Escala 6×1 em xeque: a proposta de redução da jornada e os rumos do Direito do Trabalho

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A discussão sobre a jornada de trabalho ocupa lugar central nas transformações sociais e econômicas atuais. No Brasil, a jornada semanal de 44 horas, distribuída no regime 6×1 (seis dias de trabalho por um de descanso), ainda é a norma em grande parte dos setores produtivos.

Em 2025, o debate ganhou força com a apresentação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 8/2025, que propõe reduzir a jornada para 36 horas semanais, em quatro dias de trabalho, sem redução salarial.

O destaque está na origem da proposta: ela não nasceu de partidos ou centrais sindicais, mas de uma mobilização popular inédita, liderada pelo coletivo “Vida Além do Trabalho”, criado por Rick Azevedo. A petição virtual do grupo reuniu mais de 2,9 milhões de assinaturas, expondo o descontentamento com o modelo vigente e o desejo de reorganizar o tempo dedicado ao trabalho.

Essa força social levou uma deputada federal do PSOL a apresentar a PEC, que em poucos meses conquistou apoio formal de mais de 230 parlamentares.

O que é o modelo 6×1?

O regime 6×1 é uma criação histórica da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943. Ele estabelece que, após seis dias consecutivos de trabalho, o trabalhador tem direito a um repouso semanal de 24 horas, preferencialmente aos domingos (art. 67 da CLT).

Foi pensado para uma economia industrial, com lógica produtivista e disciplinar da força de trabalho. Em geral, a jornada semanal de 44 horas se distribui em cerca de 7h20 por dia, durante seis dias.

Esse modelo ainda é comum em setores como comércio, hotelaria, saúde, serviços gerais e segurança privada.

Críticas ao modelo tradicional

Apesar de consolidado, o modelo 6×1 é amplamente criticado por seus impactos sociais, familiares e de saúde:

  • Prejudica a conciliação entre trabalho e vida pessoal, dificultando o convívio familiar, o lazer e o bem-estar;
  • Contribui para o esgotamento físico e psíquico, aumentando o risco de doenças e acidentes de trabalho;
  • Impede maior autonomia do trabalhador, limitando a gestão do tempo de forma flexível.

Organizações sindicais, pesquisadores e movimentos sociais consideram o 6×1 obsoleto e propõem alternativas como a semana de quatro dias ou a ampliação do descanso semanal.

Mesmo com a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467), que flexibilizou formas de contratação (como o trabalho intermitente), o modelo 6×1 segue como referência mínima legal e símbolo de um paradigma que muitos consideram superado.

O desafio da transição: a PEC 8/2025

A PEC 8/2025 propõe uma emenda ao artigo 7º da Constituição Federal, instituindo o limite de 36 horas semanais, com possibilidade de negociação coletiva para ajustes setoriais.

A proposta busca:

  • Valorizar a saúde e a dignidade do trabalhador;
  • Promover uma nova organização do tempo de vida;
  • Estimular a inovação e a produtividade sem perda de direitos.

Contudo, ela também preserva a lógica da primazia do negociado sobre o legislado, o que reflete a influência da Reforma Trabalhista de 2017.

Essa dualidade revela um paradoxo: de um lado, a afirmação de direitos universais; de outro, a flexibilização por negociação, que pode precarizar condições de trabalho, sobretudo onde há fragilidade sindical.

Três dilemas centrais do modelo regulatório

A proposta traz à tona dilemas estruturais do Direito do Trabalho no Brasil:

  1. Centralização x fragmentação:

A Constituição busca proteger universalmente os direitos, mas sua aplicação depende de negociações locais e desiguais.

  1. Norma x realidade:

Existe uma distância entre a lei e sua concretização, sobretudo em um mercado com mais de 40% de informalidade.

  1. Flexibilização x simetria negocial:

A aposta na negociação como solução moderna ignora que muitos trabalhadores não têm estrutura ou representação para negociar de forma justa.

O que é necessário para que a mudança funcione?

A aprovação da PEC, por si só, não garante sua efetividade. Serão necessários:

  • Fortalecimento das organizações sindicais;
  • Investimento em fiscalização e inspeção do trabalho;
  • Capacitação de magistrados e auditores;
  • Criação de mecanismos participativos para ouvir trabalhadores;
  • Apoio técnico e financeiro à negociação coletiva.

Sem isso, há o risco de que a nova regra vire letra morta ou, pior, abra caminho para precarizações disfarçadas de flexibilidade.

O papel do Judiciário

A jurisprudência recente tem avançado no reconhecimento do direito ao descanso como pilar da dignidade no trabalho.

  • O TST tem considerado abusiva a imposição de jornadas extensas sem compensação adequada (RR 20813-45.2016.5.04.0812).
  • O STF, na ADI 5826, reconheceu que limitar a jornada é um desdobramento do direito fundamental à saúde, consolidando uma base interpretativa importante para o futuro.

Esses precedentes podem ser fundamentais para sustentar juridicamente a mudança proposta pela PEC.

A PEC 8/2025 representa mais do que uma reforma legislativa. Ela expressa uma nova forma de pensar o trabalho, baseada em qualidade de vida, saúde coletiva e justiça social.

Embora enfrente resistências políticas e econômicas, ela já gerou efeitos concretos: audiências públicas no Senado e na Câmara, com a presença de especialistas, sindicatos, empresários e sociedade civil.

Sua implementação exigirá mudança estrutural no papel do Estado, nas instituições do trabalho e na cultura jurídica do país. É um chamado à reconstrução do Direito do Trabalho no Brasil com foco no trabalho digno, equilibrado e humanizado.