Movimento pelo fim da escala 6×1 recupera a pauta da redução de jornada

Por Sidnei Machado (*)

 O significativo mérito do movimento pelo fim da escala 6×1 é trazer de volta à agenda do trabalho no Brasil a crucial discussão sobre a redução da jornada semanal. A luta por uma jornada de trabalho mais curta é uma reivindicação histórica dos trabalhadores, que sempre enfrentou feroz resistência. Contudo, reformas trabalhistas flexibilizantes dos últimos criaram um ambiente propício para práticas abusivas de aumento de jornada e intensificação do trabalho, especialmente nos setores de comércio e serviços.

A jornada de seis dias, com folga em dia útil, tem sido a norma desde a CLT, originalmente fixando 48 horas semanais, até que a Constituição de 1988 reduziu para 44 horas. A constante exigência de horas extras e a implementação de bancos de horas, especialmente após a reforma de 2017, deram às empresas liberdade para modular a jornada de trabalho sem muitas restrições legais. Sindicatos enfraquecidos não conseguem impedir que acordos coletivos incluam cláusulas prejudiciais aos trabalhadores, resultando em longas jornadas, trabalho aos domingos e feriados, e poucas folgas.

Provocado pelo vereador Rick Azevedo (Psol-RJ) e seu movimento Vida Além do Trabalho (VAT), o tema ganhou força com uma petição pública online, simbolizando um levante contra a exacerbação da desregulação da jornada de trabalho no país. Durante a Assembleia Constituinte (1987-1988), a proposta de 40 horas foi derrotada. As Centrais Sindicais e partidos de esquerda tentaram diversas vezes retomar essa pauta, com a última mobilização ocorrendo na Campanha Nacional pela Redução da Jornada de 2003.

A causa pelo fim da escala 6×1 é essencial não apenas pela sobrecarga física que impõe, mas também pelo desequilíbrio que causa entre vida pessoal e profissional. Cargas horárias excessivas estão ligadas a problemas de saúde física e mental, como estresse, fadiga crônica e doenças ocupacionais. Além disso, dificultam a conciliação entre trabalho, família e vida social, prejudicando a qualidade de vida dos trabalhadores.

Dois dias de folga ou redução de jornada

Para ser viável juridicamente, a proposta de redução de jornada necessita de uma emenda constitucional. Para atender essa demanda há duas alternativas: proibir a jornada de 6×1, garantindo na prática dois dias de folga por semana, ou reduzir a jornada para pelo menos 40 horas semanais. A proposta inicial prevê 36 horas semanais distribuídas em quatro dias de trabalho. A deputada Erika Hilton iniciou a coleta de assinaturas para uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), a proposta inicial prevê 36 horas semanais distribuídas em quatro dias de trabalho.

Há propostas anteriores em tramitação no Congresso. Em 2015, o senador Paulo Paim (PT) apresentou a PEC 148/2015, visando a redução da jornada semanal de trabalho para 40 horas e, gradualmente, para 36 horas. No entanto, a proposta foi arquivada em 2022 sem votação. Outra proposta em tramitação busca incentivar as empresas a adotarem a jornada reduzida pelo Diploma Empresa Ideal. O Projeto de Resolução do Senado PRS 15/2024 destina-se a premiar empregadores que implementem melhores práticas de trabalho, como a diminuição da carga horária sem perda salarial. A premiação seria concedida anualmente pelo Senado, e a indicação dos candidatos ficaria a cargo dos senadores.

O caminho da alteração do artigo 7º. da Constituição de 1988 é incontornável para que reduzir a jornada de trabalho semanal no Brasil e limitar os abusos patronais em modular e flexibilizar o cumprimento da jornada em seu interesse.
A via da negociação coletiva já se mostrou inviável, diante da fragilidade institucional dos sindicatos frente ao poder patronal, numa condição de grande desequilíbrio.

Reforma trabalhista

Adicionalmente, é fundamental revogar o trecho da reforma trabalhista de 2017 que permite que negociações coletivas derroguem a lei, conforme o art. 611-A da CLT, para bloquear a pressão das empresas sobre os trabalhadores e seus sindicatos para desregular a jornada legal por meio acordo coletivos. Também é necessário revisar a Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, que liberalizou o trabalho aos domingos no comércio em geral, forçando os trabalhadores a trabalharem três domingos consecutivos para ter uma folga dominical.

As empresas, previsivelmente, argumentam contra quaisquer medidas de redução de jornada, alegando impactos negativos na economia, aumento de custos e riscos de perda de competitividade. Contudo, a tendência global é clara: muitos países têm reduzido a jornada semanal média, focando em 40 horas ou menos, aliando bem-estar dos trabalhadores a benefícios econômicos e sociais. A demanda por modelos de trabalho mais flexíveis, como home office e jornadas híbridas, está crescendo. Países e empresas que experimentam semanas de trabalho de quatro dias com 32 horas semanais, mantendo a mesma remuneração, relatam ganhos em produtividade e bem-estar dos funcionários.

Em resumo, a reforma da Constituição combinada com mudanças legislativas oferece caminhos institucionais viáveis. No entanto, é somente por meio de uma mobilização social significativa que poderemos efetivamente pressionar o Congresso a tomar as medidas necessárias nessa direção.

(*) Sidnei Machado é professor de Direito do Trabalho na UFPR, advogado e sócio-fundador do escritório Sidnei Machado Advogados.

(**) Texto publicado no Conjur, em 16 nov. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-nov-16/movimento-pelo-fim-da-escala-6×1-recupera-a-pauta-da-reducao-de-jornada/