A nova jurisprudência do STJ sobre o resgate da reserva de poupança de fundo de pensão

 

A nova jurisprudência do STJ sobre o resgate da reserva de poupança de fundo de pensão

                                                                                 * Sidnei Machado

O empregado participante de fundo de pensão – modalidade de previdência privada exclusiva para empregados de uma ou mais empresas – ao ser desligado da empresa (a pedido ou por demissão) pode resgatar as contribuições que fez para o plano, no valor mínimo de 50% de sua cota.

Mas o critério da restituição parcial do resgate das contribuições do ex-empregado do fundo de pensão sempre foi controvertido. Apesar de haver previsão legal, não havia consenso na jurisprudência dos tribunais. Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no entanto, pacificou um novo e relevante entendimento.

O valor de “no mínimo 50% das contribuições” é previsão do art. 31, inciso VIII, § 2.º, do Decreto n. 81.240/78.  O questionamento que sempre se fez era se essa disposição, ao permitir a devolução apenas da metade das prestações pagas pelos participantes, não seria violadora de direito. Assim, construiu-se uma consistente argumentação, com diversos fundamentos, em torno do “direito à integralidade” do resgate da reserva de poupança.

Duas posições antagônicas vinham se rivalizando na jurisprudência do STJ. De um lado, aqueles que consideram legal a disposição do Decreto n. 81.240/78, bem como as disposições de regulamentos dos planos; e, de outro lado, os que, afastando a  legalidade do Decreto, entendiam pelo direito à integralidade do resgate.

Enquanto a tese da prevalência do Decreto adota como fundamento apenas no texto do Decreto; a tese da ilegalidade da restituição parcial se apóia três argumentos: primeiro, que o Decreto n. 81.240/78, ao regulamentar a então Lei n. 6.435/77, se excedeu em sua função regulamentar, ao prever percentual não contido na lei; segundo, que a restituição parcial, prevista também em alguns regulamentos de planos, constitui cláusula abusiva, por aplicação do Código de Defesa do Consumidor; terceiro, que a retenção da quantia do ex-empregado implica em violação do enriquecimento sem causa da entidade de previdência privada.

Ao analisar um caso de restituição de reserva de poupança da PETROS (Fundação Petrobrás de Seguridade Social), o STJ, por unanimidade, em recurso de Embargos de Divergência, inovou em relação à sua jurisprudência anterior. O regulamento da PETROS, da mesma forma que o Decreto n. 81.240/78, prevê a restituição de apenas 50% do ex-participante do fundo. Apesar de adotar a posição de que o Decreto n. 81.240/78 é inválido, o tribunal ponderou na fundamentação da decisão que a restituição integral despreza os custos administrativos do plano e a cobertura de benefícios de riscos (invalidez, pecúlio, etc) inclusos na contribuição.

A partir dessas premissas, o Tribunal, segundo ementa da decisão, passou a entender que: “A restituição das quantias vertidas à entidade privada deve observar os critérios estabelecidos nas normas estatutárias desde que não abusivas nem ensejem enriquecimento sem causa, considerando, caso a caso, afora a complementação previdenciária, custos administrativos, riscos garantidos, dentre outros eventualmente prestados” (Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 885.263 – RJ).

Conquanto na decisão do caso PETROS tenha prevalecido que a cláusula do regulamento do plano, que prevê restituição parcial, não é abusiva, em razão da  existência de cobertura de riscos e os custos administrativos, essa jurisprudência abre um relevante precedente. Doravante, é possível discutir, por exemplo, a abusividade de restituições parciais aos ex-participantes, em situações concretas em que seja possível apurar o excesso de retenção das contribuições vertidas pelo participante para a formação do fundo.

A nova jurisprudência do STJ de fato está amparada na nova concepção social que hoje preside os contratos, que somente pode ser considerado ato jurídico perfeito, se dele resultar perfeito equilíbrio entre os contratantes, afastando-se cláusulas abusivas que eventualmente beneficiem um dos subscritores em prejuízo do outro, que contrarie a garantia da função social do contrato.

* Advogado. Doutor em Direito (UFPR) e professor universitário. sidnei@machadoadvogados.com.br