Acidentes de trabalho graves são, lamentavelmente, recorrentes na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Uma atividade tão útil quanto imprescindível como as dos carteiros contrasta fortemente com as mazelas das precárias condições de trabalho a que são submetidos, causa de uma legião de vítimas de adoecimentos e lesionados incapacitados. A rotina desses profissionais é pesada. Entregar em tempo exíguo correspondências e encomendas. O percurso, sempre longo, é feito à pé ou de bicicleta suportando na lombar uma pesada sacola, sob sol e chuva, às vezes enfrentando ataques de cachorros.
Lesionados no trabalho, somente lhes restam a reparação do dano pela Previdência Social. O roteiro das demandas judiciais é basicamente o mesmo. Provar no processo que as doenças ocupacionais, modalidade de acidente de trabalho, tiveram como causa o trabalho adverso, o chamado nexo causal. Depois têm que comprovar que, em razão das lesões, não mais têm condições de trabalhar na mesma função e atividade, o que motiva o pedido de pagamento de auxílio previdenciário, o auxílio-acidente.
A judicialização desses casos decorre da postura da Previdência Social que, mesmo para os casos em que o empregado foi afastado da empresa temporariamente e recebeu benefício de auxílio-doença pelo INSS, muitas vezes submetido à reabilitação profissional para possibilitar o exercício de função diversa, é indeferido o benefício de auxílio-acidente sob a alegação de ausência de nexo causal e de sequelas.
Lesão na região lombar
Uma funcionária dos Correios, após muitos anos realizando atividade de carteira, carregando muito peso e com jornada extenuante, apresentou uma discopatia degenerativa da coluna vertebral, o que a levou a desenvolver Lombociatalgia (que afeta a região lombar). Por conta disso, havia o risco de a profissional não conseguir mais desenvolver seu trabalho de maneira normal. No exame médico, foi diagnosticado que, se ela continuasse a trabalhar na função de carteira, já reconhecida também como um fator de risco, poderia aumentar a gravidade da lesão. A trabalhadora recorreu ao INSS para ter acesso ao benefício do auxílio-acidente, mas o instituto de seguridade negou. Ela então recorreu à Justiça.
Na ação representada pelo escritório Sidnei Machado Advogados Associados, foi destacado o fato de que a atividade que exige carregar pessoalmente grandes quantidades de correspondências, como é o caso da função de carteiro, é um agravante que está associado à piora do estado de saúde da profissional. “Forçoso ressalvar que a teoria da concausa é admitida pela lei e pode ser definida como sendo o elemento que concorre com outro, formando o nexo entre a ação e o resultado, entre o acidente ou a doença profissional ou do trabalho e o trabalho exercido pelo empregado. Deste modo prescinde-se do nexo-causal direto e exclusivo entre o dano e o trabalho, para a configuração do acidente ou da doença profissional ou do trabalho”, destacou em sentença o juiz da Vara de Registros Públicos e Acidentes do Trabalho, do Fórum Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba.
Rotina pesada
Por vários anos, uma funcionária levava correspondências em bolsas penduradas nos ombros e que tinham peso médio de até 15 quilos de cartas e outros tipos de encomendas.
Na rotina de trabalho, a funcionária entregava pelo menos duas bolsas de correspondências por dia. Ao esvaziar uma bolsa, a trabalhadora pegava outra, e assim ocorria de forma sucessiva.
Quando entrou nos Correios, em 2001, a profissional não sofria de nenhuma doença ou lesão e foi considerada apta para o exercício da atividade de carteira.
No entanto, a partir de 2006, em razão de ser obrigada a deslocamentos a pé, com longos percursos e sustentando nos ombros aproximadamente 15 quilos, ela começou a sentir fortes dores na sola do pé direito.
Ao ser examinada por médicos, houve a confirmação em 2007 do diagnóstico de “fibromatose da fáscia plantar”. Documentos clínicos apontaram a comprovação de que a doença decorreu da atividade laboral. O deslocamento à pé em longas distâncias, de forma constante, com o peso das bolsas sustentadas nos ombros, provocou a inflamação na região do calcanhar direito da funcionária, configurando assim o acidente de trabalho.
