Supremo decidirá se jornalista precisa de diploma

 

Supremo decidirá se jornalista precisa de diploma

Caberá ao Supremo Tribunal Federal julgar se é obrigatória a exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. Recurso Extraordinário apresentado pelo Ministério Público Federal foi admitido pelo vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e agora segue para o STF. A decisão do desembargador Baptista Ferreira foi publicada no dia 19/6 no Diário Oficial da União.

A procuradora Luiza Cristina Fonseca Frischeisen alega que o Decreto-Lei 972/69 (que regulamenta o exercício da profissão de jornalista) não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, porque o artigo 5º, incisos IX e XIII, prevê o direito do livre trabalho, livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação e, ainda, a liberdade de imprensa.

“O jornalismo constitui uma atividade intelectual, desprovida de especificidade que exija diploma para seu exercício”, diz a procuradora da República no recurso. “Além disso, é de se ressaltar que o jornalismo encontra-se cada vez mais especializado, de forma que pessoas formadas em outras áreas terminam, muitas vezes, por dedicarem-se à elaboração de artigos e matérias jornalísticas específicas sobre os temas de sua formação acadêmica.”

Para justificar seus argumentos, a procuradora cita lição do ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau. Em artigo publicado na Revista Trimestral de Direito Público de julho/setembro de 2001, o ministro defendeu que “as disposições do Decreto-lei 972/1969 e seu regulamento, quanto à necessidade de diploma de curso superior específico para o exercício da profissão de jornalista, não continuam em vigor”.

A procuradora ainda sustenta que a intenção do MPF é “preservar a liberdade de expressão de qualquer cidadão, sem que isto gere qualquer dano para a categoria dos jornalistas”.

Contra o diploma

Em outubro de 2001, a juíza federal Carla Abrantkoski Rister concedeu liminar para suspender a exigência do diploma. Em primeira instância, a decisão foi confirmada. A União e a Federação Nacional dos Jornalistas recorreram.

No ano passado, 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região cassou a decisão da primeira instância. O entendimento do relator, desembargador Manoel Álvares, foi o de que o Decreto-Lei 972/69, que instituiu a obrigatoriedade do diploma durante a ditadura militar, foi amparado pela Constituição Federal de 1988. Manoel Álvares ainda ressaltou que já existe jurisprudência sobre a obrigação de diploma para o exercício da profissão.

O relator entendeu ainda que não há divergência entre os pareceres da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a lei nacional, que regulamenta a profissão. As desembargadoras Salette Nascimento e Alda Basto concordaram com o relator. “Imprescindível e extremamente importante que se aprenda jornalismo na faculdade”, salientou Alda.

Registro precário

A decisão do ano passado do TRF-3 obrigou o Ministério do Trabalho a cassar os registros precários dos jornalistas sem diploma. Em fevereiro, o ministro Luiz Marinho editou uma portaria que obrigava as delegacias regionais do trabalho a intimar os profissionais sem diploma para se apresentarem e terem seus registros declarados inválidos.

Em maio deste ano, um pedido de Mandado de Segurança foi ajuizado no Superior Tribunal de Justiça pela Associação de defesa do Trabalhador Discriminado contra a cassação dos registros. O ministro João Otávio de Noronha concedeu liminar que suspendeu a regra.

Dois meses antes, o STJ já havia concedido liminar para manter o registro do jornalista sem diploma Vanderlan Farias de Sousa. Levantamento feito pelas Delegacias Regionais do Trabalho, com exceção de Bahia e Amapá, constatou que entre 2001 e 2005, 13 mil pessoas não formadas em jornalismo obtiveram o registro.

Leia a íntegra do pedido

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VICEPRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

Ref.: Apelação Cível n.º 2001.61.00.025946-3

Apelantes: Ministério Público Federal, União Federal, Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo

Apelados: Os Mesmos e Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (SERTESP)

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem, pela Procuradora Regional da República infra assinada, com fundamento no artigo 102, inciso III, alínea a da Constituição Federal, e nos artigos 541 e seguintes do Código de Processo Civil, interpor, tempestivamente, o presente RECURSO EXTRAORDINÁRIO, consubstanciado pelas razões aduzidas em anexo.

Requer seja ele admitido e, oportunamente, remetido ao E. Supremo Tribunal Federal.

São Paulo, 07 de março de 2006.

LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN

Procuradora Regional da República

RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Exmo(a). Ministro(a) Relator(a):

Exmo(a). Subprocurador(a)-Geral da República:

I – DOS FATOS QUE ANTECEDERAM À PROPOSITURA DO PRESENTE RECURSO:

Foram interpostas apelações pelo Ministério Público Federal, pela União Federal, pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e pelo Sindicato contra a r. decisão da Juíza da 16ª Vara Federal, da Subseção Judiciária de São Paulo, que julgou parcialmente procedente a Ação Civil Pública proposta pelo Parquet.

Em 16.10.2001, o Ministério Público Federal propôs a citada Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada, em que requereu:

a) fosse determinado à União Federal não mais registrar ou fornecer qualquer número de inscrição no Ministério do Trabalho para os diplomados em jornalismo, informando aos interessados a desnecessidade do registro e inscrição para o exercício da profissão de jornalista;

b) fosse a União Federal obrigada a não mais executar a fiscalização sobre o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau de curso universitário de jornalismo, bem como a não mais exarar os autos de infração correspondentes;

c) fossem declarados nulos todos os autos de infração lavrados por Auditores Fiscais do Trabalho, em fase de execução ou não, contra indivíduos em razão da prática do jornalismo sem o respectivo diploma;

d) fossem remetidos ofícios aos Tribunais de Justiça dos Estados da Federação para que houvesse a apreciação da pertinência do trancamento de eventuais inquéritos policiais ou ações penais em trâmite, cujo objeto se caracterizasse pela apuração de prática de delito de exercício ilegal da profissão de jornalista;

e) fosse fixada multa de R$ 10.000,00, devendo ser revertida em favor do Fundo Federal de Direitos Difusos para cada auto de infração lavrado em descumprimento das obrigações impostas pela concessão do pedido, e

f) por fim, fosse a União condenada a reparar os danos morais coletivos pela conduta impugnada.

Às fls. 315/326, em 23.10.2001, foi parcialmente deferida a tutela antecipada, sendo determinada a abstenção da União, em todo o país, em exigir “o diploma de curso superior em Jornalismo para o registro no Ministério do Trabalho para o exercício da profissão de jornalista, informando aos interessados a desnecessidade de apresentação de tal diploma para tanto”, bem como em fiscalizar “o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau de nível universitário de Jornalismo, assim como exarar os autos de infração correspondentes […], sob pena de cominação de multa diária nos termos do art. 11 da Lei nº 7.347/85”.

Inconformadas com a decisão, a FENAJ (fls. 398/476) e a União (fls. 479/492) interpuseram Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, autuados sob os n.ºs 2001.03.00.034677-0 e 2001.03.00.035349-0, respectivamente.

Às fls. 744/747, foi indeferido “o ingresso na lide, na qualidade de litisconsortes ou assistentes do Ministério Público Federal aos cidadãos PEDRO PAULO NOTARO (fls. 495), ANTÔNIO CARLOS ARNONE (fls. 498), ADRIANA CARVALHO (fls. 504), e JOSÉ GOULART QUIRINO (fls. 515)”. Todavia, deferido o ingresso, “no pólo ativo, como assistentes simples do Ministério Público Federal do SINDICATO DAS EMPRESAS DE RÁDIO E TELEVISÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO (SETERSP) (fls. 710); bem como da FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS (FENARJ) e do SINDICATO DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS NO ESTADO DE SÃO PAULO (fls. 340), no pólo passivo, como assistentes simples da ré UNIÃO FEDERAL […]”.

Transcorrido regularmente o processo, com observância das garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, veio aos autos sentença (fls. 883/930), publicada em 10.10.2003, que julgando parcialmente procedente o pedido formulado pelo Parquet, assim dispôs:

“a) determinar que a ré União Federal, em todo o país, não mais exija o diploma de curso superior em Jornalismo para o registro no Ministério do Trabalho para o exercício da profissão de jornalista, informando aos interessados a desnecessidade de apresentação de tal diploma para tanto, bem assim que não mais execute fiscalização sobre o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau universitário de Jornalismo, assim como deixe de exarar os autos de infração correspondentes;

b) declarar a nulidade de todos os autos de infração pendentes de execução lavrados por Auditores – Fiscais do Trabalho contra indivíduos em razão da prática do jornalismo sem o correspondente diploma;

c) que sejam remetidos ofícios aos Tribunais de Justiça dos Estados da Federação, de forma a que se aprecie a pertinência de trancamento de eventuais inquéritos policiais ou ações penais em trâmite, tendo por objeto a apuração de prática de delito de exercício ilegal da profissão de jornalista;

d) fixar multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser revertida em favor do Fundo Federal de Direitos Difusos, nos termos dos arts. 11 e 13 da Lei nº 7.347/85, para cada auto de infração lavrado em descumprimento das obrigações impostas neste decisum.”

