Como o Brasil virou um laboratório da precarização: novo livro analisa o avanço do trabalho por plataformas digitais

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O Brasil vive uma transformação profunda no mundo do trabalho. Com mais de 2,3 milhões de pessoas sob controle de plataformas digitais em 2024, segundo estimativas inéditas, o país tornou-se um verdadeiro laboratório para a expansão de modelos de negócio marcados pela informalidade, monopólios e ausência de regulação.

É nesse cenário que se insere o livro “O trabalho controlado por plataformas digitais no Brasil: dimensões, perfis e direitos”, recém-lançado pela Clínica Direito do Trabalho da Universidade Federal do Paraná, sob coordenação de Sidnei Machado, com apoio do Ministério Público do Trabalho. A publicação acaba de ganhar destaque na reportagem do The Intercept Brasil, que classificou o estudo como uma das mais completas investigações sobre o trabalho plataformizado no país.

A obra reúne dados empíricos obtidos por meio de análise de tráfego digital, cruzamento com bases públicas e mais de 490 entrevistas com trabalhadores e trabalhadoras de diferentes regiões e setores. Também analisa mais de quatro mil decisões judiciais, propondo um olhar crítico sobre a jurisprudência e os desafios da regulação frente à chamada “uberização”.

O livro mostra que 92% dos trabalhadores em plataformas estão inseridos em atividades local based, como transporte de passageiros e entregas. Só a Uber concentra cerca de 900 mil motoristas ativos no Brasil, fazendo do país seu segundo maior mercado no mundo. Entre as entregas, o iFood permanece hegemônico, apesar da entrada de novas plataformas como a Envios Extra, do Mercado Livre.

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As condições de trabalho descritas são alarmantes: 60% dos entrevistados ganham menos de dois salários mínimos por mês. As jornadas são longas, os critérios de remuneração e punição são definidos por algoritmos opacos e as chances de diálogo com as empresas são mínimas. 

O controle é digital, mas a lógica é tradicional: metas, bloqueios e exclusões que reproduzem um sistema de subordinação sem vínculo formal — e sem proteção.

A pesquisa também evidencia a fragilidade das respostas institucionais. No Congresso, projetos como o PLP 12/2024 e o PL 2479/2025 ainda não dão conta da complexidade do fenômeno. No Judiciário, a maioria das decisões se ancora na tese da autonomia contratual, mesmo diante de provas de controle direto e dependência econômica.

“As plataformas operam no limite da legalidade, explorando as lacunas regulatórias para expandir seu domínio, muitas vezes à revelia dos direitos sociais”, comenta Sidnei Machado. A proposta do livro, portanto, é fornecer dados confiáveis sobre o fenômeno e lançar bases para um marco regulatório robusto, capaz de enfrentar a precarização estrutural imposta por esse modelo.

Além de uma rica análise empírica e teórica, o livro oferece propostas concretas de políticas públicas, como a incorporação permanente de dados sobre o trabalho em plataformas pela PNAD Contínua, a obrigatoriedade de transparência das empresas e a ampliação da proteção previdenciária a todos os trabalhadores, independentemente da modalidade.

Com esse lançamento, a Clínica Direito do Trabalho da UFPR, coordenada por Sidnei Machado, reafirma seu compromisso com a produção de conhecimento rigoroso e com impacto social, contribuindo para o debate público sobre o futuro do trabalho no Brasil.