deferir horas extras pela ausência dos descansos obrigatórios previstos no dispositivo legal citado, aplicado analogicamente.
HORAS EXTRAS/ 20 MINUTOS QUE ANTECEDEM OU SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO
Afirmam que os 20 minutos antecedem ou sucedem a jornada de trabalho previstos na cláusula 12ª do dissídio coletivo da categoria não foram pagos às recorrentes, contrariando o art. 58, §1º da CLT, e OJ 23 da SDI do C. TST, sendo devidos os 40 minutos como horas extras; afirma que, ainda que os 40 minutos tenham sido autorizados por cláusula do dissídio coletivo sem a correspondente remuneração como jornada extraordinária, os acordos dessa natureza não podem frutificar, por fraudarem mandamentos jurídicos, restringindo direitos sociais reconhecidos na própria Constituição Federal, em prejuízo ao trabalhador.
A cláusula relativa às horas extras (cláusula 13ª) do acordo coletivo de 1998/1999 estipula que “para o cômputo de horas extras, os 20 (vinte) minutos iniciais somente serão considerados quando o período for superior aos mesmos” (fls. 527).
As cláusulas relativas às horas extras dos acordos coletivos de 1999/2000, de 2000/2001, de 2001/2002 e de 2002/2003 (cláusulas 12ª ou 13ª ou 14ª) estabelecem que “para o cômputo de hora extras não serão considerados os 20 (vinte) minutos que antecedem ao início da jornada e os 20 (vinte) minutos que sucedem ao término da jornada” (fls. 544, 563, 581e 601).
Nada obstante a negociação coletiva encontre seu permissivo legal nos incisos XIV e XXVI do art. 7º da Constituição Federal, que reconhece os acordos e convenções coletivas, a autonomia conferida aos sindicatos tem limites na própria lei (lembre-se que o art. 58, §1º estipulou cinco minutos como tolerância para anteceder e suceder a jornada, num total de dez minutos diários), pois o representante da categoria profissional não conserva soberania a ponto de vulnerar direitos mínimos, assegurados constitucionalmente. Portanto, se a categoria profissional abrir mão do direito a horas extraordinárias, deve, certamente, receber, em troca, um benefício em compensação.
“In casu”, os acordos coletivos não apresentam nenhum benefício ou vantagem como compensação à ampliação dos minutos de tolerância para anteceder ou suceder a jornada de trabalho, de sorte que não nos parece razoável a negociação coletiva neste aspecto, motivo pelo qual não se pode considerar válida a referida cláusula.
Nestas condições, há de se conceder às obreiras como horas extras os minutos que antecederam ou sucederam a jornada, desde que excedentes aos cinco minutos previstos no §1º do art. 58 da CLT, merecendo reforma o r. julgado de origem neste aspecto.
MULTA DO ART. 477 DA CLT
Argumentam as recorrentes que a multa do art. 477 da CLT é devida, porque o ato formal da rescisão não operou total legalidade, mas, sim, parcial, por saber-se que sobre as verbas rescisórias incidirão reflexos de uma eventual condenação proveniente do provimento a este recurso.
Em que pese a irresignação das reclamantes, o pedido em questão é inepto, haja vista que na inicial não houve causa de pedir, mas tão somente o pedido (item XII – fls. 12/13), restando, pois, extinto sem julgamento do mérito o pleito.
RECURSO DA RECLAMADA
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE
Afirma a recorrente que a Portaria 3214- NR16- Anexo 2- item 03- letra “s” não contempla a situação das recorridas como exercentes de atividades em áreas perigosas, posto que não ficavam expostas a risco de vida permanente, mesmo porque as suas atividades não exigiam qualquer contato com inflamáveis tampouco seu local de serviço se situava no local em que se encontravam os tanques de inflamáveis; ressalta que os reservatórios de óleo diesel encontram-se no subsolo do prédio, em recinto fechado e se destinam à alimentação dos geradores de energia elétrica, não havendo a possibilidade de circulação de pessoas não autorizadas no local; relata que as recorridas laboravam em andares superiores do prédio, que se distanciam significativamente do local que abriga o produto inflamável; argumenta que a área de risco, segundo a NR, é o recinto de armazenagem do tanque de óleo diesel e, ainda, a faixa de 3m de largura em torno dos reservatórios, e não, todas as dependências do prédio; relata que as atividades exercidas pelas recorridas não estão elencadas no anexo II da NR-16, da Portaria 3214/78 do Ministério do Trabalho, de modo que não há que se concluir pela periculosidade porque, para sua caracterização, é necessário as atividades das trabalhadoras sejam reputadas como de risco; diz que, segundo a lei, o adicional de periculosidade só é devido quando implicar em contato permanente do empregado em área de risco, sendo que OJ nº 280 da SDI do C. TST já previu a inexistência do direito ao adicional no caso de tempo reduzido de exposição ao risco ou contato derivado de caso fortuito; conclui que, por todas essas razões, é indevido o adicional de periculosidade, bem como os seus reflexos, posto que, sendo indevido o principal, o acessório também é indevido.