Inconformadas, a FENAJ e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo interpuseram recurso de apelação, com razões às fls. 939 a 995, sustentando, preliminarmente, cerceamento do direito de defesa, ilegitimidade do Ministério Público Federal, e necessidade da participação de todos os sindicatos representantes da categoria de jornalistas, e das faculdades particulares de jornalismo como litisconsortes necessários, bem como pelo não cabimento da ação civil pública na presente hipótese. No mérito, alega a recepção do Decreto-lei 972/69 pela atual Constituição Federal.

No mesmo sentido, o apelo da União Federal (fls. 1183/1197).

O Parquet federal, por sua vez, interpôs recurso de apelação (fls. 1158/1159), com razões anexas (fls. 1160/1181), pugnando pela reforma da sentença para que fossem atendidos os pedidos rejeitados pela juíza sentenciante, quais sejam, que União Federal se abstenha de exigir o registro de jornalista, através do Ministério do Trabalho, bem como repare os danos morais coletivos alegados.

Em razão da recusa da FENAJ em emitir as carteiras de identidade funcional aqueles que obtiveram o registro de jornalista pela via judicial noticiada nos autos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 1229/1249), que requereu a tomada de providências no sentido de cessar tal descumprimento judicial, decidiu a magistrada, por meio do despacho de fls. 1274/1277, fossem abertas vistas dos autos respectivamente à FENAJ, ao Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo e à União Federal.

Após as manifestações apresentadas pela FENAJ e pela União, a MM. Juíza, a fim de conferir efetividade à sentença proferida, decidiu, às fls. 1295/1302:

“Defiro parcialmente o pedido do Ministério Público Federal […] fixando desde já, multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) à FENAJ por emissão de Carteira Nacional de Identidade de Jornalista com tratamento diferenciado daqueles pedidos feitos por jornalistas diplomados, bem como determino à FENAJ que autorize os Sindicatos de Jornalistas e emitir a Carteira de Identidade de Jornalista para aqueles solicitantes registrados no Ministério do Trabalho amparados na sentença da presente ação civil pública”.

Apresentadas contra-razões pelo SERTESP (fls. 1307/1328), pela FENAJ (fls. 1389/1406).

Irresignadas com a decisão supracitada (fls. 1292/1302), a FENAJ e O SETERSP interpuseram Agravo de Instrumento (n.º 2003.03.00.042570-8), com pedido de efeito suspensivo, em que requereram a total reforma do decisum.

O Ministério Público Federal manifestou-se, às fls. 1514/1548 pelo improvimento das apelações da União Federal, da FENAJ, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo e pelo parcial provimento da apelação interposta pelo Parquet Federal, “com a conseqüente reforma da sentença recorrida, no sentido de determinar que a União se abstenha de exigir o registro dos não diplomados em jornalismo, a fim de que possam exercer a profissão e de que não sofram a imposição de qualquer penalidade face à ausência da formação superior”(fl. 34/35).

Então, a Colenda Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região prolatou a decisão recorrida, assim ementada:

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REQUISITOS PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. FENÔMENO DA RECEPÇÃO. VIA ADEQUADA. MATÉRIA EMINENTEMENTE DE DIREITO. JULGAMENTO ANTECIPADO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO COM OUTROS SINDICATOS. DECRETO-LEI N. 972/69. RECEPÇÃO FORMAL E MATERIAL PELA CARTA POLÍTICA DE 1988. EXIGÊNCIA DE CURSO SUPERIOR DE JORNALISMO. AUSÊNCIA DE OFENSA À LIBERDADE DE TRABALHO E DE IMPRENSA E ACESSO À INFORMAÇÃO. PROFISSÃO DE GRANDE RELEVÂNCIA SOCIAL QUE EXIGE QUALIFICAÇÃO TÉCNICA E FORMAÇÃO ESPECIALIZADA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS.

1. Legitimidade do Ministério Público Federal para propor ação civil pública, ante o interesse eminentemente de ordem social e pública, indo além dos interesses individuais homogêneos do exercício da profissão de jornalista, alcançando direitos difusos protegidos constitucionalmente, como a liberdade de expressão e acesso à informação.

