O estado da Califórnia, berço do Vale do Silício e de inovações tecnológicas que impactaram o modo como vivemos e trabalhamos, aprovou projeto de lei que tornará mais fácil o reconhecimento de vínculo de emprego de trabalhadores de empresas como a Uber.
A inovadora lei tem potencial de inspirar a criação de leis semelhantes por outros estados norte-americanos e países ao redor do mundo. Segue tradução livre da notícia vinculada no jornal The Guardian:
“Califórnia aprova projeto de lei para trabalhadores da economia do compartilhamento: a lei tornará mais difícil para empresas como a Uber negar que os trabalhadores são seus empregados.
Os legisladores do estado da Califórnia aprovaram, no dia 10 de setembro, um projeto de lei inovador direcionado a trabalhadores autônomos, em um posicionamento que potencialmente revolucionará o modo como as gigantes da economia do compartilhamento como a Lyft e a Uber se relacionam com seus empregados.
O projeto, que abre caminho para que os trabalhadores da então chamada economia do compartilhamento consigam férias e licença médica, ganhou atenção nos Estados Unidos e em outros países devido ao tamanho da força de trabalho do estado da Califórnia. O texto inovador do projeto posiciona a Califórnia como sendo a “líder nacional nessa questão crítica”, disse Steve Smith da Federação do Trabalho da Califórnia.
“A classificação errônea não é algo que acontece somente na Califórnia, ela acontece em todos os lugares,” ele disse. “A tendência em direção a enganar os trabalhadores para que fiquem sem as proteções básicas tem se acelerado recentemente. Nós achamos que isso é significante para nós aqui na Califórnia, mas sua importância nacional não pode ser deixada de lado.”
Vários candidatos a presidência pelo partido dos Democratas apoiaram a medida, incluindo os senadores Elizabeth Warren de Massachusetts, Bernie Sanders de Vermont e Kamala Harris da Califórnia.
Grupos comerciais e empresas da “economia do compartilhamento” que dependem pesadamente em autônomos criticaram ferozmente o projeto de lei. “Nós estamos totalmente preparados para levar essa questão aos eleitores da Califórnia com o intuito de preservar a liberdade e acesso de motoristas e a vontade e necessidade dos passageiros,” disse a empresa de caronas Lyft em uma declaração. A Uber não se pronunciou até o momento.
Semana passada, a Uber e a Lyft propuseram um referendo que seria apresentado aos eleitores da Califórnia no próximo ano e que excluiria os motoristas que prestam serviços de carona do escopo do projeto de lei, conhecido como AB5.
A Uber, a Lyft e a empresa de entregas DoorDash, que também fez dos motoristas autônomos o cerne de seu negócio, destinaram 90 milhões de dólares para a realização do referendo planejado para novembro de 2020 e que os isentaria da lei. Advogados trabalhistas dizem que a iniciativa provavelmente dará errado.
“Essa medida do referendo é uma estratégia de truculência promovida pela Uber e Lyft para oporem o processo legislativo em seus últimos dias,” disse Smith. “Nós não acreditamos que funcionará.”
A empresa DoorDash situada em São Francisco, ao expressar seu descontentamento com a votação do projeto de lei, disse que estaria comprometida com uma nova lei que iria garantir benefícios e proteção, incluindo salário mínimo, para seus motoristas de entrega.
O projeto de lei AB5, foi encabeçado pela congressista da Califórnia Lorena Gonzales e apoiado pelo governador do estado, Gavin Newsom, passou no senado estadual com 29 votos a favor e 11 votos contrários. O governador Newsom espera sancionar a lei em breve.
“Ao aprovar a AB5, a legislatura da Califórnia solidificou a posição do estado como sendo um líder nacional dos direitos do trabalho, definindo o padrão a ser seguido pelo resto do país,” disse a Federação do Trabalho da Califórnia em uma declaração.
A Califórnia é o estado americano mais populoso e é um líder em estabelecer políticas que são adotadas por outros estados.
A lei codifica a decisão de 2018 da suprema corte da Califórnia sobre o caso contra a empresa Dynamex Operations West Inc., a qual definiu um novo padrão para determinar se trabalhadores são propriamente classificados como autônomos.
Sob a nova lei, as empresas terão que completar um “teste do ABC” para classificar os trabalhadores como autônomos, provando que eles sejam (A) livres do controle da empresa, (B) que estejam realizando trabalho que não seja central para o negócio da empresa, e (C) que tenham um negócio independente naquele setor da indústria. Se os trabalhadores não satisfizerem todos esses três critérios, eles serão classificados como empregados e terão direito a benefícios incluindo seguro desemprego, subsídios de saúde, licença-maternidade, pagamento por hora-extra e o pagamento mínimo garantido pelo estado de 12 dólares por hora trabalhada.
A extensão em que a lei AB5 irá realmente afetar os salários dos motoristas e outros trabalhadores ainda é uma incógnita, disse Veena Dubal, uma professora do trabalho associada à faculdade de direito UC Hastings. No passado, a Uber foi capaz de impedir os efeitos de ações coletivas, tornando difícil que mudanças legais fossem forçadas em larga escala.
“A lei tem o potencial de causar grande impacto, mas o diabo está realmente nos detalhes aqui em relação aos termos de sua aplicação,” disse Dubal. “Nós não vamos ver mudanças do dia para a noite – nós talvez não as vejamos sequer no próximo ano. Sindicatos e empresas em todo o mundo estão aguardando para ver o que acontece em seguida.””
Disponível em: https://www.theguardian.com/