No laudo pericial de fls. 929/939, constatou o Sr. Perito que o local de trabalho das reclamantes está situado no pavimento térreo, piso imediatamente superior ao subsolo, onde está localizada a sala do gerador elétrico e dos reservatórios de óleo diesel, as quais estão separadas do pavimento superior por uma distância aproximada de 4,5 metros. Relatou o Sr. Perito, no laudo, que foram apuradas condições incompatíveis com a Norma Regulamentadora nº 20, contribuindo para o aumento das condições de risco acentuado, por estarem em desacordo com os itens 20.2.7 e 20.2.13 que estabelecem que os tanques de armazenagem de líquidos inflamáveis somente poderão ser instalados em edifícios sob a forma de tanques enterrados e em recipientes cuja capacidade máxima seja de 250 litros por recipiente (em resposta ao quesito nº 03 das reclamante o Sr. Perito informou que a capacidade dos reservatórios constantes da reclamada eram de 875 litros cada um – fls. 938). Concluiu o Sr. Expert, em seu laudo, que foram constatadas várias atividades desenvolvidas pelas reclamantes em área considerada de risco, caracterizando a periculosidade (fls. 938).
A prevalência do laudo pericial que concluiu pela periculosidade do local de serviço das reclamantes deve ser mantida, uma vez que, não estando enterrados os tanques de armazenamento de inflamável e estando muito acima da capacidade permitida (até 250 litros), o risco de incêndio/explosão alcançar toda a edificação é de indiscutível probabilidade, constituindo, portanto, área de risco o local onde as reclamantes desenvolviam suas atividades, ainda mais por se localizar no piso imediatamente superior ao da armazenagem do inflamável.
Não há que se cogitar em eventual ou esporádico contato com a área de risco, eis que as reclamantes laboravam em local reconhecido como área de risco.
Nego provimento.
HORAS EXTRAS/ BASE DE CÁLCULO/ INTEGRAÇÃO DO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE
O adicional de periculosidade tem natureza nitidamente salarial, compondo a remuneração do trabalhador para todos os efeitos legais, sendo certo que, recebendo o trabalhador o adicional de periculosidade durante a jornada normal de trabalho, também deverá receber o adicional durante a jornada extraordinária, porque esse trabalho também é desenvolvido em condição de risco.
Neste sentido, foi editada a Orientação Jurisprudencial nº 267 da SDI, do C. TST, que preconiza:
“267. Horas extras. Adicional de periculosidade. Base de cálculo.
O adicional de periculosidade integra a base de cálculo das horas extras.”
Nego provimento.
HONORÁRIOS PERICIAIS
Na Justiça do Trabalho, é indiscutível que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, conforme previsão expressa do art. 790-B da CLT.
Portanto, sendo a reclamada sucumbente na pretensão objeto da perícia, é sua a responsabilidade pelos honorários periciais.
Nego provimento.
Ante o exposto, resolvo conhecer dos recursos, negar provimento ao recurso da reclamada e dar parcial provimento ao recurso das reclamantes para condenar a reclamada ao pagamento de horas extras pela ausência dos descansos previstos no art. 72 da CLT e pelo excesso da jornada que antecede ou sucede a jornada, desde que superiores aos cinco minutos previstos no §1º do art. 58 da CLT e julgar extinto sem julgamento do mérito o pleito relativo à multa do art. 477 da CLT, nos termos da fundamentação, parte integrante do presente dispositivo.
Fica rearbitrado o valor da condenação em R$15.000,00 para fins recursais, fixando as custas processuais em R$300,00 a cargo da reclamada.
LORIVAL FERREIRA DOS SANTOS
Juiz Relator