2. Legítima e adequada a via da ação civil pública, em que se discute a ocorrência ou não do fenômeno da recepção, não se podendo falar em controle de constitucionalidade.

3. Havendo prova documental suficiente para formar o convencimento do julgador e sendo a matéria predominantemente de direito, possível o julgamento antecipado da lide.

4. Todos os Sindicatos da categoria dos jornalistas são legitimados a habilitar-se como litisconsortes facultativos, nos termos do § 2º do art. 5º da Lei nº 7.347/85. Não configuração de litisconsórcio necessário.

5. A vigente Constituição Federal garante a todos, indistintamente e sem quaisquer restrições, o direito à livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV) e à liberdade de expressão, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX). São direitos difusos, assegurados a cada um e a todos, ao mesmo tempo, sem qualquer barreira de ordem social, econômica, religiosa, política, profissional ou cultural. Contudo, a questão que se coloca de forma específica diz respeito à liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, ou, simplesmente, liberdade de profissão. Não se pode confundir liberdade de manifestação do pensamento ou de expressão com liberdade de profissão. Quanto a esta, a Constituição assegurou o seu livre exercício, desde que atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei (art. 5º, XIII). O texto constitucional não deixa dúvidas, portanto, de que a lei ordinária pode estabelecer as qualificações profissionais necessárias para o livre exercício de determinada profissão.

6. O Decreto-Lei n. 972/69, com suas sucessivas alterações e regulamentos, foi recepcionado pela nova ordem constitucional. Inexistência de ofensa às garantias constitucionais de liberdade de trabalho, liberdade de expressão e manifestação de pensamento. Liberdade de informação garantida, bem como garantido o acesso à informação. Inexistência de ofensa ou incompatibilidade com a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos.

7. O inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 atribui ao legislador ordinário a regulamentação de exigência de qualificação para o exercício de determinadas profissões de interesse e relevância pública e social, dentre as quais, notoriamente, se enquadra a de jornalista, ante os reflexos que seu exercício traz à Nação, ao indivíduo e à coletividade.

8. A legislação recepcionada prevê as figuras do provisionado e do colaborador, afastando as alegadas ofensas ao acesso à informação e manifestação de profissionais especializados em áreas diversas.

9. Precedentes jurisprudenciais.

10. Preliminares rejeitadas.

11. Apelações da União, da FENAJ e do Sindicato dos Jornalistas providas. 12. Remessa oficial provida.

13. Apelação do Ministério Público Federal prejudicada.”

Em síntese, verifica-se que o acórdão prolatado, publicado em 30 de novembro de 2005 no Diário de Justiça da União (fl. 1614), deu provimento aos recursos de apelação da União Federal, da FENAJ, do Sindicato dos Jornalistas e à remessa oficial, julgando prejudicado o recurso de apelação do Ministério Público Federal.

Posteriormente, vieram os autos a esta Procuradoria Regional da República, ensejando a interposição do presente Recurso Especial.

II – DA TEMPESTIVIDADE NA INTERPOSIÇÃO DO PRESENTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO:

Dispõe o artigo 188 do Código de Processo Civil :

“Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.”

Os autos foram recebidos no Ministério Público Federal em 06.02.2006 (fl. 1617), numa segunda-feira, começando a correr o prazo para interposição do Recurso Extraordinário em 07.02.2006 (Terça-feira), sendo o prazo fatal 08.03.2006 (Quarta-feira), tendo em vista o disposto no artigo 508 do Código de Processo Civil, que concede o prazo legal de 15 (quinze) dias para interposição de Recurso Extraordinário, combinado com o artigo 188 do Código de Processo Civil, aplicável à espécie, que permite ao Ministério Público utilizar-se do prazo em dobro, duplicando-se, portanto, o prazo do Recurso Extraordinário de 15 (quinze) para 30 (trinta) dias.

Sobre o assunto, a jurisprudência manifestou-se reiteradamente:

“O art. 188 se aplica ao Ministério Público, tanto quando é parte, como quando funciona como fiscal da lei.”(1)

Pelo que, tempestiva a apresentação deste recurso nesta data.

