A pressão da Previdência Social

                                  A pressão da Previdência Social

Se a carga tributária não aumentar este ano, como promete o governo, o crescimento programado dos gastos da Previdência Social terá de ser compensado pelo corte de outras despesas orçamentárias. Como cerca de 90% das despesas previstas no Orçamento da União são obrigatórias, mais uma vez o corte atingirá os investimentos públicos. Para evitar que isso ocorra, o governo anunciou, na semana passada, um pacote de medidas destinadas a elevar as receitas previdenciárias e a reduzir os custos.

Houve uma certa confusão do governo ao anunciar que as medidas permitirão reduzir o déficit previdenciário projetado para este ano de R$ 40 bilhões para R$ 32 bilhões – uma queda de R$ 8 bilhões. Na verdade, o déficit previsto para 2005 era de R$ 37,8 bilhões, segundo o decreto de contingenciamento orçamentário (decreto nº 5.379), que foi editado pelo Presidente Lula no dia 25 de fevereiro deste ano, antes, portanto, do pacote. As medidas anunciadas permitirão reduzir o déficit em R$ 5,8 bilhões em relação ao previsto no decreto, o que não deixa de ser uma meta ambiciosa.

Segundo o governo, a redução do déficit será obtida, principalmente, pelo aumento da receita do INSS. O decreto 5.379 prevê uma arrecadação líquida total do INSS para este ano de R$ 105,4 bilhões. A nova previsão de receita, divulgada na semana passada pelos ministros da área econômica, é de R$ 109,6 bilhões – um aumento de R$ 4,2 bilhões! O crescimento da arrecadação resultará da recuperação de créditos da Previdência Social e do combate à sonegação.

A redução dos custos, por sua vez, decorrerá da mudança do cálculo do valor de três benefícios previdenciários: auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez. Agora, o valor desses benefícios será equivalente à média aritmética dos 36 últimos salários-de-contribuição e será limitado ao valor do salário recebido no momento em que o benefício foi requerido. Antes, o valor correspondia à média de 80% dos maiores salários de contribuição. Além disso, o governo ampliou a carência para a obtenção do auxílio-doença e permitiu que o INSS cessasse os pagamentos indevidos como, por exemplo, a acumulação de benefícios.

Uma nota técnica feita pelo ex-Ministro da Previdência Social José Cechin e pelo Economista Fábio Giambiagi, do BNDES, publicada no boletim de conjuntura do Ipea de setembro de 2004, mostra que o número de auxílios-doença pagos cresceu a uma taxa média de 24% ao ano no período de 1999/2003. Em 2004, o aumento foi ainda maior: 27%. O número desse benefício passou de 460.388 em 1999 para 1.382.195 em 2004, como mostra o gráfico abaixo. Os autores observam que os gastos com os auxílios-doença em 1999 equivaliam a 2,4% do total de todos os benefícios previdenciários e, em 2003, já tinha chegado a 5%.

Eles levantaram quatro razões para esse crescimento astronômico. A primeira são os critérios mais rígidos para a concessão de aposentadorias a partir das reformas de 1998-1999. Por causa disso, Cechin e Giambiagi acham que é possível que parte dos segurados do INSS esteja procurando obter outros benefícios, especialmente o auxílio-doença. A segunda explicação seria a conjuntura econômica adversa, com baixo crescimento e aumento do desemprego, que predominou até 2003. Um outro motivo é a modernização operacional da Previdência, que teria facilitado a comprovação do direito a esse benefício por parte do segurado.

A quarta explicação seria a capacidade pericial do INSS. O quadro próprio de servidores peritos não se renova há muitos anos e, diante dessa escassez, o INSS passou a contar com um número cada vez maior de peritos credenciados. Os dois autores indagam se não estaria havendo maior tolerância na avaliação médica da incapacidade.

Com o pacote da semana passada, o governo começou a enfrentar o problema do INSS que pretendia adiar para depois de 2006. Ele se torna maior a cada ano. As despesas da Previdência Social correspondiam a 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1996 e atingiram 7,1% do PIB em 2004. O déficit também é crescente: ele praticamente não existia em 1996 e agora está em torno de 1,8% do PIB. Como lembra Giambiagi, em conversa com esta coluna, o problema tende a se agravar porque o envelhecimento da população brasileira ainda está no início. As projeções do IBGE mostram que, em 2005, a população com 60 anos ou mais corresponde a 8,9% do total. Em 2020, corresponderá a 12,9% e a 17,1% em 2030.

Giambiagi está convencido de que o próximo governo, qualquer que seja sua coloração ideológica, terá de realizar uma ampla reforma das regras do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Ele gostaria que o governo Lula promovesse, pelo menos, a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo.

 

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo

29/03/2005