Ao fazer exames, já afastada da rotina de trabalho, no INSS, foi confirmada a lesão incapacitante decorrente do trabalho, o que levou o instituto de seguridade a conceder à autora da ação o benefício de auxílio-doença acidentário em janeiro de 2008. O benefício foi prorrogado até 2010, quando a autora foi submetida a processo de reabilitação para lhe preparar para exercer outra atividade profissional compatível com seu quadro clínico. Ela deixou de exercer a função de carteira, para a qual foi contratada, e foi designada para atuar como operadora de triagem e transbordo dos Correios.
“Nesse contexto fático-probatório, a autora tem direito ao recebimento de auxílio-acidente, com efeitos retroativos à cessação do auxílio-doença acidentário”, afirmou na ação o advogado Roberto Mezzomo, do escritório Sidnei Machado Advogados Associados.
A juíza Elisiane Minasse, da Vara de Acidentes de Trabalho de Curitiba, considerou a causa procedente e determinou o pagamento do auxílio-acidente desde 19 de abril de 2010, quando houve a reabilitação e cessou a concessão do benefício anterior pago a profissional. O caso agora está sendo analisado (recurso do INSS) no Tribunal de Justiça.
Lesão no pé direito
O caso de outra carteira também envolve o pedido negado por parte do INSS para pagamento do auxílio acidente. Ela desenvolveu uma bursite no pé direito em consequência da profissão que desempenhava nos Correios. O problema limitou sua capacidade para o trabalho. Submetida à perícia médica, o perito constatou a relação entre o aparecimento da bursite e a rotina que cumpria em sua jornada diária na entrega de encomendas. A sentença judicial foi favorável à trabalhadora. “Também de acordo com o laudo pericial da lavra do doutor Robert Assaad El Sarraf, a lesão que aflige a Autora (“seqüela de lesão ligamentar de pé Direito encontra-se consolidada desde 26/09/2007 e lhe impõe definitiva redução da capacidade laboral. Mais especificamente, esclareceu o doutor Perito que a sequela de lesão ligamentar de pé direito exige da Autora permanente maior esforço para o exercício das tarefas que realizava à época do infortúnio, o que não é mesmo de se desacreditar”, destacou o juiz Irajá Pigatto Ribeiro, da Vara de Acidentes do Trabalho do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. O INSS apelou ao Tribunal de Justiça para tentar reverter a ação, mas o recurso não foi aceito.
Problemas na coluna e ombros
Outra trabalhadora, também contratada pelos Correios como carteira, entregava em média 24 quilos de correspondências e encomendas por dia. Na ação que requisitava acesso ao direito do pagamento de auxílio acidente foi relatado à Justiça que “em razão das precárias condições de trabalho e das atividades exercidas, a partir de 2001 a autora passou a sentir dores nos membros superiores (ombros e coluna).” Os Correios a afastaram do trabalho e a profissional passou a receber o benefício de auxílio-doença acidentário. Reabilitada para voltar ao trabalho, ela passou a realizar atividades administrativas, em que poderia exercer a nova função sentada. Apesar de comprovado o problema, o INSS negou direito ao pagamento de auxílio acidente. A Justiça aceitou a relação de nexo causal entre a atividade que ela exercia como carteira e as lesões ocasionadas pela função. “O fato de autora ter sido afastada de suas funções habituais na empresa, sendo reabilitada para outras funções compatíveis com as limitações decorrentes do acidente de trabalho típico (agente dos correios), é prova irrefutável da sua redução de capacidade laboral”, comentou o advogado Christian Marcello Mañas.
Direito ao benefício
“Quando o trabalhador, em razão de acidente do trabalho ou doença ocupacional, fica com sequelas que reduzam sua capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, tem direito a receber benefício indenizatório de auxílio-acidente, pago até a data em que vier a se aposentar ou até o óbito”, afirmou o advogado Eduardo Chamecki.
“Essa situação, infelizmente, é extremamente comum para trabalhadores dos Correios, pois, em razão da natureza e condições de trabalho, é frequente a ocorrência de graves doenças ortopédicas que resultam em limitação definitiva da capacidade de trabalho. Os trabalhadores que ficaram afastados temporariamente, e, após o retorno, foram reabilitados por não mais poderem exercer a profissão de carteiro ou outra que exija esforço físico, ou ainda que o fazem com maior esforço e dificuldade, devem procurar uma assessoria para avaliar a possibilidade de pleitear o benefício perante a Previdência Social”, ressaltou Chamecki.
Sidnei Machado Advogados. Curitiba, 15 de fevereiro de 2016