Direito à intimidade do empregado na jurisprudência do TST

 Direito à intimidade do empregado na jurisprudência do TST

                                                     por Sidnei Machado *

É preocupante a interpretação que vem se consolidando na jurisprudência do TST sobre o conteúdo do direito à intimidade do empregado. Em reiteradas decisões o TST tem rejeitado a configuração de dano moral provocado pela prática de revista pelo empregador de bolsas e pertences do empregado. A premissa da interpretação do Tribunal é que a revista de bolsas, por si só, não provoca constrangimento ou violação da intimidade da pessoa, mas retrata exercício regular de legítimo direito da empresa à proteção de seu patrimônio.

Uma das últimas empresas “absolvidas” pelo TST foi a PEPSICO DO BRASIL LTDA., uma das maiores empresas de alimentos do mundo. A empresa produz os conhecidos produtos Pepsi, Toddy e Elma Chips e uma centena de salgadinhos e guloseimas. Em uma ação trabalhista, um empregado da PEPSICO, que exercia a função de “operador multifuncional”, com longos anos de trabalho prestado, comprovou que, depois de trabalhar empacotando salgadinhos, era submetido à revista de seus pertences por um segurança da empresa.

A precaução da empresa PEPSICO em não permitir que o empregado deixasse o trabalho com um pacote de salgadinho ocultado na bolsa foi rechaçada em sentença da primeira instância, que condenou a empresa em R$ 3.000,00 por dano moral. A decisão foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional do Trabalho do Paraná.

Porém, os argumentos da empresa encontraram eco na 5ª Turma do TST. Em decisão do mês de novembro de 2009, o relator do processo, ministro Emmanoel Pereira, excluiu a indenização por considerar que a revista não implicava em contato físico e não tinha caráter discriminatório, pois todos os funcionários eram submetidos à vistoria dos pertences (Processo RR-15405/2007-005-09-00.0).

Fundamentos semelhantes são encontrados em outras decisões do TST.  Em um processo julgado em 2007, a Seção de Dissídios Individuais (SDI-1) – analisando um caso em que uma auxiliar médica, que era submetida a revistas de seus pertences em uma sala reservada, apesar dos médicos e diretores não serem revistados – considerou normal o procedimento para preservação do patrimônio da empresa (E-RR-615.854/1999.8, DJ 19/10/2007). Empresas como Carrefour e Wal-Mart também tiveram suas teses acolhidas pelo TST em casos similares.

O que causa maior inquietude são os fundamentos jurídicos utilizados nas decisões do TST, ao compreender que empregador tem poder fiscalizatório do empregado e, no caso das revistas, não caracteriza abuso, mas regular exercício de direito.

A questão, no entanto, deveria ser analisada a partir dos valores de proteção aos direitos fundamentais, no qual se acha incluído o direito à intimidade, como direito da personalidade.

Em total confronto com a tendência crescente na jurisprudência de juízes do trabalho e Tribunais Regionais do Trabalho atentos ao conteúdo e à eficácia dos direitos fundamentais, o TST interpreta com a técnica da simples ponderação entre o direito à propriedade do empregador (proteger seu patrimônio) e o direito à intimidade do empregado, para concluir, de modo equivocado, ser a revista, quando moderada, razoável e proporcional.

Não se está, porém, diante de um problema de colisão de direitos, muito menos de direitos fundamentais. De modo absolutamente diverso, trata-se de delimitar nessa prática de revista os limites do poder jurídico do empregador frente aos direitos fundamentais na relação de trabalho.

Há um consenso doutrinário, que tem repercutido gradativamente em diversas Cortes constitucionais, de que o empregado, ao adentrar na empresa, não deixa na porta os seus direitos fundamentais de cidadão. E o direito à intimidade é um direito fundamental do trabalhador como cidadão, que não pode sofrer restrição. Assim, o limite do poder fiscalizatório do empregador é a lesão à intimidade do empregado.

A própria natureza de relação de subordinação é que dá lugar à eficácia do direito à intimidade e impede a sua limitação e restrição. O poder de vigilância e de controle do empregado por parte do empregador viola o direito à intimidade quando os meios de controle se dão na pessoa do trabalhador e não na atividade que este realiza.

Esta particular natureza do direito à intimidade o faz um direito geral e absoluto, extra-patrimonial e inalienável, que tem eficácia erga omnes, tanto frente ao Estado como aos particulares, dentre estes o empregador.

O pior é que, ao conduzir a interpretação da violação da intimidade pelo critério da revista íntima, situação já prevista na lei desde 1999, como proteção das mulheres (CLT, art. 373-A), deixa-se de interpretar se extrair o conteúdo axiológico da Constituição. O abandono da interpretação da lei em conformidade com a Constituição, nesse caso, restringe e esvazia a eficácia do direito fundamental de preservação da intimidade.

É muito claro que não há restrição de aplicação do direito fundamental à intimidade na letra da lei, tampouco no espírito da Constituição.

Em muitos casos concretos, a interpretação do TST sequer responde satisfatoriamente à técnica do princípio da proporcionalidade, embora não seja o procedimento de interpretação adequado aos princípios e direitos em jogo. Ao tentar proteger o empregador de alguns produtos que fábrica (a exemplo do furto de salgadinho, no caso PEPSICO), não se pode extrair dessa forma de controle qualquer juízo de adequação, juízo de indispensabilidade e de ponderação em sentido estrito. Ou seja, não há adequação e necessidade de restrição ao direito fundamental de intimidade pelo empregador, senão violação do direito à intimidade.

O poder do empregador à revista íntima ou com contato pessoal cria no âmbito TST, com repercussões na Justiça do Trabalho, um grave precedente restritivo à recepção da eficácia horizontal (direta e imediata) dos direitos fundamentais na relação de emprego.

Os direitos fundamentais de intimidade representam a tábua axiológica eleita pelo constituinte no processo de interpretação e aplicação e, por isso, vinculam o processo interpretativo, impedindo a adoção de critérios discricionários. Mas a valoração do conteúdo do direito à intimidade do empregado revela certa resistência da jurisprudência do TST em permitir a penetração dos direitos fundamentais na relação de trabalho e, ainda, evidencia a dificuldade de elaboração de princípios gerais orientadores da interpretação de direitos à intimidade do empregado na relação de trabalho.

Sidnei Machado Advogados. Curitiba, 11 de novembro de 2009.

* Advogado. Doutor em Direito do Trabalho pela UFPR.