Regulamentação da Reforma Previdenciária no Estado do Paraná

 Regulamentação da Reforma Previdenciária no Estado do Paraná

  Por Sidnei Machado (*)

 

 1.1    Aplicabilidade

Publicada a Emenda Constitucional n. 41, em 31 de dezembro de 2003, que introduziu mudanças substanciais no sistema de seguridade dos servidores públicos da União, Distrito Federal, Estados e Municípios, apesar de encontrar-se em vigor a Emendas, algumas geram dúvidas se necessitam de regulamentação no âmbito dos Estados e Municípios para viabilizar a sua aplicabilidade.

Por disposição expressa da Constituição, a competência para legislar sobre matéria atinente à seguridade social é privativa da União.1  Porém, a Constituição indica também ser de competência concorrente entre União e Estados legislar sobre previdência social.2   Para equacionar o critério de concorrência para legislar, estabelece a Constituição3 , por sua vez, que cabe à União a edição de normas gerais, podendo ser suplementadas pelos Estados, se necessário.

Assim, em matéria de seguridade social, tal como se dá com o texto da Emenda Constitucional n. 41/03, cabe à União privativamente legislar. Em razão da competência concorrente, que autoriza os Estados a suplementa-las, se necessário, cabe, ainda, a indagação se a aplicabilidade das mudanças introduzidas pela Emenda depende de regulamentação pelos Estados. Ou dito de outro modo, as normas contidas na Emenda 41 são auto-aplicáveis ou não.

Dessa forma, a competência concorrente dos Estados permite que ele edite lei para viabilizar o cumprimento da Constituição, Emenda ou lei (que contenha norma geral) ou, apenas para melhor disciplinar a matéria no âmbito de sua competência.

Da análise da Emenda Constitucional n. 41/03 se observa que a maioria das suas disposições é auto-aplicável e, assim, não depende de lei estadual. Contudo, apesar de auto-aplicável determinada regra, nada impede do que Estado ou Município edite norma para adequação de sua legislação à da União.

Para equacionar a questão da aplicabilidade da Emenda Constitucional n. 41/03, o próprio Ministério do Trabalho editou, em 07.01.2004, a Orientação Normativa n. 1, na qual interpreta quais são as disposições que considera auto-aplicáveis. Além disso, a União editou, em 19.02.2004, a Medida Provisória n. 167, regulamentando os diversos dispositivos da Emenda Constitucional n. 41/04 que dependiam de regulamentação em lei.

Com isso, cabe aos Estados fazerem adequação de suas legislações à Emenda Constitucional n. 41/03 naquilo que não há norma geral ou, para viabilizar a sua aplicação.

1.2    Pontos auto-aplicáveis

Das principais alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n. 41/03, entendemos sejam auto-aplicáveis:

1.1.1 Subteto

O subteto dos Estados, eis que claramente previsto na Emenda, nos seguintes termos:

XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003).

Além disso, a MP 167, em seu artigo 3º, para viabilizar a sua aplicação nos Estados, dispôs que:

Art. 3o  Para os fins do disposto no inciso XI do art. 37 da Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que mantenham regime próprio de previdência social de que trata o art. 40 da Constituição, manterão sistema integrado de dados relativos às remunerações, proventos e pensões pagos aos respectivos servidores e militares, ativos e inativos e pensionistas, na forma do regulamento.

 O teto de remuneração dos servidores públicos federais foi definido a partir da fixação do subsídio do subsídio mensal de Ministro do STF (art. 37, IX).  A medida visa a evitar as altas aposentadorias, mas o valor do teto fixado pelo STF, no dia 5 de fevereiro, foi de R$ 19.115,19. Trata-se de um grande equívoco a fixação de teto com base no salário dos 11 Ministros do Supremo, pois todo o sistema previdenciário ficou vinculado aos subsídios dos Ministros.

Os chamados subtetos para os Estados têm como referência de teto, para os servidores do executivo, o subsídio do Governador; para os servidores do legislativo, o subsídio dos deputados estaduais, porém; o judiciário tem como referência o subsídio dos Desembargadores dos Tribunais de Justiça, estes vinculados a 90,25% dos subsídios de Ministro do STF. Este dispositivo tem eficácia plena, sendo desnecessário lei estadual ou municipal.

Para os Estados, resta cumprir o disposto no texto Constitucional e na MP.

