Novas perspectivas do direito à conversão de tempo especial em comum

 

Novas perspectivas do direito à conversão de tempo especial em comum para períodos de trabalho a partir de 28.05.1998
 
                                                                                        Eduardo Chamecki *

O Superior Tribunal de Justiça – STJ sinalizou a possibilidade de rever o até então consolidado posicionamento jurisprudencial de que o art. 28, da Lei 9.711/1998, teria vedado a conversão do tempo de trabalho em condições especiais para tempo de contribuição comum a partir de 28 de maio de 1998.

A perspectiva de revisão dessa equivocada interpretação do STJ advém do julgamento proferido pela Quinta Turma, no Recurso Especial n. 956.110/SP, relatado pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que possui a seguinte ementa:

“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA E REFORMATIO IN PEJUS. NÃO CONFIGURADOS. APOSENTADORIA PROPORCIONAL. SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. POSSIBILIDADE. 1.   Os pleitos previdenciários possuem relevante valor social de proteção ao trabalhador Segurado da Previdência Social, sendo, portanto, julgados sob tal orientação exegética.2.    (…) 4.   O trabalhador que tenha exercido atividades em condições especiais, mesmo que posteriores a maio de 1998, tem direito adquirido, protegido constitucionalmente, à conversão do tempo de serviço, de forma majorada, para fins de aposentadoria comum. 5. Recurso Especial improvido.”

No julgamento, concluído na sessão de 29 de agosto de 2007, com acórdão publicado no Diário de Justiça de 22 de outubro de 2007, o relator enfrentou os argumentos até então adotados de forma uníssona pelo STJ com fundamento na tese de que  a normatividade inferior (lei ou decreto regulamentar) não poderia restringir o alcance do comando constitucional do art. 201, § 1º, da Constituição Federal. O relator foi acompanhado pelos Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima, que historicamente vinham se posicionando contrariamente à conversão de tempo após 28 de maio de 1998. Consignou no acórdão que:

“(…) a legislação superveniente (Lei 9.711/98) não poderia afastar o direito adquirido do trabalhador, deixando-o desamparado depois de, efetivamente, ter exercido atividades sob condições desfavoráveis à sua integridade física. Isto porque, negar a inclusão deste tempo de serviço efetivamente prestado em atividade insalubre ou penosa implicará em duplo prejuízo ao trabalhador: (A) porque não há como reparar os danos inequivocamente causados à sua integridade física e/ou psicológica; e (B) porque, no momento em que poderia se beneficiar por este esforço já prestado de forma irreversível, com a inclusão deste tempo para os devidos fins previdenciários, tal direito lhe está sendo negado. Desse modo, para a conversão do tempo exercido em condições especiais, de forma majorada, para o tempo de serviço comum, depende, tão somente, da comprovação do exercício de atividade perigosa, insalubre ou penosa, pelo tempo mínimo exigido em lei.”

A alteração na orientação jurisprudencial, acaso confirmada, representa grande vitória para os trabalhadores segurados do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, pois o posicionamento que vinha prevalecendo no STJ, e que restou acolhido pelos Tribunais Regionais Federais e Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais,  representou a condescendência do Judiciário com a ofensa ao direito subjetivo constitucional a requisitos diferenciados para concessão de aposentadoria (art. 201, § 1º, da CF/88), implicando em graves prejuízos aos segurados que exerceram atividades sob condições especiais prejudiciais a saúde ou integridade física.

A tese de que a Lei 9.711/1998 teria suprimido, implicitamente, o direito à conversão de tempo especial para comum após 28 de maio de 1998, decorre de erro grosseiro dos tribunais na interpretação do art. 28. Com efeito, referida regra foi originariamente editada na defesa dos interesses da classe trabalhadora, com fito de estabelecer uma regra de transição para regulamentar as situações afetadas pela revogação do § 5º, do art. 57, da Lei 8.213/91, prevista no art. 28, da Medida Provisória 1.663-10, de 29 de maio de 1998. Como a revogação do art. 57, § 5º, da Lei 8.213/91, acabou não se confirmando na conversão da MP na Lei 9.711/98, a regra de seu art. 28 foi mantida somente para dispor sobre as situações pretéritas, nenhuma referência fazendo às hipóteses futuras. Para compreensão dessa assertiva, faz-se necessária retrospectiva acerca da evolução da legislação que trata da possibilidade de conversão de tempo.

