Previdência entre o joio e o trigo

 

Previdência entre o joio e o trigo 

As novas metodologias aplicadas à avaliação do PIB fizeram regredir, aritmética e proporcionalmente, o déficit do regime geral de previdência social, segundo anúncio auspicioso da Secretaria de Previdência Social .

De acordo os dados divulgados, ganhamos um fôlego adicional de alguns anos para voltarmos ao nível preocupante da metodologia anterior, como se tudo o que estivesse sendo discutido, desde os efeitos dos fenômenos demográficos até os níveis de proteção do regime, fossem apenas detalhes que somem num piscar de olhos. Ledo engano para um planejamento adequado. A passividade diante de novas referências econômicas certamente potencializará os problemas de hoje, que são estruturais e não aritméticos. 

Sem dúvidas, o discurso do presidente Lula, de que é preciso separar o joio do trigo dentro do regime da Previdência Social, está mais do que correto. Acostumamo-nos a suportar as iniciativas de assistência social, muitas delas de caráter político, e que deveriam estar onerando diretamente os cofres do Tesouro. Cansamos de ouvir especialistas neoliberais propondo a privatização do regime, ou sua capitalização, como forma de resolver o déficit dessas políticas assistencialistas, quando, na verdade, as aposentadorias e pensões do pessoal civil sempre estiveram muito próximas das bases atuariais. 

Claro que precisa de ajustes, principalmente com relação aos tetos e às formas de reajuste dos benefícios, quase sempre desniveladas da performance da economia e dos níveis de preços. Claro que precisa de ajustes, mas estes de longo prazo, nas formas de concessão à vista da evolução demográfica. Mas, tudo isso de forma planejada e sem causar traumas à sociedade. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

Da mesma forma como erram aqueles que propõem mudanças repentinas e profundas num regime não tão distante do equilíbrio, erra aquele que vê, na nova metodologia de avaliação do PIB, o afastamento dos problemas até agora discutidos. Além disso, não se pode abandonar a situação mais grave, e que hoje não impacta o regime geral, que é a previdência do servidor público, sustentada diretamente pela União, pelos Estados e pelos Municípios. O Brasil tem mais de 5.500 municípios que agregam, no conjunto, uma população próxima de 4,5 milhões de servidores, dos quais mais de 60% com relação estatutária. 

A norma constitucional que abriu caminho para a equiparação do regime de aposentadorias dos servidores públicos ao regime dos funcionários civis, não prosperou até agora, dadas as forças políticas antagônicas e as intensas pressões de um status quo favorável. A limitação de tetos no regime do funcionalismo só poderá ser implementada na oferta paralela de planos complementares, similares aos da previdência privada, e tal iniciativa compete ao poder público. Enquanto isso, os proventos da inatividade continuam pesando. 

Dos 5.500 municípios brasileiros, apenas pouco mais de 1/5 têm regimes próprios implantados, estando a meio caminho da demanda constitucional. Mas falta muito. Há governos com dificuldades enormes na sustentação das folhas de pagamento de ativos e de inativos. E sabem que o futuro será sombrio se não houver um limite para esses gastos, à vista da responsabilidade fiscal de cada um.  O governo Federal tem mostrado pressa em implementar o regime complementar para os servidores da União, cujo custo anual é superior a R$ 115 bilhões. 

Os grandes dilemas da previdência social são estruturais e, por isso, não podem ser afastados do permanente debate pela simples alteração no processo de avaliação de sua representatividade sobre o PIB (Diário do Comércio-Paulo Mente).