O debate da Competência da Justiça do Trabalho no STF: o que está “em jogo”?


O que está “em jogo” na polêmica sobre a Competência da Justiça do Trabalho no STF?

É da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum a atribuição de julgar os processos contra os fundos de pensão? A questão gerou polêmica no Supremo. Iniciada a análise no dia 8 de março, foi suspenso o julgamento quando o Min. Joaquim Barbosa pediu vista e a votação estava 2 votos a favor e 2 contra. A questão é muito importante. A questão central é o acesso à justiça e a tutela efetiva dos direitos dos participantes da Previdência Privada patrocinada por empresas, que pode ter repercussões profundas na garantia de direitos trabalhistas.

Os tribunais, incluído o STF, tinham jurisprudência consolidada sobre a matéria. Se a ação contra a Previdência Privada tinha origem em relação de trabalho a competência era definida pela Justiça do Trabalho e, nas demais situações, pela Justiça Comum.

A origem dessa interpretação é de que a Justiça do Trabalho é que deve analisar os conflitos oriundos do contrato de trabalho e as relações a ele inerentes. É o que diz o art. 114 da Constituição de 1988. Mas mesmo antes de 1988 já se entendia que, se o empregador concede a seus empregados o benefício da complementação da aposentadoria, por meio de uma previdência complementar (geralmente por uma fundação própria), essa obrigação é trabalhista. Logo, a Justiça do Trabalho é competente.

Mas por que se questiona agora a competência da Justiça do Trabalho?

Há várias razões.

A Justiça do Trabalho é melhor estruturada, é gratuita e muito, mais muito mais rápida do que a Justiça Comum. Mas o que incomoda mais os defensores da competência da Justiça Comum é que Justiça do Trabalho tende a analisar e decidir o conflito aplicando princípios protetivos ao empregado. As alterações de regulamento dos planos, se lesivas aos empregados, tendem, por exemplo, a não serem admitidas pela Justiça Trabalhista. Ou seja, a vontade dos administradores dos fundos de alterarem os regulamentos sofre restrições.

O mais preocupante, porém, é que a mudança da competência (o que não é a tendência no STF), criaria um divórcio entre os direitos dos empregados pelo contrato de trabalho e a previdência complementar dos mesmos empregados. Seria um retrocesso sem precedentes. A previdência complementar não pode ser comparada a um contrato privado de previdência, comprado no balcão de uma agência bancária. São direitos que aderem à condição do trabalhador na empresa, talvez uma das maiores proteções sociais conquistadas pelo contrato de trabalho.

A rediscussão da competência é um reflexo tardio do vendaval privatizante da previdência complementar dos anos 90. Na Reforma Previdenciária de 1998, instituiu-se, pelo art. 202 da Constituição, a regra de que a previdência privada é desvinculada do contrato de trabalho. Sob a influência do modelo privado americano (onde sequer há saúde pública) e das receitas de ajustes econômicos do Banco Mundial para a América Latina, a reforma pretendeu colocar no mercado privado toda a previdência, depurando assim o contrato de trabalho desse direito.

A mudança é insuficiente para mudar o já contratado por uma geração de empregados com empresas como Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica e outras empresas que têm fundos de pensão.

O fato é que a alteração da Constituição, em 1998, inoculou o vírus desregulamentador do direito à previdência complementar. Viu-se isso nos argumentos do Ministro Dias Toffolli, favorável à mudança de competência. Sua linha de raciocínio é de que não há mais razões para manter a competência trabalhista, pois a seria mais seguro que uma mesma justiça decidisse tudo, evitando o prolongamento de discussões. Ou seja, para o Ministro não há diferenças substanciais no direito originado de contrato de trabalho e de uma relação de consumo. O argumento, no limite, despreza a peculiaridade assimétrica da relação de emprego que justifica a Justiça do Trabalho e que é a razão de ser do próprio Direito do Trabalho.

Portanto, está em debate no STF um tema central de tutela de direitos do trabalho. A Justiça do Trabalho não pode ficar sendo responsável apenas para cobrar salários e horas extras não pagas. Sua razão de ser é a proteção dos direitos inerentes ao trabalho dependente e as garantias das condições de trabalhador.