III– DO DIREITO:

III-A – Da contrariedade ao artigos 5º, incisos IX e XIII, e 220 da Constituição Federal em razão da suposta recepção do Decreto-Lei n.º 972/69 pela Lei Maior:

Assentou a v. decisão vergastada o entendimento de que “as normas veiculadas pelo Decreto-Lei n.º 972/69, foram integralmente recepcionadas pelo sistema constitucional vigente, sendo legítima a exigência do preenchimento dos requisitos de existência do prévio registro no órgão regional competente e diploma de curso superior de jornalismo para o livre exercício da profissão de jornalista” (fl. 1611).

Diferentemente do ventilado no acórdão recorrido, o diploma legal questionado não foi recepcionado pela atual Constituição Federal.

Ao considerar que o Decreto-Lei n.º 972/69 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o acórdão recorrido terminou por contrariar o disposto nos artigos 5º, incisos IX e XIII, e 220, da Lei Maior.

O artigo 4º, inciso V do mencionado Decreto-Lei, exige o diploma em curso superior de jornalismo para que a pessoa possa exercer tal profissão. Vejamos:

“Art. 4º – O exercício da profissão de jornalista requer prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social que se fará mediante a apresentação de:

(…)

V – diploma de curso superior de jornalismo, oficial ou reconhecido registrado no Ministério da Educação e Cultura ou em instituição por este credenciada, para as funções relacionadas de ” a ” a ” g ” no artigo 6º.”

Ora, tal regra revela-se incompatível com a Magna Carta de 1988, que declara a liberdade de profissão.

Não se pode defender a recepção desta norma, como fez o acórdão guerreado, em razão da disposição de um único artigo constitucional, isto é, o artigo 5º, incisos IX e XIII, que prevê o direito ao livre trabalho e à livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, e ainda a liberdade de imprensa.

Por oportuno, transcrevem-se os mencionados dispositivos:

“Art. 5º. […]

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; […]” (grifou-se)

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”

Deveras, a restrição feita pelo artigo 5o, inciso XIII da Constituição Federal, refere-se somente a determinadas profissões, nas quais se exige conhecimentos técnicos específicos para o regular desempenho na atividade, sem acarretar qualquer dano à coletividade, como os profissionais na área da Saúde, por exemplo. Mas o mesmo não deve ocorrer com relação aos jornalistas.

Deve-se ter em mente que a regulamentação das profissões deve ter como objetivo último a proteção daqueles que são os receptores dos serviços profissionais, os quais devem ter a certeza de receberem serviços de pessoas capacitadas para tanto.

A respeito, a lição de Edmundo Campos Coelho (2):

“(…) o traço importante que distingue as “profissões” em sua dimensão corporativa seria, em primeiro lugar, a capacidade de autoregulação coletiva; em seguida, e estreitamente associada à condição anterior, uma certa capacidade de regular o mercado de prestação de serviços profissionais, sobretudo pelo lado da oferta, oferecendo algum tipo de “proteção” aos seus membros. Um monopólio, enfim. Nestes termos, nem todas as profissões liberais, na acepção do Aurélio, são profissões no sentido socio-lógico convencional, embora as demais características das primeiras (educação superior, prestígio social, natureza técnica do conhecimento) sejam necessárias para a definição das segundas.”

Nesse sentido, vigora no Brasil a regulamentação das profissões por meio dos Conselhos e Ordens Profissionais, que instaura um “monopólio” sobre a atividade profissional.

A função de tais Conselhos e Ordens decorre do poder de polícia do Estado, sendo seu objetivo principal defender a sociedade também do ponto de vista ético, sendo inseridas no Sistema Nacional de Organização e Condições para o Exercício de Profissões, como pessoas jurídicas de Direito Público.

Segundo João Leite de Faria Júnior (3):

“Compete aos Conselhos e Ordens defender a sociedade, pelo ordenamento da profissão, tendo, por função, o controle das atividades profissionais respectivas, zelando o privilégio e controlando a ética. Valorizando a profissão ao impedir que pessoas inabilitadas exercitem as atividades profissionais e, ainda, combatendo a falta de ética profissional, atingem os Conselhos e Ordens o seu desideratum. Os Conselhos e Ordens se organizaram porque a sociedade necessita de um órgão que defenda, impedindo o mau exercício profissional, não só leigos inabilitados, como dos habilitados sem ética. Tanto uns como outros lesam a sociedade. Compete aos Conselhos evitar essa lesão.”

Revista Consultor Jurídico, 20 de junho de 2006

por Priscyla Costa