O contrato “por pequeno prazo”: será o resgate da locação do trabalho rural ?

 

O contrato “por pequeno prazo”: será o resgate da locação do trabalho rural ?

                                                                                  * Christian Marcello Mañas

Em dezembro passado foi publicada a Medida Provisória n. 410, cujas disposições introduziram diversas modificações nas relações de trabalho no campo, dentre as quais a criação do contrato de trabalhador rural por pequeno prazo.

Conquanto haja diversas impropriedades e redundâncias no texto oficial, em que se misturam conceitos como contrato determinado, indeterminado, contrato por pequeno prazo e contrato temporário, todavia tais equívocos semânticos são secundários diante da problemática da natureza contratual, ou melhor, daquilo que está para além da contratualidade.

O cerne da medida provisória é que o trabalho rural de curta duração dispensa o vínculo de emprego. Assim, o produtor rural, pessoa física apenas, poderá contratar trabalhador rural por até dois meses dentro do período de um ano, sem anotação na carteira de trabalho. Isso mesmo, basta apenas a existência de um registro documental ou de um contrato escrito, apenas para efeito de fiscalização trabalhista.

No entanto, há um paradoxo teratológico na medida provisória. Embora o trabalhador rural contratado por pequeno prazo não tenha o direito de ser registrado com vínculo de emprego junto ao produtor rural (no caso, o empregador), por outro lado, ao trabalhador rural são assegurados todos os direitos trabalhistas como se empregado fosse, inclusive com depósito de FGTS e desconto do INSS.

Antes de qualquer emissão de juízo de valor em relação à mera ausência de registro em carteira, sabe-se que a carteira de trabalho não é um documento comum. Pelo contrário. É a prova por excelência da relação de emprego e o documento oficial de cidadania do trabalhador, que abre as portas para novos empregos, empréstimos, financiamentos e para o próprio reconhecimento do trabalhador enquanto um ser social. Não é demais lembrar que a carteira de trabalho é obrigatória para o exercício de qualquer emprego, inclusive de natureza rural e mesmo em caráter temporário, como é o caso.

Mas atualmente o que se observa é que as rígidas obrigações contratuais cedem espaço a um sistema precário de trabalho e um modelo que permite fraude reiterada nas contratações dos trabalhadores. E isso nos remete – com outra roupagem – ao século XIX, precisamente ao ano de 1879, quando foi editado o Decreto n. 2.820, de 22/03/1879, que regulamentou os contratos na agricultura, de trabalhadores considerados “livres”, disciplinando a locação de serviços e as modalidades de parcerias rurais.

Mas não é só iss a medida provisória também dispôs sobre a previdência do trabalhador do campo, ao estabelecer normas transitórias sobre a aposentadoria do trabalhador rural, prorrogando o prazo previsto no art. 143 da Lei n. 8213/91 até 31 de dezembro de 2010, para o trabalhador rural empregado e para o trabalhador rural enquadrado na categoria de segurado contribuinte individual que presta serviços em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem vínculo de emprego. O valor da aposentadoria será equivalente ao salário mínimo.

Sejamos francos. A demanda atual exigindo maior flexibilidade na contratação curiosamente aparece sobre a contradição de uma exigência por novas regulamentações. E o vilão da vez é o contrato por “pequeno prazo.”  O balanço que se faz é o seguinte: as relações trabalhistas no campo são menos importantes que as relações trabalhistas na cidade?

Pelo jeito a informalidade e a precarização do trabalho ainda serão temas recorrentes deste século XXI.

* Advogado.  Mestre em Direito do Trabalho (UFPR). christian@machadoadvogos.com.br