Idade mínima para as aposentadorias: luzes e sombras

 

Idade mínima para as aposentadorias: luzes e sombras

                                                                                           * Sidnei Machado

A recente aprovação pelo Congresso Nacional do fim do Fator Previdenciário (Lei 9.876, de 26.11.1999) abriu caminho para a introdução do requisito da idade mínima para aposentadoria no Brasil. A eliminação do redutor do Fator Previdenciário é obviamente benéfica aos aposentados. O que chama atenção é que se proponha a sua simples substituição pela exigência de idade mínima, cuja proposta de Emenda à Constituição já foi apresentada (PEC 10/2008). A proposta da idade mínima, sem um debate prévio, promoverá mudança central no modelo previdenciário. Aliás, não era por outra razão que essa proposta foi uma das mais polêmicas discutidas nas reformas dos anos 90 no Brasil.

Depois de nove anos de vigência, o Fator Previdenciário se revelou medida de maior impacto no conjunto de reformas previdenciárias para o setor privado. A fórmula matemática, que penaliza duramente as aposentadorias precoces, com redução do valor do benefício obtido antes dos 63 anos de idade, foi o castigo aplicado em novembro de 1999, pela não aprovação pelo Congresso Nacional da Emenda Constitucional em dezembro de 1998, que pretendia impor justamente o requisito da idade mínima.

De fato, o mecanismo do Fator Previdenciário perdeu legitimidade e justificativa. É fruto de uma técnica mista, que combina um critério atuarial no cálculo da aposentadoria, com peso maior na idade na data da aposentadoria. Apesar de camuflar a idade mínima na sua fórmula − que havia sido rejeitado na reforma de 1998 e, portanto, não era mais requisito para aposentadoria no Brasil – o STF admitiu a sua constitucionalidade (ADin 2110-9 e ADIn 2111-7). O argumento que prevaleceu no julgamento do STF é de que o Fator Previdenciário atende ao princípio constitucional da preservação do equilíbrio atuarial do sistema. Estudo recente do IPEA demonstrou, no entanto, que se esgotou a eficácia do Fator Previdenciário na redução dos custos do sistema e na antecipação das aposentadorias.

A ligeira recuperação das contas da previdência social nos últimos anos, aliada a impopularidade do critério matemático do Fator Previdenciário (que em alguns benefícios de aposentadoria representa redução de 45% do valor do benefício), criou as condições para a sua extinção. Mas como não era mais possível o retorno ao antigo modelo de cálculo da aposentadoria, feito pela média dos últimos 36 anos de contribuição, essa iniciativa deve possibilitar, como já era esperado, a quase automática implantação da idade mínima no Brasil, com a aprovação sem grande resistência da PEC 10/2008.

É fato que há uma tendência mundial em curso que, para fazer frente aos custos de financiamento dos sistemas previdenciários, aliado ao aumento da expectativa de vida da população, se lança mão do mecanismo da idade mínima para a aposentadoria. Hoje é generalizado esse requisito nos diversos países, fixado em geral entre os 60 e 67 anos.

Necessário ou justificável o modelo de idade mínima no sistema previdenciário brasileiro, o que não pode se admitir é que uma alteração substantiva do modelo de aposentadorias, com alteração da própria Constituição, não seja precedido de um amplo debate público, evitando uma silenciosa reforma previdenciária.

Não basta fazer comparações entre as vantagens financeiras da idade mínima e o Fator Previdenciário, para concluir que a nova regra será financeiramente mais benéfica aos aposentados.  O novo requisito de elegibilidade repercutirá na vida do aposentado ou no custeio do sistema, mas sobretudo na estruturação do mercado de trabalho. Além disso, a idade mínima no Brasil traz muitas indagações. Será que ela não penaliza os mais pobres, porque são aqueles que em geral começam a trabalhar mais cedo? Em regiões como o Norte e Nordeste do país, onde a expectativa de vida é muito inferior ao sul, por exemplo, não se criaria uma barreira ao acesso às aposentadorias justamente onde ela mais se justifica?  

Enfim, a introdução da idade mínima na aposentadoria merece maior reflexão no Brasil, pois está longe ser consenso. Em definitivo: a idade mínima não pode ser introduzida apenas como argumento para suprir um vazio normativo criado pelo fim da lei do malfadado Fator Previdenciário. Esse debate traz luz, mas produz muita sombra!

* Advogado. Mestre e Doutor em Direito.