1.1.2  Aposentadorias

Os novos requisitos para as aposentadorias por tempo de contribuição, com o aumento da idade mínima e a introdução das novas regras de transição previstas no texto da emenda, são auto-aplicáveis, desde 1º de janeiro de 2004. Observe-se a redação da emenda:

 

Art. 2º Observado o disposto no art. 4º da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, é assegurado o direito de opção pela aposentadoria voluntária com proventos calculados de acordo com o art. 40, §§ 3º e 17, da Constituição Federal, àquele que tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, até a data de publicação daquela Emenda, quando o servidor, cumulativamente:

I – tiver cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher;

II – tiver cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria;

III – contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e

b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data de publicação daquela Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea a deste inciso.

§ 1 º O servidor de que trata este artigo que cumprir as exigências para aposentadoria na forma do caput terá os seus proventos de inatividade reduzidos para cada ano antecipado em relação aos limites de idade estabelecidos pelo art. 40, § 1º, III, a, e § 5º da Constituição Federal, na seguinte proporção:

I – três inteiros e cinco décimos por cento, para aquele que completar as exigências para aposentadoria na forma do caput até 31 de dezembro de 2005;

II – cinco por cento, para aquele que completar as exigências para aposentadoria na forma do caput a partir de 1º de janeiro de 2006.

 

1.1.3   Abono de permanência

O abono equivalente à contribuição previdenciária (11% da remuneração) para os servidores que têm direito adquirido à aposentadoria e decidam permanecer em atividade até a aposentadoria compulsória (70 anos), é cláusula prevista no § 19 do art. 40, que também dispensa qualquer regulamentação, a saber:

§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003).

 

1.1.4 Proventos dos futuros pensionistas

A limitação da pensão por morte em 70% do excedente do teto, aplicável aos novos pensionistas, encontra-se expressamente prevista no texto da Constituição, de sorte que independe de regulamentação pelo Estado. Veja o texto abaixo:

§ 7º Lei disporá sobre a concessão do benefício de pensão por morte, que será igual: 

I – ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso aposentado à data do óbito; ou 

II – ao valor da totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso em atividade na data do óbito.

 

1.1.5  Regra de cálculo da aposentadoria

A Emenda Constitucional 41/03 acabou com a regra da integralidade, salvo o direito adquirido, impondo como regra para definição da aposentadoria não mais a última remuneração, mas a média das contribuições do período laborativo para quaisquer dos regimes (geral ou próprio), conforme definido em lei. Para os servidores da União, a MP 167 definiu que:

Art. 1o  No cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, previsto no § 3º do art. 40 da Constituição, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência.

§ 1o  As remunerações consideradas no cálculo do valor inicial dos proventos terão os seus valores atualizados, mês a mês, de acordo com a variação integral do índice fixado para a atualização dos salários-de-contribuição considerados no cálculo dos benefícios do regime geral da previdência social.

§ 2o  Na hipótese da não-instituição de contribuição para o regime próprio durante o período referido no caput, considerar-se-á, como base de cálculo dos proventos, a remuneração do servidor no cargo efetivo no mesmo período.

§ 3o  Os valores das remunerações a serem utilizadas no cálculo de que trata este artigo serão comprovados mediante documento fornecido pelos órgãos e entidades gestoras dos regimes de previdência aos quais o servidor esteve vinculado.

§ 4o  Para os fins deste artigo, as remunerações consideradas no cálculo da aposentadoria não poderão ser:

I – inferiores ao valor do salário mínimo;

II – superiores aos valores dos limites máximos de remuneração no serviço público do respectivo ente; ou

III – superiores ao limite máximo do salário-de-contribuição, quanto aos meses em que o servidor esteve vinculado ao regime geral de previdência social.

§ 5o  Os proventos, calculados de acordo com o caput, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão.

Observa-se que a MP já regulamentou toda a matéria no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para definir como base de cálculo das aposentadorias o período de julho/94 até a data do requerimento do benefício. A rigor a norma foi regulamentada para o Estado, porém, ainda é possível uma legislação suplementar para disciplinar critério de cálculo, talvez redefinindo o período, desde que se observe a regra da Constituição.

1.2 Pontos que exigem regulamentação por lei estadual

1.2.1  Contribuição previdenciária de inativos e pensionistas

Para os servidores pensionistas e inativos dos Estados foi fixado pela Emenda Constitucional o percentual de 11% sobre a parcela que exceder R$ 1.200,00. A regulamentação exigida foi equacionada pela União com a edição da MP 167, a qual dispôs que somente em relação aos aposentados e pensionistas da União:

“Art. 3o-A.  Os aposentados e pensionistas de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, contribuirão com onze por cento, incidente sobre o valor da parcela dos proventos de aposentadorias e pensões concedidas de acordo com os critérios estabelecidos no art. 40 da Constituição e pelos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional no 41, de 2003, que supere o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social.” (NR)

“Art. 3o-B.  Os aposentados e pensionistas de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo desses benefícios na data de publicação da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, contribuirão com onze por cento incidente sobre a parcela dos proventos de aposentadorias e pensões que supere sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social.