A discussão sobre a possibilidade de conversão de tempo de serviço especial para comum, ou vice-versa, teve início com a edição da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, pois, até então, era incontroverso que a legislação previdenciária autorizava a conversão tanto da atividade especial em comum, quanto da comum em especial. A nova legislação de regência vedou a possibilidade de concessão de aposentadoria especial a partir da conversão de tempo de serviço comum em especial; todavia, resguardou a possibilidade de conversão do tempo de trabalho especial para comum. O § 5º, acrescentado ao artigo 57 da Lei nº 8.213/91, estabeleceu:

“Art. 57. (…) § 5º – O tempo de trabalho exercido sobre condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão, ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.”

A Medida Provisória n. 1.663-10, de 28 de maio de 1998, porém, em seu art. 32, expressamente revogou o § 5º, do art. 57, da Lei 8.213/91, o que conduziu o INSS, a partir de interpretação questionável da legislação de regência, a editar a Ordem de Serviço n. 600, de 02 de junho de 1998, que estabeleceu os seguintes parâmetros para conversão de tempo de serviço laborado em condições especiais: a) os segurados que tivessem implementado todas as condições necessárias à aposentadoria até 28 de abril de1995 (data da Lei n. 9.032/95), poderiam converter tempo de serviço especial para comum, bem como comum para especial;b) os segurados que tivessem implementado as condições necessárias à aposentadoria entre 29 de abril de 1995 e 28 de maio de 1998 (data da MP 1.663- 10/98), só poderiam converter tempo de serviço especial para obtenção de aposentadoria comum; e c) os segurados que implementassem as condições necessárias à aposentadoria a partir de 29 de maio de 1998, não mais poderiam converter tempo de serviço.

Na 13ª edição da Medida Provisória n. 1.663, foi inserida norma provisória, destinada a regular as situações pretéritas atingidas pela revogação do § 5, do art. 57, da Lei 8.213/91, com o seguinte teor:”Art. 28. O Poder Executivo estabelecerá critérios para a conversão do tempo de trabalho exercido até 28 de maio de 1998, sob condições especiais que sejam prejudiciais à saúde ou à integridade física, nos termos dos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213 de 1991, na redação dada pelas Leis nº 9.032, de 28 de abri de 1995 e 9.528, de 10 de dezembro de 1997 e seu regulamento, em tempo de trabalho exercido em atividade comum, desde que o segurado tenha implementado percentual do tempo necessário para a obtenção da respectiva aposentadoria especial, conforme estabelecido em regulamento.”

Essa regra foi regulamentada pelo Decreto 2.782, de 14 de setembro de 1998, que permitiu a conversão de atividade especial em comum, desde que o segurado tivesse completado até 28.05.1998  20% do tempo necessário para aposentadoria especial, ou seja, o tempo especial mínimo de 03, 04 ou 05 anos, conforme o agente nocivo a que estivesse exposto, orientação mantida no art. 70, do Decreto 3.048 de 06 de maio de 1999.

A MP 1663/98, após sua 15ª edição, foi parcialmente convertida na Lei n. 9.711, de 20 de novembro de 1998. Entretanto, a Lei nº 9.711/98, a despeito de ter convalidado os atos praticados com base na Medida Provisória nº 1.663-14 (art. 30), não converteu a revogação do § 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91. O ato revogatório, que se dava de forma expressa desde a 10ª edição da MP em questão, foi intencionalmente afastado pelo legislador ordinário. O art. 28 somente foi mantido no texto da Lei 9.711/98 para regulamentar as situações pretéritas, enquanto perdurou a revogação do art. 57, § 5º, da Lei 8.213/91, qual seja entre a MP 1663-10 (29.05.1998) e a edição da Lei 9.711 (20.11.1998).

Tivesse o legislador a intenção de afastar completamente a possibilidade de conversão de tempo de serviço prestado em condições especiais, não teria deliberadamente retirado do texto legal a revogação do art. 57, § 5º, da Lei 8.213/91. O Decreto 4.792, de 03 de setembro de 2003, que deu nova redação ao art. 70 do Decreto 3.048/99, expressamente estabeleceu que: “As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período”.

Assim, desnudado o evidente equívoco na tese até então uniformizada pelo STJ, cabe aqui congratular o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho pela atuação autêntica e inovadora, e esperar que suas ilações sejam capazes de reabrir a discussão e conduzir os demais julgadores a uma reflexão mais detida sobre o tema. 

* Advogado. Especialista em Direito Previdenciário e em  Teoria Geral do Direito. Mestrando em Direito (UFPR). eduardo@machadoadvogdos.com.br