Parágrafo único.  A contribuição de que trata o caput incidirá sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas aos servidores e seus dependentes que tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios com base nos critérios da legislação vigente até 31 de dezembro de 2003.” (NR)

 Para os Estados implementarem tal cobrança de contribuição deverão editar lei específica.

 1.2.2  Contribuição previdenciária de 11%

A contribuição previdenciária em valor mínimo ao previsto para os servidores da União, atualmente fixado em 11% pela Lei 9.783/99, foi regulamenta pela União na MP 167, ao dispor o art. 1-A que:

 

A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será de onze por cento, incidente sobre a totalidade da base de contribuição.

Com visto a regulamentação da MP se deu somente em relação aos poderes da União, cabendo aos Estado a devida regulamentação.

 

1.2.3  Teto para os novos servidores

O teto de benefícios para os novos servidores, definido em R$ 2.400,00, idêntico ao que será aplicado aos trabalhadores filiados ao Regime Geral de Previdência Social, depende regulamentação em lei estadual que crie o fundo de previdência complementar estadual. O fundo deve ter caráter público, sem fins lucrativos e administrado paritariamente por servidores e entes públicos. É o que dispõe a Constituição em seu art. 40,  § 15:

O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida.

 

1.3            Projeto de lei estadual (PL 41/04)

No Estado do Paraná, o governo Requião enviou o projeto de lei n. 41/04 com o objetivo de regulamentar a Emenda Constitucional no Estado do Paraná. O texto do projeto, contudo, apenas disciplina os critérios de fixação de teto no Estado e a contribuição previdenciária dos servidores ativos, inativos e pensionistas. O argumento do projeto é a necessidade de regulamentar no Estado a Emenda Constitucional n. 41/03.

No entanto, o projeto não regulamenta todas as matérias que reclamam lei estadual, como visto no item anterior. Por outro lado, dispõe sobre teto do Estado, matéria que dispensa regulamentação.

Além dessas matérias, o projeto disciplina quais as parcelas remuneratórias integram a base de cálculo para fins de incidência de contribuição previdenciária e que também servirão de base para o cálculo de futura aposentadoria.  No que pertine a regulamentação sobre a base de incidência, o projeto descreve cada uma das parcelas sobre as quais passarão a incidir à contribuição previdenciária e, conseqüentemente, se computarão para o cálculo da futura aposentadoria.

No âmbito da União, porém, a regulamentação que aparece nos § 1º do artigo 1º da MP 167, introduz critério completamente diverso, ao optar por um texto que indica integrarem a base de contribuição as  “vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras”. Além disso, discrimina quais parcelas não integram a base de contribuição, a saber:

§ 1o  Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, excluídas:

I – as diárias para viagens;

II – a ajuda de custo em razão de mudança de sede;

III – a indenização de transporte;

IV – o salário-família;

V – o auxílio-alimentação;

VI – o auxílio-creche; e

VII – o abono de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 da Constituição, o § 5º do art. 2º e o §

Não bastasse isso, permite a MP 167 ao servidor fazer a opção pela inclusão ou não de parcela de cargo em comissão na base de cálculo, como se vê do texto do § 2º:

2o  O servidor ocupante de cargo efetivo poderá optar pela inclusão na base de contribuição da parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou função de confiança para efeito de cálculo do benefício a ser concedido com fundamento no art. 40 da Constituição, respeitada, em qualquer hipótese, a limitação estabelecida no § 2º do citado artigo.” (NR)

A rigor essa regra estabelecida na MP 167 também é aplicável aos servidores dos Estados, já que o art. 1º da norma, expressamente faz referência aos “servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (grifo nosso). Dessa forma, havendo lei que vale como norma geral, não haveria necessidade de fixar outro critério para o Estado. Por outro lado, a regra da MP 167 é bastante favorável ao servidor pois contempla na base de cálculo todas as parcelas remuneratórias, com as exceções que menciona, e ainda, possibilita a opção do servidor em relação às gratificações.

 (*)  Mestre e doutor em direito, advogado. sidnei@machadoadvogados.com.br 

 

 1 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XX – seguridade social.

 2 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;

 3  Art. 24 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre  § 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.